Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

 

Processo nº 0171108-49.2013.8.26.0000

Requerente: Prefeito Municipal de Presidente Prudente

Requerido: Presidente da Câmara Municipal de Presidente Prudente

 

                                     

Ementa:

 

1)      Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Complementar nº 190, de 26 de agosto de 2013, de Presidente Prudente, fruto de iniciativa parlamentar, que Cria a letra “s” na Tabela II - Taxas de Licença e Fiscalização de Atividades de Estabelecimentos Fixos, da Lei Complementar nº 132/2003, de 22.12.2003 – Código Tributário Municipal.

2)      Lei de natureza tributária que cria categoria específica para incidência da taxa de licença e fiscalização de atividades de estabelecimentos fixos, com redução do tributo. Ausência de vício normativo. Inexistência de reserva de iniciativa quanto às “leis tributárias benéficas”. Entendimento firme do Col. STF. Precedentes. Entendimento diverso que implica ofensa aos artigos 29 e 61 da CR/88.

 

Colendo Órgão Especial

Senhor Desembargador Relator

Tratam estes autos de ação direta de inconstitucionalidade, tendo como alvo a Lei Complementar nº 190, de 26 de agosto de 2013, de Presidente Prudente, fruto de iniciativa parlamentar, que Cria a letra “s” na Tabela II - Taxas de Licença e Fiscalização de Atividades de Estabelecimentos Fixos, da Lei Complementar nº 132/2003, de 22.12.2003 – Código Tributário Municipal.

Sustenta o requerente que a lei é inconstitucional por violação da independência e harmonia entre os poderes, e pela ausência de indicação dos recursos disponíveis. Assim, afirma ofensa ao disposto no art. 5º e art. 25 da Constituição Estadual.

Foi deferida a liminar para a suspensão da eficácia do ato normativo impugnado (fl. 17).

Notificada (fl. 23), a Presidência da Câmara Municipal prestou informações defendendo a validade do ato normativo impugnado (fls. 28/42).

Citado regularmente (fl. 26), o Procurador Geral do Estado afirmou tratar de matéria de interesse exclusivamente local, declinando de realizar a defesa do ato normativo impugnado (fls. 46/49).

Nestas condições vieram os autos para manifestação desta Procuradoria-Geral de Justiça.

A       Lei Complementar nº 190, de 26 de agosto de 2013, de Presidente Prudente, fruto de iniciativa parlamentar, que Cria a letra “s” na Tabela II - Taxas de Licença e Fiscalização de Atividades de Estabelecimentos Fixos, da Lei Complementar nº 132/2003, de 22.12.2003 – Código Tributário Municipal, foi promulgada pelo Presidente da Câmara Municipal, após rejeição do veto do executivo, com a seguinte redação:

“(...)

Art.1º - Fica criada a letra “s” na Tabela II - Taxas de Licença e Fiscalização de            Atividades de Estabelecimentos Fixos, da Lei Complementar nº  132/2003, de 22.12.2003 – Código Tributário Municipal, nos seguintes termos:

“s”- Empresa de Transporte Moto Taxistas:                                                                                                              UFM

1.       Com até 05 motos ...............................50,0000

2.       De 06 a 10 motos................................60,0000

3.       De 11 a 20 motos................................70,0000

4.       De 21 a 30 motos............................... 80,0000

5.       De 31 a 40 motos............................... 90,0000

6.       De 41 a 50 motos..............................100,0000

7.       De 50 a 100 motos...........................150,0000

Art. 2º - Esta Lei Complementar entrará em vigor na data da sua publicação, revogadas as  disposições em contrário.

(...)”

Ao criar nova classe para incidência da Taxa de Licença e Fiscalização de Atividades de Estabelecimentos Fixos relativos a transporte Moto Taxista, o legislador municipal reduziu o valor do tributo, tendo em vista que aquela atividade era tributada genericamente como empresa de transportes.

Trata-se, portanto, de lei tributária benéfica cuja iniciativa não é exclusiva do Poder Executivo.

Inicialmente, importante ressaltar que o disposto no art. 61, § 1º, I, b da CF, é destinado às proposições legislativas que disponham sobre matéria tributária pertinente aos Territórios Federais.

A matéria está pacificada no âmbito do Col. STF, que já assentou a inexistência de reserva de iniciativa do Poder Executivo para as chamadas “leis tributárias benéficas”, e tampouco, por consequência, qualquer ofensa ao princípio da separação de poderes em hipótese análoga.

Nesse sentido, confira-se:

“(...)

Ação direta de inconstitucionalidade. Lei 553/2000, do Estado do Amapá. Desconto no pagamento antecipado do IPVA e parcelamento do valor devido. Benefícios tributários. Lei de iniciativa parlamentar. Ausência de vício formal. Não ofende o art. 61, § 1º, II, b, da CF, lei oriunda de projeto elaborado na Assembleia Legislativa estadual que trate sobre matéria tributária, uma vez que a aplicação deste dispositivo está circunscrita às iniciativas privativas do chefe do Poder Executivo Federal na órbita exclusiva dos territórios federais. Precedentes: ADI 2.724, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ de 2-4-04, ADI 2.304, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 15-12-2000 e ADI 2.599-MC, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 13-12-2002. A reserva de iniciativa prevista no art. 165, II, da Carta Magna, por referir-se a normas concernentes às diretrizes orçamentárias, não se aplica a normas que tratam de direito tributário, como são aquelas que concedem benefícios fiscais. Precedentes: ADI 724-MC, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 27-4-2001 e ADI 2.659, Rel. Min. Nelson Jobim, DJ de 6-2-2004. Ação direta de inconstitucionalidade cujo pedido se julga improcedente. (ADI 2.464, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 11-4-2007, Plenário, DJ de 25-5-2007.)

(...)

Ação direta de inconstitucionalidade: Lei estadual 2.207/2000, do Estado do Mato Grosso do Sul (redação do art. 1º da Lei estadual 2.417/2002), que isenta os aposentados e pensionistas do antigo sistema estadual de previdência da contribuição destinada ao custeio de plano de saúde dos servidores Estado (...) Processo legislativo: matéria tributária: inexistência de reserva de iniciativa do Executivo, sendo impertinente a invocação do art. 61, § 1º, II, b, da Constituição, que diz respeito exclusivamente aos Territórios Federais. (ADI 3.205, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 19-10-2006, Plenário, DJ de 17-11-2006.) No mesmo sentido: RE 328.896, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 9-10-2009, DJE de 5-11-2009; ADI 2.392-MC, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 28-3-2001, Plenário, DJ de 1º-8-2003; ADI 2.474, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 19-3-2003, Plenário, DJ de 25-4-2003; ADI 2.638, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 15-2-2006, Plenário, DJ de 9-6-2006.

(...)

A análise dos autos evidencia que o acórdão mencionado diverge da diretriz jurisprudencial que esta Suprema Corte firmou na matéria em referência. Com efeito, não mais assiste, ao chefe do Poder Executivo, a prerrogativa constitucional de fazer instaurar, com exclusividade, em matéria tributária, o concernente processo legislativo. Esse entendimento – que encontra apoio na jurisprudência que o STF firmou no tema ora em análise (RTJ 133/1044 – RTJ 176/1066-1067) – consagra a orientação de que, sob a égide da Constituição republicana de 1988, também o membro do Poder Legislativo dispõe de legitimidade ativa para iniciar o processo de formação das leis, quando se tratar de matéria de índole tributária, não mais subsistindo, em consequência, a restrição que prevaleceu ao longo da Carta Federal de 1969 (art. 57, I). (RE 328.896, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 9-10-2009, DJE de 5-11-2009.) No mesmo sentido: ADI 352-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento 29-8-1990, Plenário, DJE de 8-3-1991.

(...)”

A reserva de iniciativa legislativa é de caráter excepcional, sendo a iniciativa concorrente a regra geral (art. 24 da Constituição Paulista e art. 61 da Constituição da República).

É pacífico, ademais, que as exceções, no Direito, merecem interpretação sempre restritiva, e não ampliativa.

Assim, com a devida vênia, caso seja declarada a inconstitucionalidade do ato normativo impugnado, isso significará, na prática, contrariedade ao disposto no art. 61 da Constituição da República (que prevê a iniciativa concorrente como regra geral para o processo legislativo), bem como ao art. 29 da Constituição da República, que determina a aplicação aos Municípios dos princípios estabelecidos na Lei Maior, entre eles aqueles inerentes ao processo legislativo, e, especificamente, a questão da iniciativa legislativa concorrente.

Por último e não menos importante, não se trata, com a devida vênia, de olvidar o entendimento que vinha sendo adotado por parte deste Col. Órgão Especial do Tribunal de Justiça.

Trata-se, objetivamente, de levar em conta que a palavra final, em sede de controle de constitucionalidade das leis (mesmo quando se trata de ação direta de inconstitucionalidade estadual), é sempre do Col. STF, pois a ele cabe, em nosso sistema constitucional, o papel de intérprete final da Constituição.

Uma vez que o Col. STF tem entendimento consolidado na matéria ora examinada, e nenhum fundamento novo foi apresentado, insistir em adotar posicionamento diverso significará, exclusivamente, protelar a adoção de uma solução que já se mostra, desde logo, previsível.

Ademais, lastreada nesta posição do C. STF, parte dos integrantes deste Órgão Especial, tem entendido pela inocorrência de vício formal (de iniciativa parlamentar) nas leis tributárias benéficas. Nesta linha:

"Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei 4.417, de 10 de novembro de 2011, do Município de Itatiba. Norma que autoriza o

Poder Executivo a criar o Programa Imposto Ecológico. Projeto de lei de autoria de Vereador. Alegação de vício de iniciativa e violação ao princípio da separação dos Poderes. Não ocorrência. Lei que concede benefício fiscal de natureza tributária. Precedentes do Supremo Tribunal Federal e deste Órgão Especial no sentido de que, em matéria tributária, a competência legislativa é concorrente. Improcedência da ação" (Adin 0012658-42.2012.8.26.0000, rei. Des. Kioitsi Chicuta, julgada em 27/06/2012).

"Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Complementar n° 106, de 14 de fevereiro de 2011, do Município de Santa Bárbara d'Oeste. Norma que "dá nova redação ao § 3o, do artigo 35, da Lei Complementar n° 54/09, corrigindo uma falha atualmente existente na legislação, em relação aos detentores de partes ideais de imóveis quanto á isenção do 1PTU". Projeto de lei de autoria de Vereador. Alegação de vício de iniciativa e violação ao princípio da separação dos Poderes. Não ocorrência. Lei que concede benefício fiscal de natureza tributária. Precedentes do Supremo Tribunal Federal e deste Órgão Especial no sentido de que, em matéria tributária, a competência legislativa é concorrente" (ADIN n° 0153001-25.2011.8.26.0000, rel. Kioitsi Chicuta, j . 22.08.2012).

"Ação direta de inconstitucionalidade - Lei do .Município de Bauru, de iniciativa da Câmara dos Vereadores (Lei n° 5.326/05) - Art. 19 que instituiu desconto de IPTU para contribuintes que 'adotarem' praças e canteiros da cidade - Ausência de violação à Constituição Estadual e à separação de Poderes - Prevalência da regra geral da iniciativa concorrente - Tanto o Legislativo quanto o Executivo são competentes para legislar sobre matéria tributária - Precedentes do Col. STF - Ação julgada improcedente" (Adin 0219772-82.2011.8.26.0000, rei. Des. Enio Zuliani, julgada em 15/02/2012).

"AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI - Município de Itararé - Lei Municipal n° 3.362/2011 de iniciativa Parlamentar que autoriza o Poder Executivo a conceder desconto no IPTU para os contribuintes que procederem a transferência de registro de veículos de sua propriedade para o Município - Possibilidade - Competência é concorrente em se tratando de matéria tributária, artigos 61 da Constituição Federal e 24 da Constituição Bandeirante - Precedentes do STF - Ação improcedente, liminar revogada" (Adin 0188924-15.2011.8.26.0000, rel. Des. Samuel Júnior, julgada em 15/02/2012)

“Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei municipal que cria novas hipóteses de parcelamento do pagamento da contribuição de melhoria de pavimentação. Matéria tributária e não orçamentária. Vício de iniciativa. Inocorrência. Ausência de violação ao princípio da independência entre os poderes. Precedentes do STF e do Órgão Especial. Ação improcedente, agravo regimental prejudicado.” (Adin 0276302-72.2012.8.26.0000/50000, Rel. Des. Cauduro Padin, julgada em 05/06/2013).

Não se pode cogitar de violação ao art. 25 da Constituição Estadual, uma vez que a lei impugnada não cria ou provoca aumento de despesa pública.

A lei de iniciativa parlamentar apenas criou, nos limites de sua competência legislativa concorrente, nova classe para incidência da taxa, sendo irrelevante que a sua aplicação possa repercutir no orçamento do município.

Por fim, embora o ato normativo impugnado possa trazer algum reflexo na programação orçamentária, não diz respeito a plano plurianual, às diretrizes orçamentárias e a orçamentos anuais, matérias de reserva legislativa do Executivo (art. 165 da CF e art. 174 da CE).

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da improcedência da ação direta, reconhecendo-se, em consonância com o posicionamento firme do Col. STF, a constitucionalidade da Lei Complementar nº 190, de 26 de agosto de 2013, de Presidente Prudente.

 

São Paulo, 25 de outubro de 2013.

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

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