Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

 

Processo nº 0171511-18.2013.8.26.0000

Requerente: Prefeito do Município de Iacanga

Requerido: Presidente da Câmara Municipal de Iacanga

 

 

Ementa

Constitucional. Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 1.394, de 15 de agosto de 2013, do Município de Iacanga. Regras e critérios para denominações de logradouros públicos. Processo legislativo. Lei de iniciativa parlamentar. Violação ao princípio da separação dos poderes.

1. A denominação de bens, prédios, logradouros e vias do patrimônio público é ato privativo da gestão administrativa reservada ao Chefe do Poder Executivo.

2. Todavia, lei municipal, de iniciativa parlamentar, pode dispor sobre os critérios para a denominação dos logradouros públicos.

3. Parecer pela improcedência do pedido.  

 

 

 

 

Colendo Órgão Especial,

 

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente:

 

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada por Prefeito Municipal contestando a Lei nº 1.394, de 15 de agosto de 2013, do Município de Iacanga, de iniciativa parlamentar, que dispõe sobre regras e critérios para denominações de bens, ruas, praças e logradouros públicos, sob alegação de contrariedade à Constituição Estadual.

Citada regularmente, a douta Procuradoria-Geral do Estado declinou de sua intervenção (fls. 119/120).

Devidamente notificado, o Presidente da Câmara Municipal de Iacanga apresentou informações a fls. 83/87.

É a síntese do ocorrido nos autos.

Não há incompatibilidade vertical da lei impugnada com a Constituição Estadual.

A denominação de logradouros públicos municipais é matéria de interesse local (art. 30, I, da Constituição Federal), dispondo, assim, os Municípios de ampla competência para regulamentá-la, pois foram dotados de autonomia administrativa e legislativa.

Não há na Constituição em vigor reserva acerca dessa matéria em favor de qualquer dos Poderes, donde se conclui que a iniciativa das leis que dela se ocupem só pode ser geral ou concorrente.

Necessário, porém, distinguir as seguintes situações:

a) a edição de regras que disponham genérica e abstratamente sobre a denominação de logradouros públicos, ou alterações na nomenclatura já existente, caso em que a iniciativa é concorrente;

b) o ato de atribuir nomes a logradouros públicos, segundo as regras legais que disciplinam essa atividade, que é da competência privativa do Executivo.

No Brasil, como se sabe, o governo municipal é de funções divididas, incumbindo às Câmaras as legislativas e ao Prefeito as executivas. Entre esses Poderes locais não existe subordinação administrativa ou política, mas simples entrosamento de funções e de atividades político-administrativas. Nesta sinergia de funções é que residem a independência e a harmonia dos poderes, princípio constitucional extensivo ao governo municipal (Cf. HELY LOPES MEIRELLES, “Direito Municipal Brasileiro”, Malheiros, 8.ª ed., p. 427 e 508).

Em sua função normal e predominante sobre as outras, a Câmara elabora leis, isto é, normas abstratas, gerais e obrigatórias de conduta. Esta é sua atribuição específica, bem diferente daquela outorgada ao Poder Executivo, que consiste na prática de atos concretos de administração. Ou seja, a Câmara edita normas gerais, enquanto que o Prefeito as aplica aos casos particulares ocorrentes (ob. cit., p. 429).

Assim, no exercício de sua função legislativa, a Câmara está autorizada a editar normas gerais, abstratas e coativas a serem observadas pelo Prefeito, para a denominação das vias e logradouros públicos, como, por exemplo: proibir que se atribua o nome de pessoa viva, determinar que nenhum nome poderá ser composto por mais de três palavras, exigir o uso de vocábulos da língua portuguesa etc. (Cf. ADILSON DE ABREU DALLARI, “Boletim do Interior”, Secretaria do Interior do Governo do Estado de São Paulo, 2/103).

A nomenclatura de logradouros públicos, que constitui elemento de sinalização urbana, tem por finalidade precípua a orientação da população (Cf. JOSÉ AFONSO DA SILVA, “Direito Urbanístico Brasileiro”, Malheiros, 2.ª ed., p. 285).

De fato, se não houvesse sinalização, a identificação e a localização dos logradouros públicos seria tarefa quase impossível, principalmente nos grandes centros urbanos.

Diferente é a finalidade da denominação de próprios públicos, em que não se visa a orientar a população, mas simplesmente homenagear pessoas ou fatos históricos.

Contudo, a despeito de tal distinção, nada obsta que o nome dado a determinado logradouro público cumpra não só a função de permitir sua identificação e exata localização, mas sirva também para homenagear pessoas ou fatos históricos, segundo os critérios previamente fixados em lei editada para regulamentar essa matéria.  

Em suma, a Câmara pode, por meio de lei, compelir o Prefeito a atender tal determinação, sem usurpar sua função. Mas não poderá editar norma de conteúdo concreto e individualizante, oficializando e conferindo a denominação a logradouro específico.

Diante do exposto, aguarda seja julgada improcedente a presente ação direta.

                   São Paulo, 1° de novembro de 2013.

 

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

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