Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

 

Processo nº 0173297-97.2013.8.26.0000

Requerente: Prefeito Municipal de Santo André

Requerido: Presidente da Câmara Municipal de Santo André

 

 

Ementa:

1)     Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 9.452, de 10 de abril de 2013, do Município de Santo André, de iniciativa parlamentar, que “Altera a escolaridade dos cargos dos seguranças patrimoniais do Município de Santo André”.

2)     Processo objetivo. Causa de pedir aberta. Possibilidade de reconhecimento da inconstitucionalidade por fundamento não apontado na inicial.

3)     Pertence exclusivamente ao Chefe do Poder Executivo a iniciativa legislativa sobre o regime jurídico dos servidores públicos, assunto que abrange os direitos, os deveres e os requisitos de escolaridade para preenchimento do cargo. Violação dos arts. 5º, 24, § 2º, 1 e 4, e art. 144, da Constituição do Estado. Procedência do pedido.

 

Colendo Órgão Especial,

Senhor Desembargador Relator:

 

Tratam estes autos de ação direta de inconstitucionalidade, tendo como alvo a Lei nº 9.452, de 10 de abril de 2013, do Município de Santo André, de iniciativa parlamentar, que “Altera a escolaridade dos cargos dos seguranças patrimoniais do Município de Santo André”.

Sustenta o requerente que a lei é inconstitucional por apresentar vício de iniciativa, violar o princípio da separação dos poderes e por usurpar prerrogativa exclusiva do Poder Executivo. Daí a afirmação de ofensa ao disposto no art. 5º, da Constituição Estadual.

Foi deferido o pedido de liminar para suspensão da vigência e eficácia da Lei nº 9.452, de 10 de abril de 2013, do Município de Santo André (fl. 33).

Citado regularmente (fl. 41), o Senhor Procurador-Geral do Estado declinou de realizar a defesa do ato normativo impugnado, afirmando tratar de matéria de interesse exclusivamente local (fls. 44/45).

Devidamente notificado (fl. 42), o Presidente da Câmara Municipal prestou informações às fls. 47/53, defendendo a validade do ato jurídico impugnado e sustentando a inadequação da via eleita por pretender confronto entre o ato normativo impugnado e a Constituição Federal.

Nestas condições vieram os autos para manifestação desta Procuradoria-Geral de Justiça.

DA PRELIMINAR

Da alegação de inadequação da via eleita

Não se pretende confrontar a Lei Municipal impugnada com a Constituição Federal.

Embora mencionados alguns dispositivos da Constituição Federal, o requerente afirmou existência de vício de iniciativa e violação do princípio da separação dos poderes e usurpação de prerrogativa exclusiva do Poder Executivo, fazendo menção expressa ao art. 5º da Constituição Estadual.  

De qualquer forma a ação direta estadual é processo objetivo de verificação da incompatibilidade entre a lei e a Constituição do Estado. Por essa razão é possível aferir-se a ilegitimidade constitucional do ato normativo impugnado à luz de preceitos e fundamentos constitucionais estaduais não mencionados na petição inicial.

A causa de pedir consiste na violação a Constituição Estadual, razão pela qual tem sido denominada como causa de pedir aberta possibilitando no controle concentrado de constitucionalidade o acolhimento por fundamento ou parâmetro não apontado na inicial.

A propósito, anota Juliano Taveira Bernardes que no processo objetivo, “Segundo o STF, o âmbito de cognoscibilidade da questão constitucional não se adstringe aos fundamentos constitucionais invocados pelo requerente, pois abarca todas as normas que compõe a Constituição Federal. Daí, a fundamentação dada pelo requerente pode ser desconsiderada e suprida por outra encontrada pela Corte” (Controle abstrato de constitucionalidade, São Paulo, Saraiva, 2004, p. 436).

Assim vem decidindo o Col. STF:

“(...)

Ementa: constitucional. (...). 'Causa petendi' aberta, que permite examinar a questão por fundamento diverso daquele alegado pelo requerente. (...) (ADI 1749/DF, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI, Rel. p. acórdão Min. NELSON JOBIM, j. 25/11/1999, Tribunal Pleno , DJ 15-04-2005, PP-00005, EMENT VOL-02187-01, PP-00094, g.n.).

(...)”

Confira-se ainda, nesse mesmo sentido: ADI 3576/RS, Rel. Min. ELLEN GRACIE, j. 22/11/2006, Tribunal Pleno, DJ 02-02-2007, PP-00071, EMENT VOL-02262-02, PP-00376.

DA CAUSA DE PEDIR ABERTA

Embora o requerente tenha apontado violação a dispositivos da Constituição Federal também indicou violação a Constituição Estadual, sobretudo ao seu art. 5º.     

Deixa-se de analisar a alegação de violação a Lei Orgânica Municipal, pois a ofensa à legislação infraconstitucional não é suficiente para deflagrar o processo objetivo de controle de constitucionalidade.

Já se consolidou o entendimento, inclusive no Supremo Tribunal Federal, que a ofensa reflexa ou indireta ao texto constitucional não viabiliza a instauração da jurisdição constitucional.

De qualquer forma, inicialmente oportuno consignar que a ação direta estadual é processo objetivo de verificação da incompatibilidade entre a lei e a Constituição do Estado. Por essa razão é possível aferir-se a ilegitimidade constitucional do ato normativo impugnado à luz de preceitos e fundamentos constitucionais estaduais não mencionados na petição inicial.

A causa de pedir consiste na violação a Constituição Estadual, razão pela qual tem sido denominada como causa de pedir aberta possibilitando no controle concentrado de constitucionalidade o acolhimento por fundamento ou parâmetro não apontado na inicial.

A propósito, anota Juliano Taveira Bernardes que no processo objetivo, “Segundo o STF, o âmbito de cognoscibilidade da questão constitucional não se adstringe aos fundamentos constitucionais invocados pelo requerente, pois abarca todas as normas que compõe a Constituição Federal. Daí, a fundamentação dada pelo requerente pode ser desconsiderada e suprida por outra encontrada pela Corte” (Controle abstrato de constitucionalidade, São Paulo, Saraiva, 2004, p. 436).

Assim vem decidindo o Col. STF:

 “(...)

  Ementa: constitucional. (...). 'Causa petendi' aberta, que permite examinar a questão por fundamento diverso daquele alegado pelo requerente. (...) (ADI 1749/DF, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI, Rel. p. acórdão Min. NELSON JOBIM, j. 25/11/1999, Tribunal Pleno , DJ 15-04-2005, PP-00005, EMENT VOL-02187-01, PP-00094, g.n.).

                             (...)”

 Confira-se ainda, nesse mesmo sentido: ADI 3576/RS, Rel. Min. ELLEN GRACIE, j. 22/11/2006, Tribunal Pleno, DJ 02-02-2007, PP-00071, EMENT VOL-02262-02, PP-00376.

NO MÉRITO

Procede o pedido.

A Lei nº 9.452, de 10 de abril de 2013, do Município de Santo André, de iniciativa parlamentar, promulgada pelo Presidente da Câmara Municipal, após derrubada do veto do Poder Executivo, tem a seguinte redação:

“Art. 1º A escolaridade exigida para os cargos de Segurança Patrimonial do Município de Santo André, passa a ser o de Nível Médio.

Art. 2º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.”

O ato normativo impugnado apresenta vício de inconstitucionalidade formal por violar a reserva de iniciativa do Poder Executivo e o princípio da separação de poderes, previstos nos arts. 5º, 24, § 2º, 1 e 4, aplicáveis aos municípios por força do art. 144 da Carta Paulista, os quais dispõem o seguinte:

“Art. 5º - São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

Artigo 24 - A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou comissão da Assembléia Legislativa, ao Governador do Estado, ao Tribunal de Justiça, ao Procurador-Geral de Justiça e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

(...)

§2º - Compete, exclusivamente, ao Governador do Estado a iniciativa das leis que disponham sobre:

1 - criação e extinção de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica, bem como a fixação da respectiva remuneração;

(...)

4 - servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;

(...)

Art. 144 – Os Municípios, com autonomia, política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.”

Verifica-se que a lei municipal impugnada ao disciplinar o nível de escolaridade para o cargo público de Segurança Patrimonial do Município de Santo André, tratou de matéria relativa ao regime jurídico do funcionalismo público.

Desta forma, a lei de iniciativa parlamentar revela-se invasiva da esfera da iniciativa privativa do Poder Executivo.

O processo legislativo, compreendido o conjunto de atos (iniciativa, emenda, votação, sanção e veto) realizados para a formação das leis, é objeto de minuciosa previsão na Constituição Federal, para que se constitua em meio garantidor da independência e harmonia dos Poderes.

O desrespeito às normas do processo legislativo, cujas linhas mestras estão traçadas na Constituição da República, conduz à inconstitucionalidade formal do ato produzido, que poderá sofrer o controle repressivo, difuso ou concentrado, por parte do Poder Judiciário.

A iniciativa, o ato que deflagra o processo legislativo, pode ser geral ou reservada (ou privativa).

O ato normativo impugnado, de iniciativa parlamentar, cuidou de matéria relativa a requisitos de escolaridade para acesso a cargo público disciplinando aspectos integrantes de seu regime jurídico, cuja iniciativa cabe ao Chefe do Poder Executivo.

A propósito, a Constituição Estadual estabelece que cabe exclusivamente ao Governador a iniciativa das leis que disponham sobre fixação da remuneração aos cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica, bem como sobre servidores públicos e seu regime jurídico (CE, art. 24, § 2°, 4).

Tal regramento deve ser observado pelos municípios por força do princípio da simetria previsto no art. 144 da Constituição Paulista.

Assim, quando o Poder Legislativo do município edita lei disciplinando matéria relativa ao regime jurídico dos servidores públicos, como ocorre, no caso em exame, em função da alteração da escolaridade exigida para os cargos de Segurança Patrimonial do Município de Santo André, invade, indevidamente, esfera que é própria da atividade do administrador público, violando o princípio da separação de poderes.

A inconstitucionalidade, portanto, decorre da violação da reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo, prevista na Constituição Paulista e aplicável aos municípios (arts. 24, § 2°, 1 e 4; 144).

Neste sentido, é o entendimento do Supremo Tribunal Federal, senão vejamos:

“INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Lei nº 740/2003, do Estado do Amapá. Competência legislativa. Servidor Público. Regime jurídico. Vencimentos. Acréscimo de vantagem pecuniária. Adicional de Desempenho a certa classe de servidores. Inadmissibilidade. Matéria de iniciativa exclusiva do Governador do Estado, Chefe do Poder Executivo. Usurpação caracterizada. Inconstitucionalidade formal reconhecida. Ofensa ao art. 61, § 1º, II, alínea ‘a’, da CF, aplicáveis aos estados. Ação julgada procedente. Precedentes. É inconstitucional a lei que, de iniciativa parlamentar, conceda ou autorize conceder vantagem pecuniária a certa classe de servidores públicos” (STF, ADI 3.176-AP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Cezar Peluso, 30-06-2011, v.u., DJe 05-08-2011).

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE. CONCESSÃO DE VANTAGENS PECUNIÁRIAS A SERVIDORES PÚBLICOS. SIMETRIA. VÍCIO DE INICIATIVA. 1. As regras de processo legislativo previstas na Carta Federal aplicam-se aos Estados-membros, inclusive para criar ou revisar as respectivas Constituições. Incidência do princípio da simetria a limitar o Poder Constituinte Estadual decorrente. 2. Compete exclusivamente ao Chefe do Poder Executivo a iniciativa de leis, lato sensu, que cuidem do regime jurídico e da remuneração dos servidores públicos (CF artigo 61, § 1º, II, ‘a’ e ‘c’ c/c artigos 2º e 25). Precedentes. Inconstitucionalidade do § 4º do artigo 28 da Constituição do Estado do Rio Grande do Norte. Ação procedente” (STF, ADI 1.353-RN, Tribunal Pleno, Rel. Min. Maurício Corrêa, 20-03-2003, v.u., DJ 16-05-2003, p. 89).

A propósito, convém destacar a seguinte decisão desse Colendo Órgão Especial:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. VICIO DE INICIATIVA. Lei municipal de  autoria de membro do Poder  Legislativo que  dispõe sobre a concessão de  auxílio-alimentação  aos servidores. Matéria  inserida na reserva de iniciativa do Chefe do  Executivo.  Separação dos Poderes. Ofensa aos art. 5º, "caput", da CESP, e  a 2° da CF/88. Caracterização de vício de iniciativa. Inconstitucionalidade formal subjetiva. Ação julgada procedente.” (ADI nº 0269127-61.2011.8.26.0000, Rel. Des. Roberto Mac Cracken, j. 21 de março de 2012)

Alterar o nível de escolaridade exigido para cargo público– precisamente o que se verifica na hipótese em exame - é matéria exclusivamente relacionada à Administração Pública, a cargo do Chefe do Poder Executivo.

Diante do exposto, aguarda-se seja o pedido julgado procedente para declarar a inconstitucionalidade da Lei nº 9.452, de 10 de abril de 2013, do Município de Santo André.  

 

                  São Paulo, 02 de dezembro de 2013.

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

 

aca