Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

 

Processo nº 0175212-84.2013.8.26.0000

Requerente: Prefeito Municipal de Mirassol

Requerido: Presidente da Câmara Municipal de Mirassol

 

 

 

Ementa:

1)     Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 3.560, de 17 de junho de 2013, do Município de Mirassol, de iniciativa parlamentar, que “Disciplina a comercialização e o descarte de óleos lubrificantes no Município de Mirassol e dá outras providências”.

 2) Preliminarmente. Na ação direta de inconstitucionalidade, legitimado ativo é o Prefeito do Município (art. 90, II, CE) e considerando a envergadura política dessa legitimidade ativa ad causam, englobante da capacidade postulatória, é razoável assentar que, embora dispensável a representação por causídico, sua existência, todavia, importa a necessidade de, no mínimo, subscrição conjunta da petição inicial e consequente inadmissibilidade de procuração outorgada pelo município.

3) A lei impugnada impôs obrigações aos estabelecimentos comerciais que comercializam e descartam óleos lubrificantes. Matéria atinente ao "poder de polícia", que é de iniciativa geral ou concorrente. Medida que visa a resguardar o meio ambiente.

4)  Inexistência de violação de iniciativa reservada do Chefe do Executivo, ou mesmo do princípio da separação de poderes. Interpretação estrita da regra de reserva de iniciativa legislativa do Poder Executivo. Precedentes do STF.

5) Norma que não gera, direta e imediatamente, nenhum encargo para a administração pública, como nos casos de criação de cargos, aumento de despesas, alteração de regime jurídico de servidores, ou mesmo modificação de rotina de serviços.

6) Tema contido no âmbito do interesse local (art. 30, I da CR/88), por consistir na disciplina do poder de polícia municipal. Lei que se reputa constitucional.

7)     Parecer pela improcedência da ação direta.

 

Colendo Órgão Especial,

Senhor Desembargador Relator:

Tratam estes autos de ação direta de inconstitucionalidade, tendo como alvo a Lei nº 3.560, de 17 de junho de 2013, do Município de Mirassol, de iniciativa parlamentar, que “Disciplina a comercialização e o descarte de óleos lubrificantes no Município de Mirassol e dá outras providências”.

Sustenta o requerente que a lei é inconstitucional por violar os arts. 1º, 5º, 25, 47, II e 144 da Constituição do Estado.

Foi deferida a liminar (fl. 19).

A Procuradoria Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 29/30).

Notificado, o Presidente da Câmara Municipal deixou de prestar informações (fls. 31).

É o breve relato do ocorrido nos autos.

PRELIMINARMENTE

Observo que a petição inicial é subscrita apenas pelos doutos advogados públicos (fl. 11), acompanhada de instrumento de mandato outorgado pelo MUNICÍPIO de Mirassol (fl. 12).

A legitimidade ativa pertence ao Prefeito do Município (art. 90, II, Constituição Estadual), bem como a capacidade postulatória, como decidido pelo Supremo Tribunal Federal:

“O Governador do Estado de Pernambuco ajuíza ação direta de inconstitucionalidade, na qual alega que a decisão 123/98 do Tribunal de Contas da União, ao exigir autorização prévia e individual do Senado Federal para as operações de crédito entre os Estados e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES, teria afrontado as disposições dos artigos 1º e 52, incisos V e VII, da Constituição Federal.

 2. Entende possuir legitimidade para a ação, em face dos reflexos do ato impugnado sobre o Estado.

3. É a síntese do necessário.

4. Decido.

5. Verifico que a ação, embora aparentemente proposta pelo Chefe do Poder Executivo estadual, está apenas assinada pelo Procurador-Geral do Estado. De plano, resulta claro que o signatário da inicial atuou na estrita condição de representante legal do ente federado (CPC, artigo 12, I), e não do Governador, pessoas que não se confundem.

6. A medida constitucional utilizada revela instituto de natureza excepcional, em que se pede ao Supremo Tribunal Federal que examine a lei ou ato normativo federal ou estadual, em tese, para que se proceda ao controle normativo abstrato do ato impugnado em face da Constituição.

7. Com efeito, cuida ela de processo objetivo sujeito à disciplina processual própria, traçada pela Carta Federal e pela legislação específica - Lei 9.896/99. Inaplicáveis, assim, as regras instrumentais destinadas aos procedimentos de natureza subjetiva.

8. O Governador de Estado é detentor de capacidade postulatória intuitu personae para propor ação direta, segundo a definição prevista no artigo 103 da Constituição Federal. A legitimação é, assim, destinada exclusivamente à pessoa do Chefe do Poder Executivo estadual, e não ao Estado enquanto pessoa jurídica de direito público interno, que sequer pode intervir em feitos da espécie (ADI(AgRg)1.797-PE, DJ de 23.2.01; ADI (AgRg) 2.130-SC, Celso de Mello, j. de 3.10.01, Informativo 244; ADI (EMBS.) 1.105-DF, Maurício Corrêa, j. de 23.8.01).

9. Por essa razão, inclusive, reconhece-se à referida autoridade, independentemente de sua formação, aptidão processual plena ordinariamente destinada apenas aos advogados (ADIMC 127-AL, Celso de Mello, DJ 04.12.92), constituindo-se verdadeira hipótese excepcional de jus postulandi.

 10. No caso concreto, em que pese a invocação do nome do Governador como sendo autor da ação (fl.2), a alegada representação pelo signatário não restou demonstrada. Indiscutível, é que a medida foi efetivamente ajuizada pelo Estado, na pessoa de seu Procurador-Geral, que nesta condição assinou a peça inicial.

 11. Ante essas circunstâncias, com fundamento no artigo 21, § 1º do RISTF, bem como nos artigos 3º, parágrafo único e 4º da Lei 9.868/99, não conheço da ação” (STF, ADI 1814-DF, Rel. Min. Maurício Corrêa, 13-11-2001, DJ 12-12-2001, p. 40).

Consoante explica a doutrina, “os legitimados para a ação direta referidos nos itens I a VII do art. 103 da CF dispõem de capacidade postulatória plena, podendo atuar no âmbito da ação direta sem o concurso de advogado” (Ives Gandra da Silva Martins e Gilmar Ferreira Mendes. Controle concentrado de constitucionalidade, São Paulo: Saraiva, 2007, 2ª ed., p. 246).

Logo, considerando a envergadura política dessa legitimidade ativa ad causam, englobante da capacidade postulatória, é razoável assentar que, embora dispensável a representação por causídico, sua existência, todavia, importa a necessidade de, no mínimo, subscrição conjunta da petição inicial e consequente inadmissibilidade da procuração outorgada pelo MUNICÍPIO e não pelo Prefeito.

       Ademais, há decisão registrando que:

 

“É de exigir-se, em ação direta de inconstitucionalidade, a apresentação, pelo proponente, de instrumento de procuração ao advogado subscritor da inicial, com poderes específicos para atacar a norma impugnada” (STF, ADI-QO 2187-BA, Tribunal Pleno, Rel. Min. Octavio Gallotti, 24-05-2000, m.v., DJ 12-12-2003, p. 62).

        

         Assim sendo, opino, preliminarmente, pela intimação do autor para regularização da representação processual, no prazo legal, sob pena de indeferimento, aviando, desde já, nas hipóteses de inércia ou recusa, a extinção sem resolução do mérito.

 

 

 

MÉRITO

Improcede a ação.

A Lei nº 3.560, de 17 de junho de 2013, do Município de Mirassol, de iniciativa parlamentar, tem a seguinte redação:

“Art. 1º - Todo óleo lubrificante usado ou contaminado, utilizado no Município de Mirassol, deverá ser recolhido, coletado e ter destinação final, de modo que não afete o meio ambiente e propicie a máxima recuperação dos compostos nele contidos, na forma da Resolução CONAMA n. 362, de 23 de junho de 2005.

§1º - para o cumprimento do caput do art. 1º fica proibida a comercialização de óleos lubrificantes em estabelecimentos que não possuam área adequada, bem como os equipamentos específicos necessários para a coleta de óleo lubrificante usado ou contaminado, a ser substituído.

§2º - Fica proibido o descarte de óleo lubrificante usado ou contaminado em solos, subsolos, em águas superficiais ou subterrâneas, nos sistemas de drenagem, nos sistemas de esgotos, nas galerias de águas pluviais ou evacuação de águas residuais.

§3º - Fica também proibido o descarte dos filtros de óleo do motor substituídos durante as operações de lavagem e lubrificação de veículos.

Art. 2º - Em caso de descumprimento desta Lei será imposta ao infrator multa de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais).

Art. 3º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, podendo ser regulamentada, no que couber, por Decreto do Poder Executivo, no prazo de 60 (sessenta dias).”

Observe-se que a legislação em questão disciplina a comercialização e o descarte de óleos lubrificantes no Município de Mirassol.

De ver-se, inicialmente, que a lei não tratou de nenhuma matéria cuja iniciativa legislativa seja reservada ao Chefe do Poder Executivo, e tampouco houve violação ao princípio da separação de poderes por invasão da esfera da gestão administrativa.

A matéria sujeita à iniciativa reservada do chefe do Poder Executivo, por ser direito estrito, deve ser interpretada restritivamente. Nesse sentido é o entendimento pacífico do Colendo Supremo Tribunal Federal, ao interpretar o art. 61, § 1º, da Constituição Federal, como se infere dos precedentes a seguir:

“As hipóteses de limitação da iniciativa parlamentar estão previstas, em numerus clausus, no art. 61 da Constituição do Brasil – matérias relativas ao funcionamento da administração pública, notadamente no que se refere a servidores e órgãos do Poder Executivo. Precedentes.” (ADI 3.394, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 2-4-2007, Plenário, DJE de 15-8-2008).

(...) iniciativa reservada, por constituir matéria de direito estrito, não se presume e nem comporta interpretação ampliativa, na medida em que, por implicar limitação ao poder de instauração do processo legislativo, deve necessariamente derivar de norma constitucional explícita e inequívoca. (...) (ADI 724-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 7-5-1992, Plenário, DJ de 27-4-2001).

No mesmo sentido os seguintes julgados: ADI 3.205, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 19-10-2006, Plenário, DJ de 17-11-2006; RE 328.896, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 9-10-2009, DJE de 5-11-2009; ADI 2.392-MC, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 28-3-2001, Plenário, DJ de 1º-8-2003; ADI 2.474, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 19-3-2003, Plenário, DJ de 25-4-2003; ADI 2.638, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 15-2-2006, Plenário, DJ de 9-6-2006.

As matérias em que há iniciativa legislativa reservada ao Chefe do Poder Executivo, em conformidade com a Constituição do Estado de São Paulo, são indicadas taxativamente: (a) criação e extinção de cargos e funções na administração direta ou indireta autárquica, bem como a fixação da respectiva remuneração; (b) criação de órgãos públicos; (c) organização da Procuradoria-Geral do Estado e da Defensoria Pública; (d) servidores públicos e seu regime jurídico; (e) regime jurídico dos servidores militares; (e) criação, alteração e supressão de cartórios.

Isso decorre do art. 24, § 2º, ns. 1, 2, 3, 4, 5, 6, da Constituição do Estado, aplicáveis aos Municípios por força do art. 144 da própria Carta Estadual (configurando reprodução das diretrizes contidas no art. 61, § 1º, da Constituição da República de 1988).

E uma simples leitura da lei impugnada permite ver claramente que ela não trata de nenhum desses assuntos.

Não há, no caso, qualquer vestígio nem mesmo tênue de desrespeito ao princípio da separação de poderes, estabelecido no art. 5º da Constituição do Estado (que reproduz o art. 2º da Constituição da República de 1988).

Seria possível afirmar a ocorrência de quebra da separação de poderes, caso a lei interferisse diretamente na gestão administrativa.

Mas não é isso o que ocorre na hipótese em exame.

Há interferência direta do legislador na atividade do administrador, como tem reiteradamente reconhecido esse Colendo Órgão Especial do Tribunal de Justiça, em casos de leis de iniciativa parlamentar que, por exemplo: (a) criam programas de governo a serem seguidos pelo Poder Executivo; (b) impõem ou vedam a prática de atos administrativos (contratos, permissões, concessões, autorizações, etc.); (c) concedem nomes a prédios públicos, praças ou vias públicas; (d) impõem a inserção de informações em comunicados enviados aos munícipes relativos ao lançamento de impostos; (e) criam sistemas de controle orçamentário, com imposição de envio periódico de informações do Executivo ao Legislativo, sem que haja correspondência com o modelo previsto na Constituição da República e aplicável por força do princípio constitucional da simetria; entre outros.

Em síntese: é possível identificar a ocorrência da quebra do princípio da separação de poderes quando da lei resulta interferência direta por parte do legislador na atividade do administrador.

Não é isso o que se constata no caso em exame.

A lei questionada impôs obrigações aos estabelecimentos que comercializam e descartam óleos lubrificantes.

 Se, para cumpri-la, será ou não necessária a criação de novos cargos de fiscalização, ou mesmo se será ou não necessária atividade suplementar de servidores, e se isso provocará ou não maiores gastos por parte do Poder Público, é algo que dependerá essencialmente da opção político-administrativa, calcada na esfera da conveniência e oportunidade administrativa, a cargo do chefe do Poder Executivo Municipal. E essa avaliação e decisão ocorrerão no âmbito administrativo, não decorrendo diretamente da lei impugnada.

Nada assegura que, para a realização da fiscalização quanto ao cumprimento da lei impugnada, será mesmo imprescindível a criação de cargos, órgãos públicos, ou mesmo a realização de despesas complementares cuja fonte de receita não foi prevista.

Daí que o ato normativo não cria diretamente cargos, órgãos, ou encargos para a administração pública, nem regula diretamente a prestação de serviços pelo Poder Público, e tampouco gera diretamente qualquer despesa para a administração pública.

Entendimento diverso implicaria contrariedade à correta compreensão a respeito do princípio da separação de poderes, previsto no art. 2º da Constituição da República de 1988, bem como às hipóteses de iniciativa legislativa reservada ao Chefe do Executivo, previstas no art. 61, § 1º, do mesmo diploma.

De outro lado, também não será o caso de declarar-se a inconstitucionalidade da lei por suposta violação ao art. 25 da Constituição do Estado, que veda a criação ou aumento de despesa sem indicação, no projeto de lei, da respectiva fonte de receitas.

A razão é simples.

As exigências previstas na lei em exame dirigem-se aos estabelecimentos que comercializam e descartam óleos lubrificantes e não ao Poder Público local.   São aqueles, e não este, que terão despesas – mínimas, é viável afirmar de passagem – com o cumprimento das providências imposta pela lei.

Declarar-se a inconstitucionalidade da lei com amparo no art. 25 da Constituição do Estado, significaria contrariar a própria função essencial do Poder Legislativo, consistente na edição de leis.

Com isso, estar-se-ia negando vigência ao art. 48, caput, da Constituição da República de 1988, que fixa as atribuições do Congresso (aplicável por analogia às Câmaras) bem como ao art. 30, I, do mesmo diploma, que confere ao Município competência para legislar sobre assuntos de interesse local.

Ademais, o Município conta com corpo de servidores próprios para o exercício do poder de polícia.   Se haverá ou não necessidade de incremento, com aumento de despesa, além do já argumentado (opção político-administrativa, calcada na esfera da conveniência e oportunidade administrativa, a cargo do chefe do Poder Executivo Municipal), a questão demandaria produção de prova, o que é inviável no processo objetivo.

 Diante do exposto, opino pela improcedência da presente ação direta de inconstitucionalidade.

                                       São Paulo, 10 de dezembro de 2013.

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

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