Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

 

Processo nº 0175323-68.2013.8.26.0000

Requerente: Prefeito do Município de Sumaré

Requerido: Presidente da Câmara do Município de Sumaré

 

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade, movida por Prefeito, em face da Lei Municipal n. 5.483, de 10 de maio de 2013, do Município de Sumaré, que isenta do pagamento do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana- IPTU os contribuintes aposentados, pensionistas e beneficiários da Lei Federal nº 8.742/93, cuja renda mensal seja igual ou inferior a (5) cinco salários mínimos, proprietários de um único imóvel residencial ou misto, utilizado para sua moradia. Lei de iniciativa parlamentar. Alegada usurpação da competência privativa do Chefe do Poder Executivo. Precedentes do Supremo Tribunal Federal no sentido de que, em matéria tributária, a iniciativa das leis, inclusive benéficas, é concorrente.  Ausência de constatação de inconstitucionalidade. Parecer pela improcedência da ação.

 

 

 

Colendo Órgão Especial,

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente:

 

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de Sumaré, tendo por objeto a Lei nº 5.483, de 10 de maio de 2013, do mencionado Município, que concede isenção de IPTU aos contribuintes aposentados, pensionistas e beneficiários da Lei Federal nº 8.742/93, cuja renda mensal seja igual ou inferior a (5) cinco salários mínimos, proprietários de um único imóvel residencial ou misto, utilizado para sua moradia.

Sustenta o autor que a lei foi concebida por Vereador e que haveria ofensa ao princípio da independência dos poderes e vício de iniciativa. Alega, ainda, violação aos artigos 111, 163 e 176 da Constituição Paulista.

A lei teve o pedido de suspensão liminar da eficácia ex nunc desatendido (fl. 44), sob entendimento de não estar o diploma questionado maculado pelo vício de iniciativa.

O Presidente da Câmara Municipal prestou informações referentes ao processo legislativo e sustentando a constitucionalidade do diploma normativo impugnado (fls. 51/54).

A Procuradoria Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 59/62).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

A lei impugnada assim se encontra redigida:

“Art. 1º - Os incisos IX e X do art. 178 da Lei Municipal n. 2.244, de 13 de dezembro de 1990, alterada pela Lei n. 5.254, de 23 de setembro de 2011, passa a vigorar com a seguinte redação: 

Art. 178.......

IX- Os contribuintes aposentados, pensionistas e beneficiários da Lei Federal nº 8.742/93 (LOAS – Lei Orgânica de Assistência Social), cuja renda mensal seja igual ou inferior a (5) salários mínimos, proprietários de um único imóvel residencial ou misto, utilizado para sua moradia, ficarão isentos do pagamento do IPTU (Imposto Predial Territorial Urbano), desde que requeiram e comprovem tal situação perante a Fazenda Municipal.

X- No caso do inciso anterior, a comprovação de que trata de um único imóvel, poderá ser feita por certidão de Matrícula de Registro de Imóveis ou cópia autenticada da Escritura Pública ou por Declaração, acompanhado de cópia autenticada do contrato de compra e venda ou por cópia autenticada de proposta de compra e venda com quitação das parcelas ou cópia autenticada da minuta para lavratura da escritura, assumindo o declarante, às responsabilidades civis e criminais, pelas informações prestadas.

Art. 2º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 3º - Revogam-se as disposições em contrário”.

O ato impugnado, como se vê, tem a natureza de norma tributária benéfica.

Assim, em que pesem as argumentações que ensejaram a instauração do presente protocolado, a legislação em questão não se afigura inconstitucional.

A concessão de isenção tributária relativa ao Imposto Predial e Territorial Urbano é regra orientadora e reguladora de conduta, emanada de uma entidade com competência para criar essa regra (cf. J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Fundamentos da Constituição, Coimbra Editora, pp. 246-247). Trata-se, portanto, de norma geral e abstrata já que disciplina regra de não incidência de um tributo em relação a uma determinada categoria de pessoas (aposentados, pensionistas e beneficiários da Lei Federal nº 8.742/93, cuja renda mensal seja igual ou inferior a (5) cinco salários mínimos, proprietários de um único imóvel residencial ou misto utilizado para sua moradia).

Já se tem consagrado, tanto nesse E. Colendo Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, como no Supremo Tribunal Federal, que não procede o entendimento de que as normas tributárias benéficas, porque diminuem a receita, somente poderiam ser concebidas pelo Poder Executivo, por ser o encarregado da execução do Orçamento.

Colhe-se, em recentíssimos Acórdãos, a comprovação dessa assertiva:

“Ementa: Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei Municipal n.° 9.162, de Sorocaba, que institui desconto no Imposto Territorial Urbano a imóveis edificados em loteamento ou empreendimentos imobiliários que tenham sido aprovados pelas repartições públicas municipais competentes, em áreas de várzeas de rios e córregos, sempre que, em razão de intempéries, essas edificações sejam inundadas. Suposto vicio de iniciativa e ofensa ao Princípio da Separação dos Poderes. Inocorrência. Norma que versa sobre direito tributário. Competência concorrente para deflagrar o processo legislativo, segundo jurisprudência do C. STF. Ausência de criação de despesas ao erário público. Precedentes diversos deste C. Órgão Especial. Ação julgada improcedente, para declarar constitucional a norma municipal impugnada, cassada a liminar.” (ADI n.  0276287-06.2012.8.26.0000. Relator(a): Luis Soares de Mello. Data do julgamento: 28/08/2013)

 

“Ementa: Lei Municipal, de iniciativa parlamentar, que concede isenção de IPTU aos portadores de doenças graves (que especifica) e seus responsáveis legais - Inconstitucionalidade pleiteada pelo Prefeito por entender que a matéria é de competência exclusiva do Poder Executivo - Posição do colendo STF no sentido de admitir a competência concorrente do Legislativo - Diretriz que se segue - Ação improcedente.” (ADI n.  0270090-35.2012.8.26.0000. Relator(a): Enio Zuliani. Data do julgamento: 26/06/2013)   

“Ementa: Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei 10.241, de 03 de setembro de 2012, do Município de Sorocaba. Norma que dispõe sobre incentivo ao plantio e manutenção de árvores mediante desconto no IPTU (Imposto Predial Territorial Urbano) e dá outras providências. Projeto de lei de autoria de Vereador. Alegação de vício de iniciativa e violação ao princípio da separação dos Poderes. Não ocorrência. Lei que concede benefício fiscal de natureza tributária. Precedentes do Supremo Tribunal Federal e deste Órgão Especial no sentido de que, em matéria tributária, a competência legislativa é concorrente. Improcedência da ação.” (ADI n. 0276291-43.2012.8.26.0000.  Relator(a): Kioitsi Chicuta. Data do julgamento: 26/06/2013)

“Ementa: Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei municipal que cria novas hipóteses de parcelamento do pagamento da contribuição de melhoria de pavimentação. Matéria tributária e não orçamentária. Vício de iniciativa. Inocorrência. Ausência de violação ao princípio da independência entre os poderes. Precedentes do STF e do Órgão Especial. Ação improcedente, agravo regimental prejudicado.” (ADI n.  0276302-72.2012.8.26.0000. Relator(a): Cauduro Padin. Data do julgamento: 05/06/2013)

“Ementa: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Lei do município de Guarulhos nº 7.067, de 13 de setembro de 2012, a qual prevê a redução de alíquota e isenção do ISSQN, nos casos que especifica - Tema relativo à matéria tributária Competência concorrente Reflexos no orçamento Possibilidade Ação julgada improcedente. Deve ser julgada improcedente ação direta de inconstitucionalidade de lei municipal que abriga matéria tributária, ante a competência concorrente do Poder Executivo e Legislativo sobre o tema.” (ADI n. 0221846-75.2012.8.26.0000. Relator(a): Luis Ganzerla. Data do julgamento: 05/06/2013)

 

“Ementa: Ação Direta de Inconstitucionaüdade - Lei complementar municipal n° 180, que alterou a redação do inciso V, artigo 41 do Código Tributário do Município de Socorro, isentando do IPTU os contribuintes aposentados que atendam aos requisitos estabelecidos - Vício de iniciativa - Invasão à esfera de competência privativa do Chefe do Poder Executivo -  Inocorrência - Competência legislativa concorrente em matéria tributária - Inexistência de ofensa a Constituição Bandeirante - Precedentes do Colendo Órgão Especial e do Supremo Tribunal Federal - Ação julgada improcedente.” (ADI n. 0204846-62.2012.8.26.0000. Relator(a): Castilho Barbosa. Data do julgamento: 08/05/2013)

“Ementa: Lei n° 2.040, de Iº de dezembro de 2009, do Município de Itapecerica da Serra, que altera os incisos II e III da Lei Municipal n° 639, de 19 de dezembro de 1990, que institui o Código Tributário do Município de Itapecerica da Serra. Arguição de inconstitucionalidade. Redução de alíquotas da taxa de funcionamento. Iniciativa parlamentar. Rejeição de veto e promulgação pelo Presidente da Câmara Municipal. Competência comum e concorrente (art. 61 da CF e art. 24 da CE). Inexistência de aumento de despesas. Preservação da independência e harmonia dos Poderes. Constitucionalidade reconhecida. Ação improcedente. Liminar cassada.” (ADI n. 0282214-84.2011.8.26.0000. Relator(a): Luiz Pantaleão. Data do julgamento: 03/10/2012)

Abatida, portanto, a orientação contrária.

Estas mesmas premissas valem para demonstrar que não houve ofensa ao art. 163, II, da CE, pois plenamente justificado o tratamento diferenciado conferido os beneficiários da norma.

Só há inconstitucionalidade de atos normativos que contêm tratamento desigual desarrazoado, o que não é o caso.

A competência legislativa é concorrente, reconhecidamente, nos termos do art. 61 da CF e art. 24 da CE.

Desse modo, não há inconstitucionalidade por vício de iniciativa, nem violação ao princípio da independência dos poderes, na lei que institui benefício fiscal, pois a norma não versa sobre matéria orçamentária, nem aumenta a despesa do Município, razão pela qual também não houve a alegada violação ao art. 25 da Constituição Estadual.

E essa é a tese que prevalece no Supremo Tribunal Federal. Em recente Acórdão, da lavra do em. Ministro Eros Grau, ficou consignado:

“O texto normativo impugnado dispõe sobre matéria de caráter tributário, isenções, matéria que, segundo entendimento dessa Corte, é de iniciativa comum ou concorrente; não há, no caso, iniciativa [parlamentar] reservada ao Chefe do Poder Executivo. Tem-se por superado, nesta Corte, o debate a propósito de vício de iniciativa referente à matéria tributária” (ADI 3.809/ES, j. 14.6.07. Disponível em www.stf.gov.br. Acesso em 15 out. 2008, g.n.).

Os seguintes julgados (citados no v. Acórdão destacado) comprovam essa assertiva:

“EMENTA: I. Ação direta de inconstitucionalidade: L. est. 2.207/00, do Estado do Mato Grosso do Sul (redação do art. 1º da L. est. 2.417/02), que isenta os aposentados e pensionistas do antigo sistema estadual de previdência da contribuição destinada ao custeio de plano de saúde dos servidores Estado: inconstitucionalidade declarada. II. Ação direta de inconstitucionalidade: conhecimento. 1. À vista do modelo dúplice de controle de constitucionalidade por nós adotado, a admissibilidade da ação direta não está condicionada à inviabilidade do controle difuso. 2. A norma impugnada é dotada de generalidade, abstração e impessoalidade, bem como é independente do restante da lei. III. Processo legislativo: matéria tributária: inexistência de reserva de iniciativa do Executivo, sendo impertinente a invocação do art. 61, § 1º, II, b, da Constituição, que diz respeito exclusivamente aos Territórios Federais. IV. Seguridade social: norma que concede benefício: necessidade de previsão legal de fonte de custeio, inexistente no caso (CF, art. 195, § 5º): precedentes (ADI 3205/MS - Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Julgamento: 19/10/2006, Órgão Julgador: Tribunal Pleno, Publicação DJ 17-11-2006 PP-00047)

EMENTA: CONSTITUCIONAL. LEI DE ORIGEM PARLAMENTAR QUE FIXA MULTA AOS ESTABELECIMENTOS QUE NÃO INSTALAREM OU NÃO UTILIZAREM EQUIPAMENTO EMISSOR DE CUPOM FISCAL. PREVISÃO DE REDUÇÃO E ISENÇÃO DAS MULTAS EM SITUAÇÕES PRÉ-DEFINIDAS. ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA NÃO LEGISLOU SOBRE ORÇAMENTO, MAS SOBRE MATÉRIA TRIBUTÁRIA CUJA ALEGAÇÃO DE VÍCIO DE INICIATIVA ENCONTRA-SE SUPERADA. MATÉRIA DE INICIATIVA COMUM OU CONCORRENTE. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE” (ADI 2659/SC - Min. NELSON JOBIM, Julgamento: 03/12/2003, Publicação DJ 06-02-2004 PP-00022)

É inequívoco que, ao conceder isenção, a lei impugnada redimensionou para menos a receita.

Toda política pública, entretanto, tem impacto no orçamento, realidade que não pode ser levada em conta para caracterizar como orçamentária a norma que a estabelece.

Outrossim, o benefício financeiro em foco não pode ser encarado como forma de vinculação de receita de impostos. De fato, seria inadmissível a vinculação de despesa específica e determinada que não se compreenda no âmbito das exceções previstas no inciso IV do art. 167 da Constituição Federal, norma reproduzida no art. 176, IV, da Constituição Estadual.

A norma impugnada, contudo, qualquer vinculação de receita, o que afasta a alegação de inconstitucionalidade por ofensa aos dispositivos mencionados no parágrafo anterior.

Desse modo, não se vislumbra inconstitucionalidade da lei impugnada.

Diante do exposto, o parecer é no sentido da improcedência desta ação direta de inconstitucionalidade.

São Paulo, 02 de dezembro de 2013.

 

 

        Sérgio Turra Sobrane

        Subprocurador-Geral de Justiça

    Jurídico

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