Parecer
Processo nº 0179920-80.2013.8.26.0000
Requerente: Prefeito do Município de Fartura
Requerida:
Câmara Municipal de Fartura
Ementa:
Constitucional.
Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade.
1. Art. 28 da Lei Complementar nº 04/2009, segundo o qual “os concursos serão realizados para o exato número de vagas a serem providas, não cabendo excedentes a serem nomeados”. Art. 115, III, da Constituição Estadual, que estabelece prazo de validade de dois anos do concurso público. Inconstitucionalidade reconhecida.
2. Art. 7º, XIV, da Lei Orgânica Municipal, que atribui à Câmara Municipal competência para autorizar convênios com entidades públicas ou particulares e consórcios com outros municípios. Violação da regra da separação de poderes (art. 5º, art. 47 II e XIV, e art. 144 da Constituição Paulista). Atos típicos de gestão administrativa, que envolvem o planejamento, a direção, a organização e a execução de medidas de governo. Matéria referente ao servidor público. Iniciativa do Executivo.
3. Procedência da ação.
Colendo Órgão Especial,
Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente:
Trata-se de ação proposta pelo Prefeito Municipal de Fartura,
que visa à declaração de inconstitucionalidade do art. 28 da Lei Complementar
nº 04/2009 e do Art. 7º, XIV, da Lei Orgânica Municipal.
O pedido de liminar foi indeferido (fl. 110).
O Presidente da Câmara Municipal, embora notificado (fl. 118), deixou de prestar informações (fl. 122).
A Procuradoria Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 120/121).
Em resumo, é o que consta nos autos.
O pedido merece ser julgado procedente.
O art. 28 da Lei Complementar nº 04/2009 tem a seguinte
redação:
“Art. 28 - Os concursos
serão realizados para o exato número de vagas a serem providas, não cabendo
excedentes a serem nomeados.
Parágrafo único – A
autoridade competente homologará e divulgará na forma do art. 81 da Lei
Orgânica do Município, o resultado dos candidatos aprovados no evento,
classificados até o número de vagas previstas no edital”.
Referido dispositivo legal, de fato, afronta a
Constituição Estadual, por força do disposto no art. 115, III, da Constituição
Estadual, aplicável aos municípios em face do art. 144 da Lei Maior paulista.
Com efeito, estabelece o art. 115, III, que o prazo
de validade do concurso público será de até dois anos, prorrogável uma vez, por
igual período.
E, nos termos do art. 144, da Carta Paulista, os municípios
têm autonomia legislativa, mas ficam compelidos a atender os princípios
estabelecidos na Constituição Federal e na Constituição Estadual.
E vale registrar que a Constituição Federal (art. 37,
III) veicula regra idêntica.
Aliás, o art. 37, III, da CF, é aplicável à Administração
Pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios. E dispõe que “o prazo de validade do
concurso público será de até dois anos, prorrogável uma vez, por igual período”.
Portanto, o dispositivo impugnado não está em
consonância com as Constituições Federal e Estadual.
Também se afigura inconstitucional o art. 7º, XIV, da
Lei Orgânica do Município de Fartura, que atribui à Câmara Municipal a competência
para autorizar convênios com entidades públicas ou particulares e consórcios
com outros municípios.
Há, no caso, violação da regra da separação de
poderes (art. 5º, art. 47, II e XIV, e art. 144 da Constituição Paulista).
Ocorre
que a exigência contida no dispositivo impugnado é verticalmente incompatível
com nossa ordem constitucional, face à flagrante violação ao princípio da
separação de poderes (art. 5º c.c. o art. 144 da Constituição Paulista).
É
ponto pacífico na doutrina, bem como na jurisprudência, que ao Poder Executivo
cabe primordialmente a função de administrar, que se revela em atos de
planejamento, organização, direção e execução de atividades inerentes ao Poder
Público. De outra banda, ao Poder Legislativo, de forma primacial, cabe a
função de editar leis, ou seja, atos normativos revestidos de generalidade e
abstração.
O
legislador municipal, na hipótese analisada, acolheu participação parlamentar
no processo de celebração de convênios, limitando o exercício, por parte do
Chefe do Executivo, da regular administração do Município.
Referido
diploma, na prática, invadiu a esfera da
gestão administrativa, que cabe ao Poder Executivo, e envolve o planejamento, a direção, a organização e a
execução de atos de governo. Isso equivale à prática de ato de administração,
de sorte a malferir a separação dos poderes.
Cumpre
recordar aqui o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que: “a Prefeitura não pode legislar, como a
Câmara não pode administrar. Cada um dos órgãos tem missão própria e privativa:
a Câmara estabelece regra para a Administração; a Prefeitura a executa,
convertendo o mandamento legal, genérico e abstrato, em atos administrativos,
individuais e concretos. O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos
segundo as normas. Nesta sinergia de funções que residem a harmonia e
independência dos Poderes, princípio constitucional (art. 2º) extensivo ao
governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com
usurpação de funções é nula e inoperante”.
Sintetiza,
ademais, que “todo ato do Prefeito que
infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que
invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por
ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF,
art. 2º c/c o art. 31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito municipal brasileiro, 15ª ed.,
atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo,
Malheiros, 2006, p. 708 e 712).
Desta
forma, uma vez verificado que as disposições ora em estudo afrontam a
Constituição Estadual, devem ser acolhidos os pedidos do Prefeito Municipal.
Nestes termos, opino pela procedência da presente ação direta.
São Paulo, 11 de dezembro de 2013.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
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