Parecer
Processo n. 0183316-02.2012.8.26.0000
Requerente: Federação dos Funcionários Públicos Municipais do Estado de São Paulo - FUPESP
Requeridos: Prefeito e Presidente da Câmara Municipal de Amparo
Ementa: Constitucional. Administrativo. Servidor público municipal. Licença para desempenho de mandato classista. Ausência de preceito na Lei Orgânica do Município de Amparo. Ação direta de inconstitucionalidade por omissão. Improcedência. 1. Inexistência do dever de legislar porque a norma parâmetro (art. 125, § 1º, CE/89) é aplicável tão somente aos servidores públicos estaduais. 2. Servidores públicos municipais submetidos ao regime celetista que já têm assegurado o afastamento para o desempenho de mandato classista pela CLT (art. 543, § 2º), não servindo a CE (art. 125, § 1º) como parâmetro porque destinada aos servidores estatutários. 3. Ademais, sendo o regime jurídico dos servidores públicos de Amparo o celetista (Lei n. 2.911/03), o comando jurisdicional pleiteado nesta demanda é absolutamente impossível por compelir o legislador local, observada a competente regra de iniciativa reservada, a legislar sobre direito do trabalho, matéria inserida na competência normativa exclusiva da União (art. 22, I, CF/88).
Colendo Órgão Especial:
1. Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade por omissão promovida pela Federação dos Funcionários Públicos Municipais do Estado de São Paulo – FUPESP que sustenta a omissão inconstitucional na Lei Orgânica do Município de Amparo, por haver deixado de prever a licença remunerada do servidor público eleito para mandato classista, violando o artigo 125, § 1º, da Constituição Estadual, que assegura aos servidores públicos estaduais o direito de se afastar de suas funções durante o tempo de mandato (fls. 02/12).
2. A douta Procuradoria-Geral do
Estado absteve-se de manifestar-se (fls. 143/144). O Prefeito do Município e a
Câmara Municipal de Amparo pediram a improcedência da ação porque segundo a Lei
n. 2.911, de 14 de agosto de 2003, o regime dos servidores públicos municipais
é o celetista e a licença está prevista no art. 543, § 2º, da Consolidação das
Leis do Trabalho (fls. 149/151, 155/157).
3. É o relatório.
4. A ação é improcedente.
5. Com efeito, só cabe falar em
omissão capaz de ensejar a propositura de ação direta de inconstitucionalidade
se houver claro e inequívoco dever de
legislar. Não cabe provimento mandamental em controle omissivo em situações em
que não é evidente, claro ou preciso o dever de legislar.
6. A omissão legislativa somente
pode significar que o legislador não faz algo que positivamente lhe era imposto
pela Constituição. Não se trata, apenas, de um não fazer, mas de não fazer
aquilo a que, de forma concreta e explícita, estava ele constitucionalmente
obrigado (José Joaquim Gomes Canotilho, Constituição dirigente, p. 331).
7. A omissão tem conexão com uma exigência
de ação advinda da Constituição; caso contrário não haverá omissão. Em outras
palavras, há o dever de legislar violado quando do legislador não emana o ato
legislativo obrigado ou a lei editada favorece um grupo, olvidando outros. É
dizer: quando não concretiza, ou não o faz completamente, uma imposição
constitucional.
8. A propósito, já proclamou o Supremo Tribunal Federal:
“É de registrar, neste ponto, que, em tema de inconstitucionalidade por omissão parcial da lei, emerge a grave questão da exclusão de benefício, com ofensa ao princípio da isonomia. A reflexão doutrinária em torno dessa questão tem ensejado diversas abordagens teóricas do tema, com o objetivo de propiciar, a partir do desprezo estatal dispensado pelo Poder Legislativo ao postulado da isonomia, a formulação de soluções que dispensem à matéria um adequado tratamento jurídico (J.J. Gomes Canotilho, ‘Direito Constitucional’, págs. 736/737 c 831, 4a ed., 1987, Almedina, Coimbra; Jorge Miranda, ‘Manual de Direito Constitucional’, tomo II/407, 2a ed., 198R, Coimbra Editora, Limitada; Gilmar Ferreira Mendes, ‘Controle de Constitucionalidade - Aspectos jurídicos e políticos’, págs. 69/70, 1990, Saraiva). A discussão das possíveis soluções jurídicas estimuladas pela questão da exclusão de benefício, em ofensa ao princípio da isonomia, permite vislumbrar três mecanismos destinados a viabilizá-las:
(a) extensão dos benefícios ou vantagens às categorias ou grupos inconstitucionalmente deles excluídos;
(b) supressão dos benefícios ou vantagens que foram indevidamente concedidos a terceiros; e
(c)
reconhecimento da existência de uma situação ainda constitucional (situação
constitucional imperfeita), ensejando-se ao Poder Público, em tempo razoável, a
edição de lei restabelecedora do dever de integral obediência ao princípio da
igualdade, sob pena de progressiva inconstitucionalização do ato estatal que,
embora existente, revela-se insuficiente e incompleto (RMS 21.662-3-DF, Rel.
Ministro Celso de Mello)” (
9. O Pretório Excelso também já se
consolidou quanto à possibilidade de ação direta de inconstitucionalidade por
omissão, como se vê da decisão a seguir:
“AÇÃO DIRETA
DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO. INATIVIDADE DO LEGISLADOR QUANTO AO DEVER
DE ELABORAR A LEI COMPLEMENTAR A QUE SE REFERE O § 4O DO ART. 18 DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL, NA REDAÇÃO DADA PELA EMENDA CONSTITUCIONAL NO 15/1996.
AÇÃO JULGADA PROCEDENTE.
10. No mesmo sentido esse Egrégio
Tribunal de Justiça de São Paulo, nos autos da Ação Direta de
Inconstitucionalidade de Lei 994.08.0074829:
“ILEGITIMIDADE AD CAUSAM - Ação direta de inconstitucionalidade por omissão - Assembléia Legislativa - Ajuizamento que visa a sanar a ausência de norma específica para a reserva de vagas para deficientes físicos no âmbito do Tribunal de Contas do Estado - Iniciativa de projeto de lei que é privativamente atribuída à Corte de Contas - Legiferação é ato complexo, a responsabilizar, também, o órgão legislativo Legitimidade reconhecida - Preliminar afastada. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO - Ação direta de inconstitucionalidade por omissão - E desnecessária a previsão de prazo para o reconhecimento da mora legislativa, bastando que se tenha constatado o decurso de tempo razoável - Preliminar afastada. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO - Inexistência de lei que disciplina a reserva de vagas para portadores de deficiência física no âmbito do Tribunal de Contas do Estado - Art. 37, inc. VIII, da CF e art. 115, inc. IX, da CE - Mandamento constitucional cujo atendimento não se submete à discricionariedade da Administração - Regra que há de ser sopesada com os princípios da isonomia, da necessidade de concurso público e da proporcionalidade - Necessidade de regramento específico, em razão da autonomia administrativa e financeira de que goza a Corte de Contas - Fixação de prazo de 12 (doze) meses e estabelecimento da aplicabilidade da LCE n. 683/92, enquanto perdurar a mora legislativa - Omissão reconhecida - Ação procedente”.
11. Todavia, no caso em tela não restou
configurada a quebra do dever de legislar. A Constituição Federal, no art. 8º,
VIII, assegura a associação profissional ou sindical e veda a dispensa do
empregado sindicalizado, mas não estabelece direito ao afastamento remunerado:
“É vedada a dispensa do empregado sindicalizado a partir do registro da candidatura a cargo de direção ou representação sindical e, se eleito, ainda que suplente, até um ano após o final do mandato, salvo se cometer falta grave nos termos da lei”.
12. No art. 38 a Constituição Federal garante o afastamento para exercício de mandato eletivo. A Constituição Estadual estabelece, em relação aos seus servidores, o direito que se pretende ver reconhecido na inicial, qual seja, o afastamento remunerado para o mandato classista.
13. A regra, todavia, não é extensiva aos servidores municipais, como explica Wellington Pacheco Barros:
“O afastamento do empregado público para desempenho de mandato classista tem previsão expressa na CLT. Como para o servidor público esta licença não se inclui no rol dos direitos constitucionais, deve ter previsão expressa no estatuto do servidor público municipal. Como a administração se rege pelo princípio da legalidade, não havendo lei regulamentando sua concessão, não pode a administração pública concedê-la, sob pena de responsabilização do Prefeito Municipal ou do Presidente da Câmara, dependendo a que poder municipal o servidor esteja vinculado, por improbidade administrativa, crime de responsabilidade ou por infração político-administrativa” (O município e seus agentes, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 137).
14. Cumpre obtemperar que, como alegado nas informações, o regime jurídico dos servidores públicos municipais adotado é o celetista, e a norma parâmetro da Constituição Estadual é dirigida aos estatutários, não bastasse ela não ser vinculante para os Municípios porquanto dirigida aos servidores públicos estaduais tão somente.
15. E é com base nesse mesmo argumento que avulta a inconsistência do pedido em face do quanto disposto na Consolidação das Leis do Trabalho que já assegura o afastamento para o exercício de mandato classista no art. 543, § 2º, da Consolidação das Leis do Trabalho.
16. Ora, sendo o regime jurídico dos servidores públicos de Amparo o celetista (Lei n. 2.911/03 – fls. 152/153), o comando jurisdicional pleiteado nesta demanda é absolutamente impossível por compelir o legislador local, observada a competente regra de iniciativa reservada, a legislar sobre direito do trabalho, o que se insere no feixe da competência normativa exclusiva da União, segundo o quanto disposto no art. 22, I, da Constituição da República.
17. Neste sentido, pronuncia o Supremo Tribunal Federal que não cabe ao legislador estadual, distrital ou municipal disciplinar a relação de emprego público:
“AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO CONSTITUCIONAL. SERVIDOR PÚBLICO. REGIME CELETISTA. REAJUSTE SALARIAL. COMPETÊNCIA DA UNIÃO PARA LEGISLAR SOBRE DIREITO DO TRABALHO. 1. A competência legislativa atribuída aos municípios se restringe a seus servidores estatutários. Não abrange ela os empregados públicos, porque estes estão submetidos às normas de Direito do Trabalho, que, nos termos do inciso I do art. 22 da Constituição Federal, são de competência privativa da União. 2. Agravo regimental desprovido” (STF, AgR-RE 632.713-MG, 2ª Turma, Rel. Min. Ayres Britto, 17-05-2011, v.u., DJe 26-08-2011).
“AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. PESSOAL CELETISTA DE FUNDAÇÃO DO DISTRITO FEDERAL. DIREITO AO ACRÉSCIMO REMUNERATÓRIO DE 84,32% (PLANO COLLOR). APLICABILIDADE DA LEI DISTRITAL 38/1989. IMPROCEDÊNCIA. 1. Conforme a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, ‘a competência legislativa do Distrito Federal restringe-se aos servidores sob regime estatutário, cabendo à União dispor sobre as normas de Direito do Trabalho aplicáveis aos empregados sob o regime da CLT’ (RE 184.791, da relatoria do ministro Moreira Alves). 2. Agravo regimental a que se nega provimento” (STF, AgR-AI 466.131-DF, 2ª Turma, Rel. Min. Ayres Britto, 14-12-2010, v.u., DJe 21-03-2011).
18. Opino pela improcedência desta ação direta de inconstitucionalidade por omissão.
São Paulo, 29 de novembro de 2012.
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
wpmj