Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 0184838-64.2012.8.26.0000

Requerente: Prefeita do Município de Jandira

 

Ementa:

1)      Ação direta de inconstitucionalidade, movida pela Prefeita, tendo por objeto o art. 2º, inciso II, da Lei nº 1.124/1998; o art. 1º da Lei nº 1.260/2001; o art. 1º, alínea f, da Lei nº 1.269/2001; o art. 3º da Lei nº 1.281/2011; o art. 2º da Lei nº 1.301/2001; o art. 231, inciso I, da Lei nº 1.603/2006; o art. 2º, VII, da Lei nº 1.637/2007; o art. 2º, alínea g, da Lei nº 1.796/2009; e o art. 4º, inciso I, alínea b, da Lei nº 1.878/2010, todas do Município de Jandira, que criaram Conselhos Municipais prevendo membros do Poder Legislativo em sua composição.

2)      Processo objetivo. Causa de pedir aberta. Possibilidade de reconhecimento da inconstitucionalidade por fundamento não apontado na inicial, bem como, de declaração de inconstitucionalidade de dispositivos não expressamente impugnados.

3)       Leis n.º 1.124/1998 e 1.301/2001 do Município de Jandira, de origem parlamentar, que dispõem sobre a criação de Conselhos Municipais. Matéria de iniciativa reservada: criação de órgão público. Inteligência do art. 24, § 2.º, 2, da CE. Precedentes do STF e do TJ/SP.

4)      Participação de vereadores em órgãos de gestão administrativa. Ofensa ao princípio da separação dos poderes. Violação dos arts. 5º e 47 da Constituição do Estado. Parecer pela procedência do pedido.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pela Prefeita Municipal de Jandira, tendo por objeto o art. 2º, inciso II, da Lei nº 1.124/1998; o art. 1º da Lei nº 1.260/2001; o art. 1º, alínea f, da Lei nº 1.269/2001; o art. 3º da Lei nº 1.281/2011; o art. 2º da Lei nº 1.301/2001; o art. 231, inciso I, da Lei nº 1.637/2007; o art. 2º, alínea g, da Lei nº 1.796/2009; e o art. 4º, inciso I, alínea b, da Lei nº 1.878/2010, todas do Município de Jandira, que criam Conselhos Municipais e estabelecem participação de representantes do Legislativo em sua composição.

Sustenta a autora que há vício de iniciativa na propositura da lei e das emendas, e que a participação do Poder Legislativo em órgãos (conselhos) de natureza eminentemente executiva importa violação do princípio da separação dos poderes. Daí a alegação de afronta aos arts. 2º, 5º, § 2º e 144, da Constituição Estadual.

O pedido de medida liminar foi deferido (fl. 62), para suspender a eficácia de todos os dispositivos impugnados.

Notificado, o Presidente da Câmara Municipal deixou de prestar informações no prazo legal.

Citada regularmente (fl. 69), a Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 72/74).

É a síntese do ocorrido nos autos.

DOS ATOS NORMATIVOS IMPUGNADOS

Os atos normativos impugnados têm a seguinte redação:

“Lei nº 1.124, de 29 de abril de 1998.

‘Dispõe sobre a criação do Conselho Municipal de Acompanhamento e Controle Social do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento de Ensino Fundamento e de Valorização do Magistério’

(...)

Art. 2º - O Conselho será composto por:

(...)

II. Um representante dos professores das escolas municipais de ensino fundamental, eleito entre seus pares, em assembleia geral convocada para esse fim;

(...)”

“Lei nº 1.260, de 13 de Julho de 2001.

‘Cria o Conselho Municipal de Segurança, e dá outras providências’

Artigo 1º) Fica criado o Conselho Municipal de Segurança, seu será integrado por 02 (dois) representantes do Executivo Municipal, 01 (um) representante do Legislativo local, 01 (um) representante da Associação Comercial de Jandira, 01 (um) representante da Ordem dos Advogados do Brasil, seção Jandira, 01 (01) representante da Associação de Amigos de Bairros (SABS), 01 (um) representante da Associação Industrial de Jandira (ASSIJA), 01 (um) representante da Associação de Pais e Mestres (APM) do Município de Jandira e 01 (um) representante do Conselho de Segurança de Jandira (CONSEG).

(...)”

“Lei nº 1.269, de 30 de agosto de 2.001.

‘Altera o artigo 5º da Lei nº 1.079, de 02 de julho de 1.997, e dá outras providências’

Artigo 1º) O artigo 5º, da lei nº 1.079, de 02 de julho de 1.997, que criou o Conselho Municipal de Educação – CME, passa a vigorar com a seguinte alteração:

‘Artigo 5º) O Conselho Municipal de Educação será composto por 13 (treze) conselheiros e igual número de suplentes eleitos ou indicados, nomeados pelo Prefeito Municipal através de Decreto, distribuídos da seguinte forma:

(...)

f) 01 (um) representante do Poder Legislativo, indicado pela Mesa Diretora da Câmara Municipal de Jandira, entre as pessoas de notório saber e experiência em matéria de educação e aprovado em Plenário;

(...)”

“Lei nº 1.281, de 19 de outubro de 2.001.

‘Dispõe sobre a criação do Conselho Municipal de Ação Cultural de Jandira e dá outras providências’

(...)

Artigo 3º) O Conselho Municipal de Ação cultural de Jandira será constituído por 18 membros, maiores de 18 anos, moradores de Jandira, contendo um representante do Poder Legislativo indicado pela Mesa Diretora, um representante do Executivo Municipal indicado pelo Prefeito, um representante de Associações ou entidades artísticas e culturais, reconhecido legalmente (indicado pelos mesmos) e os demais componentes serão escolhidos em votação, mediante inscrição individual de cada membro a ser eleito, indicado por Associações da Classe Artística e Cultural, previamente inscritas no Departamento da Cultura de Jandira.

(...)”

“Lei nº 1.301, de 11 de dezembro de 2.001.

‘Dispõe sobre a criação da Semana da Cultura e História de Jandira, a criação do Conselho do Patrimônio Histórico e Cultural de Jandira e Galeria de Presidentes da Câmara Municipal e Emancipadores e dá outras providências’

(...)

Artigo 2º) Fica criado o Conselho do Patrimônio Histórico e Cultural de Jandira.

I.                   Deverão fazer parte do Conselho: 01 representante do Poder Executivo, 01 representante do Poder Legislativo, 01 representante da indústria, 01 representante do comércio, 01 profissional liberal representante da sociedade civil e os emancipadores do município.

(...)”

“Lei nº 1.603, de 31 de outubro de 2.006.

‘Institui o Plano Diretor Participativo do Município de Jandira’

(...)

Art. 231. O Conselho da Cidade, vinculado ao Gabinete do Prefeito, será composto por 24 (vinte e quatro) membros, de acordo com os seguintes critérios:

I – 10 (dez) representantes do Poder Público Municipal e respectivos suplentes, das áreas de habitação, finanças, assuntos jurídicos, obras, trânsito, saúde, educação, cultura, Gabinete do Prefeito, indicados pelo Prefeito Municipal e 01 (um) representante da Câmara Municipal indicado pelo Presidente da Câmara Municipal;

(...)”

“Lei nº 1.637, de 02 de julho de 2.007.

‘Dispõe sobre a criação do Conselho Municipal de Acompanhamento e Controle Social do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação-Conselho do FUNDEB’

(...)

Art. 2º - O Conselho a que se refere o art. 1º é constituído por 12 membros titulares, acompanhados de seus respectivos suplentes, conforme representação a seguir discriminados:

(...)

VII – um representante do Poder Legislativo.”

“Lei nº 1.796, de 27 de agosto de 2.009.

‘Cria o Conselho Municipal de Direitos da Mulher e dá providências correlatas’

(...)

Art. 2º - O Conselho Municipal de Direitos da Mulher CMDM é um órgão consultivo e autônomo, são sendo subordinado a nenhum órgão ou secretaria.

DA COMPOSIÇÃO DO CONSELHO MUNICIPAL DE DIREITOS DA MULHER

O Conselho Municipal de Direitos da Mulher de Jandira será paritário formado por 13 membros e respectivas suplentes, como segue:

(...)

g) 1 (uma) representante do Poder Legislativo, indicada pelo Presidente.”

“Lei nº 1.878, de 18 de outubro de 2.010.

Dispõe sobre a criação do Conselho Municipal de Transportes do Município de Jandira e dá providências correlatas’

(...)

Art. 4º - As vagas de representação deverão ser preenchida da seguinte forma:

I – GOVERNO:

(...)

b) 02 representante do Poder Legislativo;

(...)”

 

DA CAUSA DE PEDIR ABERTA E DA POSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DA INCONSTITUCIONALIDADE DE ATOS NORMATIVOS NÃO IMPUGNADOS NA INICIAL

Importante consignar que nas ações diretas de inconstitucionalidade a causa de pedir é aberta, ou seja, o órgão julgador não fica vinculado às razões constantes da inicial, podendo decidir por fundamentos estranhos a ela.

A propósito, anota Juliano Taveira Bernardes que no processo objetivo, “Segundo o STF, o âmbito de cognoscibilidade da questão constitucional não se adstringe aos fundamentos constitucionais invocados pelo requerente, pois abarca todas as normas que compõe a Constituição Federal. Daí, a fundamentação dada pelo requerente pode ser desconsiderada e suprida por outra encontrada pela Corte” (Controle abstrato de constitucionalidade, São Paulo, Saraiva, 2004, p. 436).

Assim vem decidindo o Col. STF:

“Ementa: constitucional. (...). 'Causa petendi' aberta, que permite examinar a questão por fundamento diverso daquele alegado pelo requerente (...)” (ADI 1749/DF, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI, Rel. p. acórdão Min. NELSON JOBIM, j. 25/11/1999, Tribunal Pleno , DJ 15-04-2005, PP-00005, EMENT VOL-02187-01, PP-00094, g.n.).

Do mesmo modo, não se atém ao pedido, sendo-lhe permitido declarar a inconstitucionalidade de dispositivos não expressamente impugnados, com o que se assegura a integridade da ordem jurídica.

Quando isso ocorre, não há julgamento ultra ou extra petita, mas mero atendimento à finalidade do processo objetivo (RE 219934 ED, Relator(a):  Min. ELLEN GRACIE, Tribunal Pleno, julgado em 13/10/2004, DJ 26-11-2004 PP-00006 EMENT VOL-02174-03 PP-00436 RT v. 94, n. 835, 2005, p. 151-155 RTJ VOL 00192-02 PP-00722).

Estabelecidas estas premissas, passemos a análise dos atos normativos impugnados.

DA CONSTITUIÇÃO DE CONSELHOS MUNICIPAIS POR INICIATIVA DO LEGISLATIVO - VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA RESERVA DE INICIATIVA

As Leis nº 1.124/98 e 1.301/2001 do Município de Jandira foram de iniciativa parlamentar. Tal conclusão chega-se pela análise de seus preâmbulos (fls. 25 e 34), onde consta: “Faz saber que a Câmara Municipal elaborou, aprovou e ele sanciona a seguinte lei:” (destaque nosso).

A Lei nº 1.124/98 criou o Conselho Municipal de Acompanhamento e Controle Social do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério. A Lei nº 1.301/2001, por sua vez, criou a Semana da Cultura e História de Jandira, o Conselho do Patrimônio Histórico e Cultural de Jandira e a Galeria de Presidentes da Câmara Municipal e Emancipadores.

Embora a inicial tenha impugnado apenas o dispositivo legal referente à composição dos mencionados Conselhos Municipais, em atendimento à finalidade do processo objetivo de controle da constitucionalidade, forçoso o reconhecimento da inconstitucionalidade total da Lei nº 1.124/98, e parcial da  Lei nº 1.301/2001, na parte que criou o Conselho Municipal do Patrimônio Histórico e Cultural.

 A criação de Conselhos Municipais trata-se evidentemente de matéria referente à administração pública, cuja gestão é de competência exclusiva do Prefeito.

Ensina a doutrina que os “conselhos são organismos públicos destinados a assessoramento de alto nível e de orientação e até de deliberação em determinado campo de atuação governamental”.  

O Conselho Municipal criado pela Lei nº 1.124/98 do Município de Jandira tem atribuições administrativas típicas: supervisão, fiscalização contábil, controle da repartição e transferência de recursos (art. 7º).

A Lei nº 1.124/1998 e o art. 2º da Lei nº 1.301/2001 são inconstitucionais, por conterem vício de iniciativa e violarem o art. 24, § 2.º, 2, da Constituição Estadual.

Nos termos do art. 24, § 2.º, 2, da Constituição do Estado de São Paulo, compete, exclusivamente, ao Governador do Estado a iniciativa das leis que disponham sobre a criação e extinção das Secretarias de Estado e órgãos da administração pública, observado o disposto o art. 47, XIX.

Como se sabe, a regra da iniciativa reservada deriva do processo legislativo federal e, por sua implicação com o princípio da independência e harmonia entre os Poderes, é de observância obrigatória pelos Municípios.

Nesse sentido:

"Processo legislativo: reserva de iniciativa ao Poder Executivo (CF, art. 61, § 1º, e): regra de absorção compulsória pelos Estados-membros, violada por lei local de iniciativa parlamentar que criou órgão da administração pública (Conselho de Transporte da Região Metropolitana de São Paulo-CTM): inconstitucionalidade." (ADI 1.391, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 9-5-2002, Plenário, DJ de 7-6-2002.)

"Lei do Estado de São Paulo. Criação de Conselho Estadual de Controle e Fiscalização do Sangue (COFISAN), órgão auxiliar da Secretaria de Estado da Saúde. Lei de iniciativa parlamentar. Vício de iniciativa. Inconstitucionalidade reconhecida. Projeto de lei que visa a criação e estruturação de órgão da administração pública: iniciativa do chefe do Poder Executivo (art. 61, § 1º, II, e, CF/1988). Princípio da simetria." (ADI 1.275, Rel.Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 16-5-2007, Plenário, DJ de 8-6-2007.) No mesmo sentido: ADI 3.179, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 27-5-2010, Plenário, DJE de 10-9-2010; ADI 2.730, Rel. Cármen Lúcia, julgamento em 5-5-2010, Plenário, DJE de 28-5-2010.

"Lei 9.162/1995 do Estado de São Paulo. Criação e organização do Conselho das Instituições de Pesquisa do Estado de São Paulo – CONSIP. Estrutura e atribuições de órgãos e Secretarias da Administração Pública. Matéria de iniciativa privativa do chefe do Poder Executivo. Precedentes." (ADI 3.751, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 4-6-2007, Plenário, DJ de 24-8-2007.)

Ao examinar propositura análoga, esse egrégio Tribunal de Justiça decidiu que:

“Ementa: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – Município de Ubatuba – Lei Municipal n.º 3.295/2010 que autoriza o Executivo Municipal a criar o Conselho Municipal de Desenvolvimento e Participação da Comunidade Negra de Ubatuba – Liminar concedida – Ato e gestão, competência privativa do Poder Executivo – Vício de iniciativa – Princípio de separação dos poderes – Violação aos arts. 5.º, 25, 47, II, todos da Constituição Estadual – Inconstitucionalidade decretada.” (TJ/SP, ADI 0157579-65.2010.8.26.0000, Rel. Des. Samuel Júnior, j. em 9/2/2011).         

DA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO FEDERATIVO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES

Os demais dispositivos legais impugnados possibilitam que membros do Poder Legislativo integrem diversos Conselhos Municipais (Conselho Municipal de Segurança, Conselho Municipal de Educação, Conselho Municipal de Ação Cultural, Conselho da Cidade, Conselho Municipal de Acompanhamento e Controle Social do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, Conselho Municipal de Direitos da Mulher, Conselho Municipal de Transportes).

Presente a violação ao princípio da separação dos poderes que se fundamenta na garantia constitucional de independência e harmonia (art. 5º, da Constituição do Estado de São Paulo).

Nos termos do art. 47 da Constituição do Estado de São Paulo:

“Art. 47 - Compete privativamente ao Governador, além de outras atribuições previstas nesta Constituição (...)

II - exercer, com o auxílio dos Secretários de Estado, a direção superior da administração estadual (...)”

Em realidade, a administração da cidade incumbe ao que, atualmente denomina-se “Governo”, e que tem na lei seu mais relevante instrumento. Dele participa o Poder Legislativo através da função legislativa, de controle e fiscalização e de assessoramento.

Assim, no âmbito da administração municipal, cabe ao Legislativo: o estabelecimento de normas gerais, diretrizes globais, jamais atos pontuais e específicos; exercer o controle político-administrativo dos atos do executivo e assessorar a administração. A função de assessoramento, por sua vez, se expressa através de indicações, aprovadas pelo plenário. Aliás, toda a atuação do parlamentar municipal dever ser exercida através da Câmara Municipal, pois individualmente não a representa.

Assim, no nosso sistema municipal, ao vereador não cabe administrar diretamente os interesses e bens do Município, mas indiretamente, votando leis e demais proposições, ou apontando providências e fatos ao prefeito, através de indicações, para a solução administrativa conveniente. Tratando-se de interesses locais, não há limitação à ação do vereador, desde que atue por intermédio da Câmara e na forma regimental.

Sobre isso, ensinou Hely Lopes Meirelles que:

“A atribuição típica e predominante da Câmara é a normativa, isto é, a de regular a administração do Município e a conduta dos munícipes no que afeta aos interesses locais. A Câmara não administra o Município; estabelece, apenas, normas de administração. Não executa obras e serviços públicos; dispõe, unicamente, sobre sua execução. Não compõe nem dirige o funcionalismo da Prefeitura; edita, tão-somente, preceitos para sua organização e direção. Não arrecada nem aplica as rendas locais; apenas institui ou altera tributos e autoriza sua arrecadação e aplicação. Não governa o Município; mas regula e controla a atuação governamental do Executivo, personalizado no prefeito. Eis aí a distinção marcante entre a missão normativa da Câmara e a função executiva do prefeito; o Legislativo delibera e atua com caráter regulatório genérico e abstrato; o Executivo consubstancia os mandamentos da norma legislativa em atos específicos e concretos de administração (...) A interferência de um Poder no outro é ilegítima, por atentatória da separação institucional de suas funções. Por idêntica razão constitucional, a Câmara não pode delegar funções ao prefeito, nem receber delegações do Executivo. Suas atribuições são incomunicáveis, estanques, intransferíveis (CF, art. 2). Assim como não cabe à Edilidade praticar atos do Executivo, não cabe a este substituí-la nas atividades que lhe são próprias. Em sua função normal e predominante sobre as demais, a Câmara elabora leis, isto é, normas abstratas, gerais e obrigatórias de conduta. Esta é sua função específica, bem diferenciada da do Executivo, que é a de praticar atos concretos de administração. Já dissemos - e convém se repita - que o Legislativo provê 'in genere', o Executivo 'in specie', a Câmara edita normas gerais, o prefeito as aplica aos casos particulares ocorrentes. Daí não ser permitido à Câmara intervir direta e concretamente  nas atividades reservadas ao Executivo, que pedem provisões administrativas especiais manifestadas em ordens, proibições, concessões, permissões, nomeações, pagamentos, recebimentos, entendimentos verbais ou escritos com os interessados, contratos, realizações materiais da Administração e tudo o mais que se traduzir em  atos ou medidas  de execução  governamental  (...)  Leis de iniciativa da Câmara ou, mais propriamente, de seus vereadores são todas as que a lei orgânica municipal não reserva, expressa privativamente, à iniciativa do prefeito. As leis orgânicas municipais devem reproduzir, dentre as matérias previstas nos arts. 61, § I, c/c 165 da CF, as que se inserem no âmbito da competência municipal. São, pois, de iniciativa exclusiva do prefeito, como chefe do Executivo local, os projetos de leis que disponham sobre a criação, estruturação e atribuição das secretarias, órgãos e entes da Administração Pública Municipal; matéria de organização administrativa e planejamento de execução de obras e serviços públicos; criação de cargos, funções ou empregos públicos na Administração direta, autárquica e fundacional do Município; o regime jurídico e previdenciário dos servidores municipais, fixação e aumento de sua remuneração; o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias, o orçamento anual e os créditos suplementares e especiais.  Os demais projetos competem concorrentemente ao prefeito e à Câmara, na forma regimental” ( Direito Municipal Brasileiro, 16ª ed., São Paulo: 2008, p. 748, Malheiros). 

O atos normativos impugnados, ao determinarem que membros do Poder Legislativo venham a compor vários Conselhos Municipais, maltratam o princípio da separação dos poderes (art. 5º da Constituição Estadual).

Por força do princípio da separação dos poderes e da vedação de acumulação de funções em Poderes distintos, salvo as exceções previstas na Constituição (CE, art. 5º, § 2º), o vereador está impedido de realizar atividades executivas do Município, ou de participar de sua realização, porque, como membro do Legislativo local, não pode interferir diretamente em assuntos administrativos da competência do prefeito.

Prática absolutamente inconstitucional é a designação de vereadores para integrar bancas de concurso, comissões de julgamento em licitação, grupos de trabalhos da Prefeitura e outras atividades tipicamente executivas.

A independência e harmonia dos dois poderes locais (Executivo e Legislativo) vedam que membros da Câmara fiquem subordinados ao prefeito, como impede a hierarquização do Executivo ao Legislativo.

No caso dos autos, o simples fato da nomeação do Conselho ser de atribuição do Prefeito Municipal, evidencia a sujeição e subordinação da indicação da Câmara Municipal e do indicado ao chefe do Executivo local, o que é incompatível em nosso sistema constitucional.

Em situações análogas, esse Colendo Órgão Especial tem decidido acerca da inconstitucionalidade de leis que incluem membros do Poder Legislativo na composição de Conselhos Municipais. A propósito, pertinente a seguinte transcrição:

“Neste sentido, tem se posicionado este Órgão Especial, ou seja, partindo da premissa de que ‘conselhos são órgãos públicos destinados a assessoramento de alto nível e de orientação e até deliberação em determinado órgão governamental’, fixou precedente no sentido da norma municipal infringir o art. 5°, §2° da Constituição Estadual, pois inclui em órgão do Poder Executivo a necessidade de possuir, em sua composição, representantes do Poder Legislativo.

Mesmo que não se acolha o argumento de vício de iniciativa, pois o projeto adveio da iniciativa do Prefeito de Taboão da Serra, não há dúvida que há invasão legislativa cias atribuições de um Poder em outro, o que caracteriza ofensa ao princípio da separação cios poderes.

Há clara impossibilidade de participação de membro do Poder Legislativo em órgão que pertence ao Poder Executivo, pois se trata do Conselho Municipal, onde lhe é próprio o exercício de função organizacional referente à Administração Pública, serviço público privativo do Poder Executivo.” (ADIN n° 0103669-89.2011.8.26.0000, Rel. Des. Cauduro Padin, j. 29.02.2012)

Irrelevante, na hipótese dos autos, que os atos normativos impugnados tenham ou não decorrido da emenda parlamentar, pois a inconstitucionalidade decorre da ilegítima interferência de um Poder no outro, por atentatória à separação institucional e constitucional de suas funções.

Diante do exposto, o pedido deve ser julgado procedente para que sejam declarados inconstitucionais:

1.    a Lei nº 1.124/1998 e o art. 2º da Lei nº 1.301/2001 do Município de Jandira, por violação do art. 24, § 2.º, 2, da Constituição Estadual, e;

2.   o art. 1º da Lei nº 1.260/ 2001, excluindo-se a expressão “01 (um) representante do Legislativo local” ; da alínea “f” do art. 5º da Lei nº 1.079/1.997 (redação dada pelo art. 1º da Lei nº 1.269/2.001); do art. 3º da Lei nº 1.281/2011, excluindo-se a expressão “um representante do Poder Legislativo indicado pela Mesa Diretora”; do art. 231, inciso I, da Lei nº 1.603/2006, excluindo-se a expressão “01 (um ) representante da Câmara Municipal indicado pelo Presidente da Câmara Municipal”; do art. 2º, inciso VI,  da Lei nº 1.637/2007; do art. 2º, I, alínea g, da Lei nº 1.796/2009; e do art. 4º, inciso I, alínea b, da Lei nº 1.878/2010, todas do Município de Jandira, por violação aos arts. 5º, caput, § 2º, e 47, II, da Constituição Estadual.

São Paulo, 10 de dezembro de 2012.

 

 

        Sérgio Turra Sobrane

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

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