Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

 

 

Processo n. 0187539-61.2013.8.26.0000

Requerente: Federação dos Funcionários Públicos Municipais do Estado de São Paulo-FUPESP

Requeridos: Prefeito do Município de Cunha e Presidente da Câmara Municipal de Cunha

 

 

 

Ementa: Constitucional. Administrativo. Ação Direta de Inconstitucionalidade Por Omissão. Lei Orgânica do Município de Cunha. Servidor público municipal. Ausência de Regulamentação de Afastamento remunerado para desempenho de mandato sindical. parâmetro constitucional estadual de observância obrigatória. Omissão configurada. procedência. 1. A norma parâmetro (art. 125, § 1º, CE/89), em constância com o princípio da liberdade da associação sindical (art. 8º, I, da CF) é de observância obrigatória pelos municípios. 2. Afastamento de servidor público para exercício de mandato sindical é matéria incluída no regime jurídico dos servidores públicos cuja iniciativa legislativa é reservada ao Chefe do Poder Executivo (art. 61, § 1º, II, c, CF/88; art. 24, § 2º, 4, CE/89). 3. Omissão inconstitucional configurada. 4. Precedentes do STF e do Órgão Especial do TJSP. 5. Procedência da ação.

 

 

 

 

 

Colendo Órgão Especial:

 

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade por omissão, em face da Lei Orgânica do Município de Cunha, sob o fundamento de ausência de regulamentação acerca da licença à qual fazem jus os servidores municipais, em razão de afastamento para exercício de mandato sindical.

É o relatório.

Sustenta o autor que a Lei Orgânica Municipal de Cunha não regulamenta o direito de afastamento remunerado dos servidores públicos, para o exercício de cargo em sindicato de categoria, violando, assim, o artigo 125, § 2º, da Constituição Estadual.            

Constata-se, de fato, que a Lei Orgânica do Município de Cunha (fls. 56/130) nada dispõe acerca dessa possibilidade de afastamento.

O artigo 38 da Constituição Federal dispõe:

“Art. 38. Ao servidor público da administração direta, autárquica e fundacional, no exercício de mandato eletivo, aplicam-se as seguintes disposições:

        I - tratando-se de mandato eletivo federal, estadual ou distrital, ficará afastado de seu cargo, emprego ou função;

(...)”

Por sua vez, a Constituição do Estado de São Paulo, assim disciplina o assunto:

 Artigo 125 - O exercício do mandato eletivo por servidor público far-se-á com observância do art. 38 da Constituição Federal.

§ 1º - Fica assegurado ao servidor público, eleito para ocupar cargo em sindicato de categoria, o direito de afastar-se de suas funções, durante o tempo em que durar o mandato, recebendo seus vencimentos e vantagens, nos termos da lei.

(...)” (g.n.)

Observa-se que o parâmetro constitucional estadual permite não apenas o afastamento do servidor para ocupar cargo em sindicato de categoria, mas também que ele seja remunerado enquanto perdurar o mandato.

A regra, todavia, não se aplica automaticamente aos servidores municipais, como explica Wellington Pacheco Barros:

 

“O afastamento do empregado público para desempenho de mandato classista tem previsão expressa na CLT. Como para o servidor público esta licença não se inclui no rol dos direitos constitucionais, deve ter previsão expressa no estatuto do servidor público municipal. Como a administração se rege pelo princípio da legalidade, não havendo lei regulamentando sua concessão, não pode a administração pública concedê-la, sob pena de responsabilização do Prefeito Municipal ou do Presidente da Câmara, dependendo a que poder municipal o servidor esteja vinculado, por improbidade administrativa, crime de responsabilidade ou por infração político-administrativa” (O município e seus agentes, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 137).

Não há dúvida de que a matéria inerente ao regime jurídico dos servidores públicos, inclusive afastamentos e licenças remuneradas, é de competência privativa do Chefe do Poder Executivo, como se infere do art. 61, § 1º, II, c, da Carta Maior, reproduzido no art. 24, §2º, 4, da Constituição Estadual.

Cumpre lembrar que esse direito deve ser assegurado pela Administração Pública a todos os servidores públicos civis, conforme preceitua o art. 37, VI, da Carta Maior, reproduzido no artigo 115, VI, da Constituição do Estado.

Ademais, a garantia de liberdade sindical insere-se dentre os direitos sociais, os quais, nos dizeres do eminentemente autor Inocêncio Mártires Coelho, “lograram alcançar o status de direitos fundamentais, vale dizer, a condição de direitos oponíveis erga omnes – até mesmo contra o Estado, que, ao constitucionalizá-los, dotou as suas normas da injuntividade (...)”. (Mendes, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 5ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2010, pg. 821/822.)

Nesse sentido, é relevante mencionar dois princípios pertinentes ao assunto: a) princípio da proteção do núcleo essencial e b) princípio de vedação ao retrocesso social.

No que se refere ao princípio da proteção do núcleo essencial, ensina Gilmar Mendes que “embora o texto constitucional brasileiro não tenha consagrado expressamente a ideia de um núcleo essencial, afigura-se inequívoco que tal princípio decorre do próprio modelo garantístico utilizado pelo constituinte.” E “a não admissão de um limite ao afazer legislativo tornaria inócua qualquer proteção fundamental”. (Mendes, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 5ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2010, pg. 398.)

Com relação ao princípio de vedação do retrocesso social, transcreve-se trecho extraído de ementa de julgamento proferido pelo Supremo Tribunal Federal:

“(...)

A PROIBIÇÃO DO RETROCESSO SOCIAL COMO OBSTÁCULO CONSTITUCIONAL À FRUSTRAÇÃO E AO INADIMPLEMENTO, PELO PODER PÚBLICO, DE DIREITOS PRESTACIONAIS. - O princípio da proibição do retrocesso impede, em tema de direitos fundamentais de caráter social, que sejam desconstituídas as conquistas já alcançadas pelo cidadão ou pela formação social em que ele vive. - A cláusula que veda o retrocesso em matéria de direitos a prestações positivas do Estado (como o direito à educação, o direito à saúde ou o direito à segurança pública, v.g.) traduz, no processo de efetivação desses direitos fundamentais individuais ou coletivos, obstáculo a que os níveis de concretização de tais prerrogativas, uma vez atingidos, venham a ser ulteriormente reduzidos ou suprimidos pelo Estado. Doutrina. Em conseqüência desse princípio, o Estado, após haver reconhecido os direitos prestacionais, assume o dever não só de torná-los efetivos, mas, também, se obriga, sob pena de transgressão ao texto constitucional, a preservá-los, abstendo-se de frustrar - mediante supressão total ou parcial - os direitos sociais já concretizados.

(...)”

(ARE 639337 AgR/SP – São Paulo, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma, 15/09/2011, Dje. 177)

Portanto, há omissão relevante na hipótese analisada, uma vez que a Lei Orgânica Municipal de Cunha nada dispôs acerca do direito constitucional do servidor público, de afastamento para exercício de mandato sindical.

Não se compreende, por outro lado, que a Constituição Estadual, em face do disposto em seu artigo 125, § 1º, inclusive no tocante à previsão de afastamento remunerado, esteja suprimindo a autonomia municipal para regular a matéria.

De fato, a redação do citado dispositivo atende a princípios previstos na Constituição Federal, conforme se verifica do art. 8º, I, da Carta Maior, que garante a livre associação sindical:

“Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte:

        I - a lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato, ressalvado o registro no órgão competente, vedadas ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical.”

Nesta seara, entende-se que a garantia de licença remunerada, para o exercício de mandato sindical, na forma prevista no artigo 125, § 1º, da CE, é de observância obrigatória pelos Municípios.

O direito à associação sindical dos servidores municipais suplanta o mero interesse local do Município. Basta mencionar a hipótese em que o exercício de tal garantia constitucional seja realizado por meio de Federações, Confederações ou mesmo Sindicatos Regionais de servidores públicos.

Em tais casos, eventual diferença de tratamento conferido à matéria, contrário à diretriz estabelecida na Constituição do Estado (art. 125, § 1º), poderá implicar enfraquecimento da liberdade sindical em determinado ente federativo municipal, se cotejado com outros, inclusive vizinhos.

A não contemplação do pagamento de remuneração viola, assim, as disposições dos artigos 5º, XVII, 8º e 37, VI, todos da Constituição Federal, que conferem à liberdade de associação o patamar de direito fundamental, preceitos estes de observância obrigatória pelos Municípios, por força do artigo 144 da Constituição Estadual.

Imprescindível, assim, que o legislador municipal atenda aos princípios estabelecidos na Constituição Estadual e Federal, sob pena de violação ao artigo 144 da CE, que assim dispõe:

 

“Art. 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por Lei Orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.” (g.n.)

 

Em situação semelhante, estando em consonância com o entendimento ora esposado, já se pronunciou este Colendo Órgão Especial:

 

“EMENTA: Ação Direta de Inconstitucionalidade. Art. 169a, "caput" e parágrafo único, e art. 169b, parágrafo único, da Lei Complementar Municipal n° 18/1995, de Artur Nogueira, acrescentados pela Lei Complementar Municipal n° 242/2001. Dispositivos do Estatuto dos Funcionários Públicos daquele Município, que regulamentam a licença do servidor para exercício de mandato de representação classista. Preliminar rejeitada. Legitimidade 'ad causam' demonstrada. Mérito. Existência de vício de inconstitucionalidade material. Restrição contida no artigo 169 a que caracteriza violação ao art. 125, § Iº, da Constituição Estadual, em prejuízo ao direito à livre associação sindical. Regra de observância obrigatória. Inteligência do art. 144 da Constituição Bandeirante. Precedentes deste Colendo Órgão Especial. Inocorrência, quanto ao mais, de vício de inconstitucionalidade. Normatização contida no artigo 169b a par das diretrizes constitucionais. Ação julgada parcialmente procedente.

Visto.

Trata-se de Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pela Federação dos Funcionários Públicos Municipais do Estado de São Paulo - FUPESP - em face do Prefeito Municipal de Artur Nogueira e do Presidente da Câmara Municipal de Artur Nogueira, tendo por objeto o artigo 169a, "caput" e parágrafo único, e o artigo 169b, parágrafo único, ambos da Lei Complementar Municipal n° 18, de 24 de fevereiro de 1995, alterada pela Lei Complementar n° 242, de 22 de junho de 2001, que dispõem sobre o Estatuto dos Funcionários Públicos do Município de Artur Nogueira.

Alega-se, essencialmente, que os atos normativos combatidos estão eivados de inconstitucionalidade material, por ofensa direta ao art. 125, § Iº, e ao art. 144, ambos da Constituição do Estado de São Paulo, porque (i) restringem o direito de afastamento dos funcionários públicos para o exercício de mandato classista, atribuindo-o exclusivamente ao servidor escolhido como representante da direção sindical, e (ii) vedam o recebimento de promoções por merecimento pelo funcionário público licenciado.

(...)

No mérito, é de se reconhecer em parte a procedência da ação.

A Lei Complementar Municipal n° 242/2001 introduziu alterações no Estatuto dos Funcionários Públicos do Município de Artur Nogueira, relativamente à licença para exercício de cargo de direção sindical -- inserida esta, pelo diploma alterador, no art. 150, V, da Lei Complementar Municipal n° 18/ 1995.

Além disso, aquela Lei Complementar acresceu ao Título IV do Estatuto a Seção VII de seu Capítulo II, especificamente destinada à regulamentação cie aludida licença (artigos 169a, 169b e 169c da lei).

A presente ação direta pretende a declaração de inconstitucionalidade do art. 169a, "caput" e parágrafo único, bem como do parágrafo único do art. 169b da Lei Complementar Municipal, sob o argumento de violação ao disposto no art. 125, § Iº, e no art. 144, ambos da Constituição do Estado de São Paulo.

Estabelece o art. 169a do Estatuto:

"Artigo 169a. - O servidor municipal estável, quando eleito para o cargo de direção sindical pelo Sindicato dos Servidores Públicos Municipais, poderá licenciar-se do seu cargo ou função, para exercer o seu mandato, durante o período correspondente.

Parágrafo único - A Diretoria do Sindicato dos Servidores Públicos Municipais elegerá o servidor que exercerá a representação de direção sindical, indicando-o ao Chefe de Executivo para o licenciamento de que trata o 'caput'." (g.n.)

Por sua vez, preconiza o art. 169b da lei:

"Artigo 169b. - A licença de que trata essa lei, quando requerida, dar-se-á sem prejuízo dos vencimentos e o servidor será considerado no efetivo exercício de ser cargo ou função para todos os efeitos legais.

Parágrafo único - Durante o período da licença, o servidor não concorrerá às promoções por merecimento."

Pois bem.

No tocante ao "caput" do artigo 169a, bem assim a seu parágrafo único, constata-se, com efeito, patente contrariedade aos ditames constitucionais indicados.

É que, muito embora não se desconheça a autonomia organizacional assegurada aos Municípios pelo art. 30 da Constituição da República e pelo art. 144 da Constituição Bandeirante, não se pode admitir que aquela seja exercida mediante transgressão ou desvio das diretrizes constitucionais vigentes.

De efeito.

Em plena consonância com o texto da Constituição Federal, o art. 144 da Constituição do Estado de São Paulo preconiza a autonomia política, legislativa, administrativa e financeira do Município, investindo-o de capacidade de auto-organização, e, simultaneamente, determina sua submissão aos princípios estabelecidos pela Carta Magna e pela própria Constituição Estadual.

Nesses termos, e tendo em vista a supremacia da ordem constitucional, deve ser assegurado em todos os níveis e esferas da federação o direito à livre associação sindical, estabelecido pelo art. 8º, "caput", da Constituição da República.

E, neste passo, em reforço à liberdade de associação sindical garantida constitucionalmente, o art. 125, § Iº, da Constituição do Estado de São Paulo confere aos servidores públicos direito ao afastamento remunerado de suas funções para o exercício de cargo de representação sindical.

Dispõe, com efeito, a Constituição Bandeirante:

''Art. 125. O exercício do mandato eletivo por servidor público far-se-á com observância no art. 38 da Constituição Federal.

§ 1°. Fica assegurado ao servidor público, eleito para ocupar cargo em sindicato de categoria, o direito de afastar-se de suas funções, durante o tempo em que durar o mandato, recebendo seus vencimentos e vantagens, nos termos da lei." (g.n.)

Dessa forma, o § Iº do art. 125 da Constituição do Estado, ao prever esta licença - que, embora não seja garantida pela Constituição Federal, tampouco é por ela vedada - consubstancia-se em regra de observância obrigatória, que, como tal, não pode ser contrariada por lei municipal.

Aliás e como assim já decidiu, em casos símiles, este mesmo Colendo Órgão Especial, a esposar entendimento francamente majoritário:

"Ação Direta de Inconstitucionalidade. Art. 151 e parágrafos Iº, 2º e 4º, da Lei Complementar n. 01, de Iº de abril de 1993, do Município de Itatinga, alterada pela Lei Complementar n. 112, de 19 de agosto de 2009 - Servidor Público Municipal - Disposições que restringem o direito ao afastamento para exercício de mandato de representação sindical/classista. Violação à garantia prevista no §1", do art. 125 da Constituição do Estado. Regra de observância obrigatória. Precedentes deste Colendo Órgão Especial. Ação Procedente." (Tribunal de Justiça de São Paulo, Órgão Especial, Ação Direta de Inconstitucionalidade n.° 0235220- 95.2011.8.26.0000, r. Des. Cauduro Padin, j . 2 5 / 0 4 / 2 0 1 2 ) (g.n.)

Em idêntico sentido, também:

"Ação direta de inconstitucionalidade por omissão. Lei orgânica do município de Embu-Guaçu. Afronta a norma estabelecida no art. 125, § 1", da Carta Bandeirante que regula o direito de afastamento remunerado dos servidores públicos de suas funções para o exercício de mandato classista. Norma que constitui regra de reprodução compulsória pelo ordenamento municipal. Precedentes deste Colendo Órgão. Inconstitucionalidade configurada. Ação procedente.”  (Tribunal de Justiça de São Paulo, Órgão Especial, Ação Direta de Inconstitucionalidade n.° 0054992- 91.2012.8.26.0000, r. Des. Guerrieri Rezende, j . 1 9 / 1 2 / 2 0 1 2) (g.n.)

Entender-se o contrário e estaria a admitir-se proteção máxima e até ilimitada da autonomia legislativa dos Municípios, ainda que em flagrante discrepância à ordem constitucional vigente e em detrimento de direitos fundamentais e sociais constitucionalmente assegurados.

Vale dizer.

Diante da previsão encontrada no art. 125, § Iº, do Estado de São Paulo - norma de observância e reprodução compulsória, repita-se - não está autorizada a lei municipal a excluir o afastamento remunerado do representante classista ou sequer a impor restrições ao exercício deste direito.

E foi precisamente isto o que fez o art. 169a da Lei Complementar Municipal impugnada, cujo ''caput" limita a concessão da licença ao servidor "eleito para o cargo de direção sindical pelo Sindicato dos Servidores Públicos Municipais", negando o mesmo direito ao demais representantes classistas. (g.n.)

De igual, representa inaceitável limitação àquele mandamento constitucional o disposto no parágrafo único do artigo 169a, que dita o rito de escolha do servidor a ser licenciado, salientando tratar-se de direito exercível por um único funcionário, escolhido para atuar na "representação de direção sindical".

A lei municipal, como se vê, restringiu considerável e substancialmente o direito assegurado pela Constituição Bandeirante, tolhendo sua real dimensão e amplitude - destinado que é a quaisquer servidores eleitos para o exercício de mandato classista.

Assim fez, aliás, mediante ingerência indevida à liberdade de organização sindical, dificultando, senão inviabilizando, seu pleno exercício.

Infringiu-se, assim, não apenas o disposto no art. 125, § Iº, da Constituição Estadual, como também seu art. 144, ao caracterizar evidente extrapolação dos limites da autonomia legislativa municipal.

Necessária, portanto, a declaração de inconstitucionalidade do art. 169a do Estatuto dos Funcionários Públicos do Município de Artur Nogueira.

É exatamente neste sentido que tem decidido este Colendo Órgão Especial, em situações parelhas:

Ação direta de inconstitucionalidade - Lei municipal restringindo direito de o servidor público eleito para integrar órgão diretivo de entidade de classe obter licença remunerada - Afronta ao § Iº, do art. 125, da CESP - Inconstitucionalidade declarada. (Tribunal de Justiça de São Paulo, Órgão Especial, Ação Direta de Inconstitucionalidade n.° 0225348-56.2011.8.26.0000, r. Des. Artur Marques, j . 2 5 / 0 4 / 2 0 1 2)

(...)

POSTO, rejeitada a matéria preliminar, julga-se parcialmente procedente a presente ação direta, tão somente para declarar a inconstitucionalidade do art. 169a, "caput" e parágrafo único, da Lei Complementar n° 18 de 24 de fevereiro de 1995 do Município de Artur Nogueira.

(Tribunal de Justiça de São Paulo, Órgão Especial, Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 0183321-24.2012.8.26.000, r. Desembargador Luís Soares de Mello, j. 23/01/2013)

Posto isso, urge o reconhecimento da inconstitucionalidade por omissão, que evidentemente atenta contra as Constituições Estadual e Federal, ao não regulamentar a licença de servidores municipais de Cunha, para o exercício de mandato de dirigente de entidade sindical específica, o que inviabiliza a representação federativa ou confederativa dos trabalhadores e a própria liberdade sindical.

A omissão do legislador em tornar efetiva norma constitucional de eficácia limitada encontra reparo por meio da ação direta de inconstitucionalidade por omissão. É o que dispõe o art. 90, § 4º, da Constituição Paulista (que reproduz, com adaptações, a previsão contida no art. 103, § 2º, da CF):

“(...)

Art. 90.

(...)

§ 4º. Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma desta Constituição, a decisão será comunicada ao Poder competente para a adoção das providências necessárias à prática do ato que lhe compete ou início do processo legislativo, e, em se tratando de órgão administrativo, para a sua ação em trinta dias, sob pena de responsabilidade.

(...)”

O Col. STF tem, há muito, reafirmado a necessidade de firme combate às omissões normativas inconstitucionais, que se revelam tanto na ausência de norma infraconstitucional como na sua insuficiência para dar concretude às diretrizes estabelecidas na Constituição Federal (ADI 1.458-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 23-5-96, DJ de 29-9-96. No mesmo sentido: ADI 1.439-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 22-5-96, DJ de 30-5-03).

A doutrina, do mesmo modo, anota que a ação direta de inconstitucionalidade por omissão é instrumento de “defesa da integralidade da vontade constitucional. É procedimento apropriado para a declaração da mora do legislador, com o consequente desencadeamento, por iniciativa do próprio órgão remisso, do processo de suprimento da omissão inconstitucional” (Clèmerson Merlin Clève, A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro, 2. ed., São Paulo, RT, 2000, p. 339/340).

Confira-se ainda: Luís Roberto Barroso, O controle de constitucionalidade no direito brasileiro, São Paulo, Saraiva, 2004, p. 195/198; Oswaldo Luiz Palu, Controle de constitucionalidade, 2. ed., São Paulo, RT, 2001, p. 285/291.

Tendo presente que o processo objetivo de controle de constitucionalidade tem como finalidade assentada na Constituição Federal assegurar sua eficácia normativa, a interpretação finalista e sistemática para tal instituto deve conduzir à conclusão de que a mera determinação de suprimento da omissão legislativa não será suficiente no caso concreto aqui examinado, pois seguramente haverá manutenção da situação de omissão inconstitucional.

Esse quadro demonstra o acerto da solução da doutrina e da jurisprudência que vislumbram a possibilidade de suprimento da omissão normativa infraconstitucional pela própria decisão proferida no controle concentrado.

Dirley da Cunha Júnior (Controle judicial das omissões do poder público, São Paulo, Saraiva, 2004, p. 547) põe a questão em destaque, observando que:

 

“(...)

para além da ciência da declaração da inconstitucionalidade aos órgãos do Poder omissos, é necessário que se estipule um prazo razoável para o suprimento da omissão. Mas não é só. A depender do caso, expirado esse prazo sem que qualquer providência seja adotada, cumprirá ao Poder Judiciário, se a hipótese for de omissão de medida de índole normativa, dispor normativamente sobre a matéria constante da norma constitucional não regulamentada. Essa decisão, acentue-se, será provisória, terá efeitos gerais (erga omnes) e prevalecerá enquanto não for realizada a medida concretizadora pelo poder público omisso (...)

(...)“ (g.n.)

 

 No mesmo sentido é o pensamento de Luís Roberto Barroso, formulando críticas à interpretação restritiva do alcance do instituto aqui empregado (O controle de constitucionalidade no direito brasileiro, cit., p. 208/214), bem como a doutrina de Clèmerson Merlin Clève (A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro, cit., p. 349/350).

Aponta-se, assim, como parâmetro para o caso de não suprimento da omissão, o disposto na Lei Complementar Estadual nº 343/84, salvo no tocante ao disposto nos artigos 1º, parágrafo único e 5º, que cuidam de matéria que se insere na autonomia do legislador municipal:

“Artigo 1.º - Poderão afastar-se para exercer seus mandatos nas entidades de classe representativas de funcionários e servidores do Estado, que congreguem, no mínimo, 500 (quinhentos) associados, os Presidentes, Secretários Gerais e Tesoureiros dessas entidades que sejam funcionários ou servidores públicos.
Parágrafo único - Além da hipótese prevista no "caput" deste artigo, será facultado o afastamento de mais um dirigente para cada 3.000 (três mil) associados, até o limite máximo de 3 (três).
Artigo 2.º - O afastamento de que trata o artigo anterior dar-se-á sem prejuízo dos vencimentos, da remuneração ou do salário, bem como das demais vantagens do cargo ou função-atividade.
Parágrafo único - Enquanto afastados, os funcionários e servidores não poderão ser exonerados, dispensados ou despedidos, salvo a pedido ou por justa causa.
Artigo 3.º - Será considerado de efetivo exercício para todos os efeitos legais, o período de afastamento de que trata o artigo 1.º.
Artigo 4.º - Para fins de evolução funcional, os funcionários e servidores afastados nos termos desta lei complementar não integrarão os respectivos grupos sob avaliação, atribuindo-se-lhes os pontos correspondentes ao conceito "muito bom" das classes a que pertencerem.
Artigo 5.º
- O disposto nesta lei complementar aplica-se também aos funcionários e servidores públicos eleitos dirigentes de entidades de classe do tipo Federativo ou Central de Entidades que congreguem, no mínimo, 10 (dez) entidades de classes representativas de funcionários e servidores do Estado, com mais de 500 (quinhentos) associados.
Artigo 6.º - O Poder Executivo regulamentará a presente lei complementar.”

Por todo o exposto, mostra-se inequívoca a necessidade de acolhimento da presente ação, reconhecendo-se a omissão normativa e a imperiosa necessidade de seu suprimento.

Destarte, opino pela procedência da ação, com a fixação de prazo razoável, de 180 (cento e oitenta) dias, para que seja sanada a omissão guerreada.

São Paulo, 03 de fevereiro de 2014.

 

        Nilo Spinola Salgado Filho

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

 

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