Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

 

Processo nº 0187541-31.2013.8.26.0000

Requerente: Federação dos Funcionários Públicos Municipais do Estado de São Paulo - FUPESP

Requeridos: Prefeito Municipal e Presidente da Câmara Municipal de Ferraz de Vasconcelos

 

                            Ementa:          

1)      Ação direta de inconstitucionalidade. Artigo 132, §§ 1º e 2º, da Lei Complementar nº 167, de 13 de dezembro de 2005, do Município de Ferraz de Vasconcelos, que autoriza apenas o afastamento de servidor ocupante de cargo de provimento efetivo eleito para o cargo de presidente em confederação, federação, associação de classe de âmbito nacional ou sindicato representativo da categoria ou entidade fiscalizadora da profissão, com possibilidade de uma única prorrogação.

2)       Autonomia municipal para dispor livremente sobre o assunto, observados os princípios da Constituição Federal e as leis nacionais de caráter complementar. Artigo 125, § 1º, da Constituição do Estado de São Paulo, que assegurou ao servidor público estadual, eleito para ocupar cargo em sindicato de categoria, o afastamento remunerado de suas funções enquanto durar o mandato. Norma constitucional estadual inaplicável aos municípios, entes dotados de autonomia administrativa e legislativa (CF, arts. 18 e 30, I), e que é formalmente inconstitucional, porquanto trata de matéria pertinente ao regime jurídico dos servidores públicos estaduais, cuja competência é reservada com exclusividade ao chefe do Poder Executivo (CE, art. 24, § 2º, 4). Possibilidade de o Tribunal exercer o controle incidental da norma adotada como parâmetro em ação direta de inconstitucionalidade proposta com fundamento no art. 125, § 2º, da Constituição Federal. Precedente do STF.

3)       Parecer pela improcedência do pedido.

 

 

Colendo Órgão Especial,

Eméritos Desembargadores:

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pela Federação dos Funcionários Públicos Municipais do Estado de São Paulo – FUPESP, tendo como alvo os §§ 1º e 2º do art. 132 da Lei Complementar nº 167, de 13 de dezembro de 2005, do Município de Ferraz de Vasconcelos.

Sustenta o requerente que os dispositivos legais impugnados são inconstitucionais por violar direitos assegurados pela Constituição Estadual aos servidores públicos de afastamento da função pública para ocupar cargo de direção ou representação classista, em sindicato da categoria. Daí, a afirmação de violação dos arts. 125, §§ 1º e 2º e 144, da Constituição Estadual.

Citado regularmente (fl. 116), o Procurador-Geral do Estado declinou de realizar a defesa do ato normativo impugnado, afirmando tratar de matéria de interesse exclusivamente local (fls. 120/122).

Devidamente notificado (fl. 117), o Presidente da Câmara Municipal apresentou informações à fls. 124/125.

O Prefeito Municipal apresentou informações à fls. 177/184, levantando preliminar de ilegitimidade de parte, por possuir o requerente abrangência maior que o das entidades sindicais referidas no art. 90, V, da Constituição Estadual. No mérito, sustentou a constitucionalidade dos atos normativos impugnados com fundamento na autonomia municipal. 

Nestas condições vieram os autos para manifestação desta Procuradoria-Geral de Justiça.

Da preliminar

A preliminar de ilegitimidade de parte deve ser afastada.

A leitura do estatuto social da requerente demonstra que ela é federação representativa de servidores públicos municipais no Estado de São Paulo (fl. 19), tendo abrangência estadual de atuação (fl. 53).

O Supremo Tribunal Federal já assentou que:

“Ação direta de inconstitucionalidade: legitimação ativa: ‘entidade de classe de âmbito nacional’: compreensão da ‘associação de associações’ de classe: revisão da jurisprudência do Supremo Tribunal. 1. O conceito de entidade de classe é dado pelo objetivo institucional classista, pouco importando que a eles diretamente se filiem os membros da respectiva categoria social ou agremiações que os congreguem, com a mesma finalidade, em âmbito territorial mais restrito. 2. É entidade de classe de âmbito nacional - como tal legitimada à propositura da ação direta de inconstitucionalidade (CF, art 103, IX) - aquela na qual se congregam associações regionais correspondentes a cada unidade da Federação, a fim de perseguirem, em todo o País, o mesmo objetivo institucional de defesa dos interesses de uma determinada classe. 3. Nesse sentido, altera o Supremo Tribunal sua jurisprudência, de modo a admitir a legitimação das ‘associações de associações de classe’, de âmbito nacional, para a ação direta de inconstitucionalidade” (RTJ 194/859).

Guardadas as devidas proporções, esse entendimento pode ser aplicado para os fins do art. 90, V, da Constituição Estadual, sustentando a dispensabilidade da autorização da entidade sindical representada, pois o interesse processual surge da norma constitucional e das convenções estatutárias.

E também não é de se requerer a comprovação da integração do sindicato à federação autora na medida em que, como revelam seus estatutos, ela mesma é representante dos direitos dos servidores públicos municipais.

Por essas razões, não prospera a preliminar

Do mérito  

Não procede o pedido.

Os §§ 1º e 2º do art. 132 da Lei Complementar nº 167, de 13 de dezembro de 2005, do Município de Ferraz de Vasconcelos, tem a seguinte redação:

A Constituição Federal consagrou o direito à livre associação sindical (art. 8º, caput, e V), inclusive em favor dos servidores públicos civis (art. 37, VI), mas nenhuma de suas passagens trata da questão do afastamento remunerado de servidor eleito dirigente sindical, matéria que, portanto, poderá ser disciplinada livremente pelas entidades federativas (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), nos limites de sua autonomia administrativa.

A esse respeito, HELY LOPES MEIRELLES ensina que:

“A competência para organizar o serviço público é da entidade estatal a que pertence o respectivo serviço. Sobre esta matéria as competências são estanques e incomunicáveis. As normas estatutárias federais não se aplicam aos servidores estaduais ou municipais, nem as do Estado-membro se estendem aos servidores dos Municípios. (grifei)

Cada entidade estatal é autônoma para organizar seus serviços e compor seu pessoal. Atendidos os princípios constitucionais e os preceitos das leis nacionais de caráter complementar, a União, os Estados-membros, o Distrito Federal e os Municípios instituirão seus regimes jurídicos, segundo suas conveniências administrativas e as forças de seus erários” (CF, arts. 39 e 169)’ (Cf. ‘Direito Administrativo Brasileiro’, Malheiros, São Paulo, 28ª edição, 2003, atualizada por Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho, p. 403)

Como se vê, na organização de seus serviços e na fixação de regras peculiares ao seu funcionalismo, os municípios devem obediência apenas aos princípios da Constituição Federal e às leis nacionais de caráter complementar que versem sobre o assunto, não podendo, assim, a Constituição Estadual impor limites a sua autonomia (Cf. Pontes de Miranda, “Comentários à Constituição de 1946”, v. 1, p. 486), sob pena de tornar letra morta os dispositivos constitucionais federais que consagraram a autonomia municipal (CF, arts. 18 e 30, inciso I).

Decorre, daí, que a regra prevista no art. 125, § 1º, da Carta Política Estadual, não é de observância compulsória pelos Municípios, os quais podem dispor livremente sobre a organização de seu próprio funcionalismo, nos limites da autonomia municipal consagrada nos arts. 18 e 30, inciso I, da Constituição Republicana.

Na verdade, a norma constitucional estadual adotada como parâmetro de controle de constitucionalidade, na presente ação, é que se afigura inconstitucional, ao assegurar o direito ao afastamento remunerado de servidor público eleito dirigente sindical, durante o prazo de duração do mandato, sem nenhum substrato na Constituição Federal, porquanto disciplina matéria peculiar ao regime jurídico do funcionalismo, a qual é reservada com exclusividade ao Executivo, ex vi do disposto no art. 24, § 2º, 4, da Constituição do Estado de São Paulo. 

Segundo José Celso de Mello Filho, “a expressão regime jurídico dos servidores públicos, que é ampla, abrange todas as normas relativas: a) às formas de provimento; b) às formas de nomeação; c) à realização do concurso; d) à posse; e) ao exercício, inclusive hipótese de afastamento, de dispensa de ponto e de contagem de tempo de serviço; f) às hipóteses de vacância; g) à promoção e respectivos critérios, bem como avaliação do mérito e classificação final (cursos, títulos, interstícios mínimos); h) aos direitos e às vantagens de ordem pecuniária; i) às reposições salariais e de vencimentos; j) ao horário de trabalho e ponto, inclusive regimes especiais de trabalho; k) aos adicionais por tempo de serviço, gratificações, diárias, ajudas de custo e acumulações remuneradas; l) às férias, licenças em geral, estabilidade, disponibilidade, aposentadoria; m) aos deveres e proibições; n) às penalidades e sua aplicação; o) ao processo administrativo.” (Cf. Constituição Federal Anotada, Saraiva, São Paulo, 1986, 2.ª edição, comentário ao art. 57, p. 220 – grifei.)

Aliás, cumpre obtemperar, a Carta Política em vigor assegura ao servidor público apenas o direito à livre associação sindical, que é consubstanciado na capacidade de filiar-se ou manter-se filiado, mas não o direito ao afastamento remunerado de servidor eleito dirigente sindical, durante o prazo de duração do mandato.

Logo, se esse Egrégio Tribunal de Justiça entender que a regra prevista no art. 125, § 1º, da Constituição do Estado de São Paulo, é de observância compulsória pelos Municípios, requer-se, antes de ser finalizado o julgamento da presente ação, a aferição de sua inconstitucionalidade incidental, ante a violação frontal – por esse entendimento – dos arts. 2º, 18, 30, inciso I, e 61, § 1º, inciso II, alínea ‘c’, da Constituição da República, os quais consagram a independência e a harmonia entre os Poderes, a autonomia municipal e a prerrogativa do chefe do Poder Executivo de deflagrar o processo de formação das leis que disponham sobre o “regime jurídico” dos servidores públicos da União.

A possibilidade de o Tribunal exercer o controle incidental de conformidade à Constituição Federal da norma constitucional estadual adotada como parâmetro em ação direta de inconstitucionalidade é admitida pelo colendo Supremo Tribunal Federal, conforme se vê do precedente abaixo reproduzido:

“EMENTA: - Reclamação. - Inexistência de atentado à autoridade do julgado desta Corte na ADIN 347, porquanto, no caso, a ação direta de inconstitucionalidade foi proposta com a arguição de ofensa à Constituição Estadual, e não à Federal, e julgada procedente por ofensa ao artigo 180, VII, da Carta Magna do Estado de São Paulo. - Não ocorrência de usurpação da competência desta Corte por ter o Tribunal de Justiça rejeitado a alegação incidente de que o citado artigo da Constituição do Estado de São Paulo seria inconstitucional em face da Carta Magna Federal. Controle difuso de constitucionalidade em ação direta de inconstitucionalidade. Competência do Tribunal de Justiça. Reclamação improcedente.” (Rcl. n.º 526/SP, Rel. Min. MOREIRA ALVES, j. em 11/11/1996.)

De resto, a autorização para afastamento exclusivo para exercício de mandato de presidente em entidades de representação de associação ou sindicato da categoria, admitindo apenas uma prorrogação, não é incompatível com o art. 8º, inciso VIII, da Constituição Federal, que foi reproduzido no art. 115, inciso VII, da Carta Paulista Estadual, pois a disciplina do direito ao afastamento remunerado de servidor para o exercício de mandato de dirigente sindical é matéria de competência municipal.

De outro lado, o objetivo da lei ao limitar o afastamento remunerado de servidores para ocupar cargos em entidades de classe, visa evitar afastamentos indiscriminados a bel prazer da forma organizativa e da quantidade de cargos das referidas entidades.

O Supremo Tribunal Federal já decidiu pela constitucionalidade de norma que condiciona a licença para o desempenho de mandato classista por servidor público:

 “DIREITO CONSTITUCIONAL. ORGANIZAÇÃO SINDICAL: INTERFERÊNCIA NA ATIVIDADE. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DO PAR ÁGRAFO ÚNICO DO ART. 34 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE MINAS GERAIS, INTRODUZIDO PELA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 8, DE 13 DE JULHO DE 1993, QUE LIMITA O NÚMERO DE SERVIDORES PÚBLICOS, AFASTÁVEIS DO SERVIÇO, PARA EXERCÍCIO DE MANDATO ELETIVO EM DIRETORIA DE ENTIDADE SINDICAL, PROPORCIONALMENTE AO NÚMERO DE FILIADOS A ELA, NESTES TERMOS: ‘Artigo 34 - É garantida a liberação do servidor de entidade sindical de mandato eletivo em diretoria de entidade sindical representativa de servidores públicos, de âmbito estadual, sem prejuízo da remuneração e dos demais direitos e vantagens do seu cargo. Parágrafo Único - Os servidores eleitos para cargos de direção ou de representação serão liberados, na seguinte proporção, para cada sindicato: I - de 1.000 (mil) a 3.000 (três mil) filiados, 1 (um) representante; II - de 3.001 (três mil e um) a 6.000 (seis mil) filiados, 2 (dois) representantes; III - de 6.001 (seis mil e um) a 10.000 (dez mil) filiados, 3 (três) representantes; IV - acima de 10.000 (dez mil) filiados, 4 (quatro) representantes’. 1. CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DE TRABALHADORES POLICIAIS CIVIS - COBRAPOL. REGISTRO. LEGITIMIDADE ATIVA: 2. Mérito: alegação de ofensa ao inciso I do art. 8°, ao VI do art. 37, ao inciso XXXVI do art. 5°, ao inciso XIX do art. 5°, todos da Constituição Federal, por interferência em entidade sindical. 3. Inocorrência dos vícios apontados. 4. Improcedência da A.D.I. 5. Plenário: decisão unânime” (STF, ADI 990-MG, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sydney Sanches, 06-02-2003, v.u., DJ 11-04-2003, p. 25).

 Diante do exposto, o pedido deve ser julgado improcedente porque nenhuma inconstitucionalidade há nos §§ 1º e 2º do art. 132 da Lei Complementar nº 167, de 13 de dezembro de 2005, do Município de Ferraz de Vasconcelos.

 

São Paulo, 5 de dezembro de 2013.

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

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