Parecer
Processo nº 0189320-21.2013.8.26.0000
Requerente: Prefeito
Municipal de Sorocaba
Requerido: Presidente
da Câmara Municipal de Sorocaba
Ementa: Constitucional. Tributário. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n. 10.525, de 29 de Julho de 2013, do Município de Sorocaba, de iniciativa parlamentar. Alteração de requisitos para concessão de incentivos fiscais. Separação de poderes. Reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo. Improcedência. Não há reserva de iniciativa legislativa ao Chefe do Poder Executivo em matéria tributária.
Colendo Órgão Especial,
Eméritos Desembargadores:
Trata-se de ação direta
de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de Sorocaba, tendo como
alvo a Lei n. 10.525, de 29 de julho de 2013, do Município de Sorocaba, que “Dá
nova redação ao art. 3º, da Lei n. 6.344, de 5 de dezembro de 2000, que
estabelece diretrizes e incentivos fiscais para o desenvolvimento econômico do
Município e dá outras providências”, sob alegação de violação aos arts. 5º, 24,
§ 2º, 47, II e IV, da Constituição do Estado, 38, IV e 61, III da Lei Orgânica
do Município e art. 84, II da Constituição Federal.
Para facilitar a exata
compreensão da controvérsia, segue abaixo reproduzida a disposição normativa
ora impugnada, na sua redação primitiva e também na atual:
“Art. 3º - As empresas deverão
apresentar as seguintes condições básicas, através de termo de compromisso e
respectivos cronogramas:
I-
geração de novos empregos, indicando absorção de mão de obra local;
II-
capacidade de atração de novas empresas, com indicação dos respectivos ramos de
atividades;
III-
implantação de programas de qualidade, conservação de energia, redução de
perdas, gestão ambiental e melhoria tecnológica;
IV-
exportação de produtos e serviços;
V-
contratação de serviços e produtos desenvolvidos no Município;
VI-
faturamento, pelo preço de venda, dos bens e serviços produzidos pela unidade
local;
VII-
não utilização de mão de obra infantil;
VIII-
obediência às normas estabelecidas com relação às posturas municipais,
estaduais e federais, principalmente as relativas a poluição e meio ambiente; e
IX-
licenciamento da frota de veículos no Município de Sorocaba. (redação original da dada pela Lei n.
6.344/2000)
Art.
3.º - Para receberem os benefícios fiscais concedidos por esta Lei, as empresas
deverão demonstrar o cumprimento dos seguintes requisitos e mantê-los enquanto
perdurem os benefícios:
I-
pelo menos 90% (noventa por cento) de empregados com residência fixa no
município de Sorocaba, comprovada por conta de energia elétrica em nome do
empregado;
II-
prestação de auxílio financeiro mensal a organizações sociais reconhecidas como
de utilidade pública municipal de Sorocaba no valor mínimo de 1% (um por cento)
do faturamento total da empresa, havido durante o ano anterior, faturamento
esse dividido em 12 prestações e depositado mensalmente nas contas bancárias
das organizações escolhidas;
III-
licenciamento de toda a sua frota de veículo automotores no município de
Sorocaba;
IV-preferência
para compras e contratação de serviços, em igualdade de condições, em favor de
outras empresas sediadas no município de Sorocaba (redação atual dada pela Lei n. 10.525/13)”
Segundo
consta na inicial, o estabelecimento dos requisitos para a concessão de
incentivos fiscais, mediante lei formal, atenta contra a separação dos Poderes;
a função fiscalizadora da Câmara é incompatível com a previsão legal que remete
à lei ordinária a concessão de benefícios fiscais; a exigência de lei formal
como condição sine qua non à
concessão de benefícios fiscais tipifica usurpação de competência do Poder
Executivo.
No seu despacho inicial, o
Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator XAVIER DE AQUINO suspendeu
liminarmente a eficácia da Lei n.º 10.525, de 29/7/2013, do Município de
Sorocaba (fl. 314).
Contra referida decisão, a Câmara
Municipal de Sorocaba interpôs agravo regimental (fls. 318/332), cujo
provimento foi negado (fls. 342/346).
Citado para os fins do disposto no art.
90, § 2º, da Constituição do Estado de São Paulo, o Procurador Geral do Estado
defendeu a exegese que condiciona a sua intervenção nos processos de
fiscalização abstrata à existência de interesse estadual na preservação da
norma impugnada, ausente, porém, neste caso (fls. 357/360).
A Câmara Municipal de Sorocaba prestou
informações, defendendo a constitucionalidade da legislação impugnada (fls.
362/374).
Em resumo, é o que consta nos autos.
A ação não procede.
A orientação do Supremo Tribunal Federal enuncia que matéria tributária não se inclui dentre as reservadas à iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo (STF, ADI 2.464-AP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, 11-04-2007, v.u., DJe 24-05-2007; STF, ADI 3.205-MS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 19-10-2006, v.u., DJ 17-11-2006, p. 41; STF, ADI 3.809-5-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Eros Grau, 14-06-2007, v.u., DJ 14-09-2007, p. 30; STF, RE 371.887-SP, Rel. Min. Carmén Lúcia, 29-06-2009, DJe 04-08-2009; STF, RE 357.581-SP, Rel. Min. Eros Grau, 16-12-2008, DJe 03-02-2009), como se pode constatar da transcrição dos seguintes julgados:
“6. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de que a competência para iniciar processo legislativo sobre matéria tributária não é privativa do Poder Executivo” (STF, AI 805.338-MG, Rel. Min. Cármen Lúcia, 29-06-2010, DJe 04-08-2010).
“PROCESSO LEGISLATIVO. MATÉRIA TRIBUTÁRIA. INEXISTÊNCIA DE RESERVA DE INICIATIVA. PREVALÊNCIA DA REGRA GERAL DA INICIATIVA CONCORRENTE QUANTO À INSTAURAÇÃO DO PROCESSO DE FORMAÇÃO DAS LEIS. LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DA INICIATIVA PARLAMENTAR. RE CONHECIDO E PROVIDO.
- Sob a égide da Constituição republicana de 1988, também o membro do Poder Legislativo dispõe de legitimidade ativa para iniciar o processo de formação das leis, quando se tratar de matéria de índole tributária, não mais subsistindo, em conseqüência, a restrição que prevaleceu ao longo da Carta Federal de 1969. Precedentes” (STF, RE 556.885-SP, Rel. Min. Celso de Mello, 17-06-2010, DJe 05-08-2010).
“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. É CONCORRENTE A COMPETÊNCIA LEGISLATIVA EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA. CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE NO TRIBUNAL DE JUSTIÇA ESTADUAL. ACÓRDÃO DIVERGENTE DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. POSSIBILIDADE DE JULGAMENTO PELO RELATOR. RECURSO PROVIDO” (STF, RE 541.273-SP, Rel. Min. Cármen Lúcia, 08-06-2010, DJe 22-06-2010).
Ademais, não se tratando de lei orçamentária, e sim de lei
tributária, também não se pode cogitar de ofensa ao art. 174, III, da
Constituição Estadual, assim como a do art. 165, § 6º, da Constituição Federal.
Neste sentido:
“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO OPOSTOS DE DECISÃO MONOCRÁTICA. CONVERSÃO EM AGRAVO REGIMENTAL. PROCESSO LEGISLATIVO. NORMAS SOBRE DIREITO TRIBUTÁRIO. INICIATIVA CONCORRENTE ENTRE O CHEFE DO PODER EXECUTIVO E OS MEMBROS DO LEGISLATIVO. POSSIBILIDADE DE LEI QUE VERSE SOBRE O TEMA REPERCUTIR NO ORÇAMENTO DO ENTE FEDERADO. IRRELEVÂNCIA PARA FINS DE DEFINIÇÃO DOS LEGITIMADOS PARA A INSTAURAÇÃO DO PROCESSO LEGISLATIVO. AGRAVO IMPROVIDO. I – A iniciativa de leis que versem sobre matéria tributária é concorrente entre o chefe do poder executivo e os membros do legislativo. II – A circunstância de as leis que versem sobre matéria tributária poderem repercutir no orçamento do ente federado não conduz à conclusão de que sua iniciativa é privativa do chefe do executivo. III – Agravo Regimental improvido” (STF, ED-RE 590.697-MG, 2ª Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 23-08-2011, v.u., DJe 06-09-2011).
Não há, assim, violação aos artigos 5º, 24, § 2º, 47, II e IV, e 144 da Constituição do Estado.
Opino, portanto, pela improcedência da ação.
São Paulo, 06 de maio de 2014.
Nilo Spinola Salgado Filho
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
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