Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo nº 0189599-07.2013.8.26.0000

Requerente: Sindicato dos Trabalhadores na Administração Pública de Ubatuba

Requeridos: Prefeito e Presidente da Câmara Municipal de Ubatuba

 

 

 

Ementa:

1) Lei n° 3.674, de 02 de setembro de 2013, do Município de Ubatuba, que cria 120 (cento e vinte) cargos de Agente Educacional de provimento efetivo.

2) Preliminares. Necessidade de regularização processual. Falta de pertinência temática.

3) Ausência de intimação pessoal da parte para recolhimento de custas de diligência. Inobservância do disposto no art. 267, §1º, do Código de Processo Civil.

4) Falta de comprovação da pertinência temática, que enseja a extinção do processo sem julgamento do mérito, por ausência de interesse de agir.

 5) Mérito. Alegação de violação dos arts. 25, 111, 115, I, 144 e 169, §1º, I e II, da Constituição do Estado de São Paulo. Inconstitucionalidade detectada por ofensa ao princípio da legalidade (art. 111, CE).

6) Inconstitucionalidade detectada por ofensa aos arts. 111 e 115, I, da Constituição Paulista. 7) Omissão quanto à escolaridade exigida. Requisito essencial à criação de cargo (art. 115, I, CE). Consequente violação ao princípio da legalidade (art. 111, CE).

7) Parecer pela extinção do processo sem julgamento do mérito por ausência de interesse de agir e, no mérito, pela procedência da ação.

 

 

 

Egrégio Tribunal:

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, ajuizada pelo Sindicato dos Trabalhadores na Administração Pública de Ubatuba, em face da Lei n° 3.674, de 02 de setembro de 2013, que criou 120 (cento e vinte) cargos de provimento efetivo de Agente Educacional.

Alega o autor que a norma em questão padece de inconstitucionalidade porque cria despesa sem indicar os recursos disponíveis, próprios para atender a novos encargos.

Argumenta que o processo legislativo da lei impugnada não teve seu tramite respeitado Isto porque, como a norma possui impacto no orçamento financeiro, deveria seu projeto ter sido submetido à Comissão de Finanças e Orçamento antes de ter sido colocado na ordem do dia e ser submetido à discussão e votação do Plenário. Afirma, ainda, não ter havido o transcurso do prazo de 45 (quarenta e cinco) dias entre o envio do projeto e sua aprovação.

Sustenta, por fim, que a norma em questão é inconstitucional por não dispor a respeito do nível de escolaridade exigido para o cargo.

Aponta como violados os arts. 25, 111, 144 e 169,§ 1º, I e II, da Constituição do Estado; os arts. 39, §1º, III e IV, 46, § 3º, “b”, do Regimento Interno da Câmara Municipal; o art. 39, § 1º, da Lei Orgânica do Município; e o art. 37, “caput”, da Constituição Federal.

Foi indeferida a concessão de liminar (fls. 80 e 81).

O Prefeito e o Presidente da Câmara Municipal de Ubatuba prestaram informações (fls. 90/96 e 98/100).

É o relatório.

Preliminarmente, aguarda-se a intimação pessoal do autor para que recolha as custas relativas à diligência do oficial de justiça, a fim de que seja citado o douto Procurador-Geral do Estado, pois consta dos autos que a intimação da parte para regularização processual deu-se apenas por meio do DJE (fls. 82 e 84), ou seja, em descumprimento ao                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                             disposto no art. 267, § 1º, do CPC.

A preliminar arguida pelo Município e pelo Presidente da Câmara Municipal de Ubatuba no tocante a ausência de pertinência temática merece ser acolhida.

         Legitimação ativa possui o requerente. O que demanda examinar é se é portador de pertinência temática, que se revela ante a existência de correlação entre o objeto do pedido de declaração de inconstitucionalidade e os objetivos institucionais da associação, conforme decisão do Tribunal Pleno do STF na ADI 3.702-ES, Rel. Min. Dias Toffoli, 01-06-2011, v.u., DJe 30-08-2011.

         Ademais, o art. 3º do estatuto da entidade sindical estabelece seus objetivos (fl.22), cuja leitura possibilita verificar a inexistência de pertinência temática.

         Observe-se que a lei impugnada apenas cria cargos de provimento efetivo, sem reflexo direto e imediato na categoria representada.

         Já decidiu o Supremo Tribunal Federal que não atende ao requisito específico o mero interesse indireto ou econômico, sem ligação imediata e direta com o escopo institucional da entidade sindical, como julgado:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - CONFEDERAÇÃO DOS SERVIDORES PÚBLICOS DO BRASIL (CSPB) - AUSÊNCIA DE LEGITIMIDADE ATIVA ‘AD CAUSAM’ POR FALTA DE PERTINÊNCIA TEMÁTICA - INSUFICIÊNCIA, PARA TAL EFEITO, DA MERA EXISTÊNCIA DE INTERESSE DE CARÁTER ECONÔMICO-FINANCEIRO - HIPÓTESE DE INCOGNOSCIBILIDADE - AÇÃO DIRETA NÃO CONHECIDA. - O requisito da pertinência temática - que se traduz na relação de congruência que necessariamente deve existir entre os objetivos estatutários ou as finalidades institucionais da entidade autora e o conteúdo material da norma questionada em sede de controle abstrato - foi erigido à condição de pressuposto qualificador da própria legitimidade ativa ‘ad causam’ para efeito de instauração do processo objetivo de fiscalização concentrada de constitucionalidade. Precedentes” (STF, ADI-MC 1.157-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 01-12-1994, m.v., DJ 17-11-2006, p. 47).

         Destarte, opino pela extinção do processo sem resolução do mérito.

Se superada a preliminar, a ação deve ser julgada procedente.

Inicialmente insta salientar que o contraste da lei local com dispositivos da Constituição Federal, da Lei Orgânica do Município, do Regimento Interno da Câmara Municipal e da Lei de Responsabilidade Fiscal não viabiliza o controle abstrato, concentrado e direto de constitucionalidade, cujo único parâmetro é a Constituição do Estado (art. 125, § 2º, Constituição Federal).

É pacífico nesse Tribunal de Justiça que:

“as ações diretas de inconstitucionalidade devem ater-se a contrastes com dispositivos constitucionais, não com normas de direito comum, independente de sua hierarquia. A violação de dispositivo de leis ordinárias, leis complementares e mesmo de preceitos inseridos em lei orgânica do município, não pode ser invocada em ação direta” (TJSP, ADI 46.911-0/4-00, Órgão Especial, Rel. Des. Franciulli Netto, v.u., 08-09-1999).

Por este motivo, passa-se a análise tão somente de eventual contraste dos atos normativos impugnados com a Constituição Estadual.

Com efeito, a Lei n. 3.674, de 02 de setembro de 2013, do Município de Ubatuba criou 120 (cento e vinte) cargos de Agente Educacional de provimento efetivo.

Embora o município seja dotado de autonomia política e administrativa, dentro do sistema federativo (cf. arts. 1º e 18 da Constituição Federal), esta autonomia não tem caráter absoluto, pois se limita ao âmbito pré-fixado pela Constituição Federal (cf. José Afonso da Silva, Direito constitucional positivo, 13. ed., São Paulo, Malheiros, 1997, p. 459).

A autonomia municipal deve ser exercida com a observância dos princípios contidos na Constituição Federal e na Constituição Estadual (cf. Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior, Curso de direito constitucional, 9ª ed., São Paulo, Saraiva, 2005, p. 285).

No exercício de sua autonomia administrativa, o município cria cargos, empregos e funções, mediante atos normativos, instituindo carreiras, vencimentos, entre outras questões, bem como se estruturando adequadamente.

Todavia, a possibilidade de que o município organize seus próprios serviços encontra balizamento na própria ordem constitucional, sendo necessário que o faça através de lei, respeitando normas constitucionais federais e estaduais relativas ao regime jurídico do serviço público.

A regra, no âmbito de todos os Poderes Públicos, deve ser o preenchimento dos postos através de concurso público de provas ou de provas e títulos, pois assim se garante a acessibilidade geral (prevista inclusive no art. 37, I, da Constituição Federal; bem como no art. 115, I, da Constituição do Estado de São Paulo). Essa deve ser a forma de preenchimento dos cargos e empregos de natureza técnica ou burocrática.

Desta feita, observar-se que o Chefe do Poder Executivo de Ubatuba, embora tenha criado tais cargos de provimento efetivo de Agente Educacional, não agiu dentro dos limites constitucionais ao deixar de estabelecer, na lei ora impugnada, requisito essencial à investidura dos cargos criados, qual seja, o nível de escolaridade exigido, violando, dessa forma, o disposto no art. 115, I, da Constituição Estadual, e, por conseguinte, o art. 111 também da Carta Paulista, por patente ofensa ao princípio da legalidade.

Por outro lado, não há que se falar em violação dos arts. 25 e 169 da Constituição do Estado de São Paulo, tendo em vista que na justificativa da criação da lei impugnada constou expressamente que os recursos para suportar os novos encargos serão provenientes dos recursos repassados pelo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – FUNDEB (fl. 34).

Ante o exposto, o parecer é pela extinção do processo sem julgamento do mérito ou, no mérito, pela procedência da presente ação direta de inconstitucionalidade.

São Paulo, 6 de março de 2014.

 

 

        Nilo Spinola Salgado Filho

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

vlcb