Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 0190754-79.2012.8.26.0000

Requerente: Prefeito do Município de Taubaté

Objeto: Art. 1º da Lei Complementar Municipal n. 274, de 25 de janeiro de 2012

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade, promovida por Prefeito, do art. 1º da Lei Complementar Municipal n. 274, de 25 de janeiro de 2012. Dispositivo legal que versa sobre o Sistema Municipal de Bolsa de Estudos (SIMUBE). Restrição das bolsas a alunos matriculados e frequentes em cursos da Universidade de Taubaté. Alegação de afronta aos princípios da impessoalidade e da livre concorrência e aos arts. 232, III e 237 da Constituição Estadual. Inconstitucionalidade reconhecida.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de Taubaté, tendo por objeto o art. 1º da Lei Complementar Municipal n. 274, de 25 de janeiro de 2012, que versa sobre o Sistema Municipal de Bolsa de Estudos (SIMUBE) e restringe a concessão de bolsas a alunos matriculados e frequentes em cursos da Universidade de Taubaté.

O autor alega que há ofensa aos princípios da impessoalidade e da livre concorrência e aos arts. 232, III e 237 da Constituição Estadual.

O Presidente da Câmara Municipal foi devidamente notificado e prestou informações a fls. 52/57.

O Procurador-Geral do Estado de São Paulo foi devidamente notificado e se manifestou (fls. 48/50).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

A presente ação é procedente.

Cuida-se, à evidência, de lei que afronta o princípio da impessoalidade.

O princípio da impessoalidade, previsto no art. 111 da Constituição Estadual, é conducente da proibição ao personalismo na administração pública, vedando favoritismos e preterições.

A violação decorre da indicação de determinada pessoa jurídica, quando a previsão deveria ser genérica, como ocorria no texto original alterado pelo dispositivo legal impugnado.

O preceito da impessoalidade é de observância obrigatória pelos Municípios, por força do disposto no art. 144 da Constituição Paulista.

Se não bastasse, também há afronta ao princípio da isonomia, tendo em vista o estabelecimento de discriminação em prol de alunos de determinada instituição de ensino, em detrimento de outros.

Com efeito, o princípio da igualdade, em sua verdadeira acepção, significa tratar igualmente situações iguais, e de forma diferenciada situações desiguais.

Daí ser possível aduzir que viola o princípio da igualdade tanto o tratamento desigual para situações idênticas, como o tratamento idêntico para situações que são diferenciadas.

Como anota Celso Antônio Bandeira de Mello, “o princípio da isonomia preceitua que sejam tratadas igualmente as situações iguais e desigualmente as desiguais. Donde não há como desequiparar pessoas e situações quando nelas não se encontram fatores desiguais. E, por fim, consoante averbado insistentemente, cumpre ademais que a diferença do regime legal esteja correlacionada com a diferença que se tomou em conta” (Conteúdo jurídico do princípio da igualdade, 3ª ed., 12ª tir., São Paulo, Malheiros, 2004, p. 35).

Esse é o sentido do princípio da isonomia, salientado por José Afonso da Silva, ao afirmar que “a realização da igualdade perante a justiça, assim, exige a busca da igualização de condições dos desiguais” (Curso de direito constitucional positivo, 13ª ed., São Paulo, Malheiros, 1997, p. 215).

A diferenciação feita pelo legislador é possível quando, objetivamente, constatar-se um fator de discrímen que dê razoabilidade à diferenciação de tratamento contida na lei, pois a igualdade pressupõe um juízo de valor e um critério justo de valoração, proibindo o arbítrio, que ocorrerá “quando a disciplina legal não se basear num: (i) fundamento sério; (ii) não tiver um sentido legítimo; (iii) estabelecer diferenciação jurídica sem um fundamento razoável” (J.J. Gomes Canotilho, Direito constitucional e teoria da constituição, 3ª ed., Coimbra, Livraria Almedina, 1998, p. 400/401).

Além disso, no constitucionalismo moderno “a função de impulso e a natureza dirigente do princípio da igualdade aponta para as leis como um meio de aperfeiçoamento da igualdade através da eliminação das desigualdades fácticas” (J.J. Gomes Canotilho, Constituição dirigente e vinculação do legislador. Contributo para a compreensão das normas constitucionais programáticas, 2ª ed., Coimbra editora, 2001, p. 383).

O que o princípio em verdade veda é que a lei vincule uma “consequência a um fato que não justifica tal ligação”, pois o vício de inconstitucionalidade por violação da isonomia deve incidir quando a norma que promove diferenciações sem que haja “tratamento razoável, equitativo, aos sujeitos envolvidos” (Celso Ribeiro Bastos, Curso de direito constitucional, 18ª ed. São Paulo, Saraiva, 1997, p. 181/182).

A valoração daquilo que constitui o conteúdo jurídico do princípio constitucional da igualdade, ou seja, a vedação de uma “regulação desigual de fatos iguais”, deve ser realizada caso a caso, com base na razoabilidade e proporcionalidade na análise dos valores envolvidos, pois “não há uma resposta de uma vez para sempre estabelecida” (cf. Konrad Hesse, Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha, tradução da 20ª ed. alemã, por Luís Afonso Heck, Porto Alegre, Sérgio Antônio Fabris editor, 1998, p. 330/331).

Em outras palavras, além do aspecto negativo do princípio, como vedação de tratamento desigual a situações e pessoas em condição similar, traz conotação positiva, para conceder ao legislador a missão de, pela elaboração normativa, com parâmetro nos obstáculos e nas desigualdades reais, equiparar, ou equilibrar situações, materializando efetivamente o conteúdo concreto da isonomia. Pela elaboração normativa, o legislador poderá afastar óbices de qualquer ordem que limitem a aproximação efetiva daqueles que se encontram sob a égide do ordenamento jurídico (cf. Paolo Biscaretti Di Ruffia, Diritto constituzionale, XV edizione, Napoli, Jovene, 1989, p. 832).

No caso em tela, não há qualquer fundamento para que somente sejam beneficiados aqueles que tiverem vínculo com a Instituição de Ensino mencionada na inicial.

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da integral procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade do art. 1º da Lei Complementar Municipal n. 274, de 25 de janeiro de 2012, de Taubaté.

São Paulo, 12 de dezembro de 2012.

 

 

        Sérgio Turra Sobrane

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

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