Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo nº 0190756-49.2012.8.26.0000

Requerente: Prefeito Municipal de Taubaté

Requerido: Presidente da Câmara Municipal de Taubaté

 

Ementa:

1)      Ação direta de inconstitucionalidade. Impugnação dos §§ 3º, 4º, 5º do art. 63 e do §3º do art. 157 e anexo II da Lei Complementar n. 282, de 02 de maio de 2012, do Município de Taubaté, que “dispõe sobre o Código de Administração da Universidade de Taubaté e dá outras providências”, cuja redação foi determinada por Emendas parlamentares. Dispositivos que tratam do regime jurídico de servidores municipais.

2)      Limites ao poder de emendas parlamentares em matéria cuja iniciativa legislativa é reservada ao Chefe do Poder Executivo. Inconstitucionalidade das emendas “excessivas”, que produzam, ainda que indiretamente, violação da reserva de iniciativa. Regime jurídico do funcionalismo municipal.

3)      Parecer pela procedência da ação.

 

 

Colendo Órgão Especial,

Senhor Desembargador Relator:

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Prefeito Municipal de Taubaté, tendo como alvo os §§ 3º, 4º e 5º do art. 63 e o §3º do art. 157 e anexo II da Lei n. 282, de 02 de maio de 2012, do Município de Taubaté, que “dispõe sobre o Código de Administração da Universidade de Taubaté e dá outras providências”, cujas redações foram determinadas por Emenda parlamentar. A mudança perpetrada refere-se ao regime jurídico de servidores municipais.

Sustenta o autor que a norma atacada padece de inconstitucionalidade por vício de iniciativa, por violar o princípio da separação dos poderes, por se tratar de matéria de competência privativa do Chefe do Poder Executivo.    

Aponta o autor como violado, igualmente, o art. 24, §2º, n. 4, da Constituição Estadual.

Foi concedida a liminar, determinando-se a suspensão dos atos normativos impugnados (fl. 130).

O Procurador-Geral do Estado declinou de oferecer defesa relativamente ao ato normativo (fls. 140/141).

O Presidente da Câmara Municipal de Taubaté deixou de prestar informações (fl. 142).

É o relato do essencial

A Lei n. 282, de 02 de maio de 2012, do Município de Taubaté,  “dispõe sobre o Código de Administração da Universidade de Taubaté e dá outras providências”.

Referida legislação é de autoria do Chefe do Poder Executivo.

Entretanto, os dispositivos impugnados são oriundos de emenda parlamentar e apresentam a seguinte redação:

“(....)

Art. 63.......

.......

§3º - A jornada semanal de trabalho dos cargos de Assistente Social, Fonoaudiólogo, Psicólogo e Técnico de Enfermagem é de 30 horas, vedada a redução de remuneração.

§ 4º - A duração normal da jornada diária de trabalho do Jornalista Profissional é de 5 horas, vedada a redução de remuneração.

§5º - A jornada semanal de trabalho de Radialista é de:

I- 30 horas para os setores de autoria e locução;

II- 36 horas para os setores de produção, interpretação, dublagem, tratamento e registros sonoros, tratamento e registros visuais, montagem e arquivamento, transmissão de sons e imagens, revelação, copiagem de filmes, artes plásticas e animação de desenhos e objetos e manutenção técnica.

.......

Art. 157........

§3º - Somente será concedida nova licença após decorridos três anos do término da anterior ou da sua interrupção”.

 No tocante ao anexo II da citada lei estão sendo impugnadas as referências à remuneração atribuída aos cargos de Eletricista I e mecânico de manutenção de máquinas e equipamentos.

É manifesta, nesse caso, a não observância da reserva de iniciativa do Chefe do Poder Executivo local para a edição de lei disciplinando o regime jurídico do funcionalismo municipal, nos termos do art. 24, § 2º, n. 4, da Constituição do Estado, aplicável aos Municípios por força do art. 144 da mesma Carta.

Não há como negar que a matéria veiculada nos dispositivos impugnados diz respeito ao regime jurídico do funcionalismo municipal, por tratar de jornada de trabalho, concessão de licença e referências à remuneração.

O Col. Supremo Tribunal Federal, interpretando e aplicando dispositivo análogo constante da Constituição da República, o art. 61, § 1º, II, c, do qual o preceito antes indicado da Constituição do Estado é mera reprodução, reiteradamente tem declarado a inconstitucionalidade de leis que tratam de regime jurídico do funcionalismo desrespeitando a reserva de iniciativa.

Confira-se:

“(...)

Dentre as regras básicas do processo legislativo federal, de observância compulsória pelos Estados, por sua implicação com o princípio fundamental da separação e independência dos Poderes, encontram-se as previstas nas alíneas a e c do art. 61, § 1º, II, da CF, que determinam a iniciativa reservada do chefe do Poder Executivo na elaboração de leis que disponham sobre o regime jurídico e o provimento de cargos dos servidores públicos civis e militares. Precedentes: ADI 774, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 26-2-1999, ADI 2.115, rel. Min. Ilmar Galvão e ADI 700, rel. Min. Maurício Corrêa. Esta Corte fixou o entendimento de que a norma prevista em Constituição Estadual vedando a estipulação de limite de idade para o ingresso no serviço público traz em si requisito referente ao provimento de cargos e ao regime jurídico de servidor público, matéria cuja regulamentação reclama a edição de legislação ordinária, de iniciativa do chefe do Poder Executivo. Precedentes: ADI 1.165, rel. Min. Nelson Jobim, DJ de14-6-2002 e ADI 243, red. p/ o acórdão Min. Marco Aurélio, DJ de 29-11-2002. Ação direta cujo pedido se julga procedente. (ADI 2.873, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 20-9-2007, Plenário, DJ de 9-11-2007.)

(...)

Processo legislativo: normas de lei de iniciativa parlamentar que cuidam de jornada de trabalho, distribuição de carga horária, lotação dos profissionais da educação e uso dos espaços físicos e recursos humanos e materiais do Estado e de seus Municípios na organização do sistema de ensino: reserva de iniciativa ao Poder Executivo dos projetos de leis que disponham sobre o regime jurídico dos servidores públicos, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria (art. 61, II, § 1º, c). (ADI 1.895, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 2-8-2007, Plenário, DJ de 6-9-2007.)

(...)

Lei estadual que dispõe sobre a situação funcional de servidores públicos: iniciativa do chefe do Poder Executivo (art. 61, § 1º, II, a e c, CR/1988). Princípio da simetria. (ADI 2.029, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 4-6-2007, Plenário, DJ de 24-8-2007.)

(...)”

Alegar-se-á, eventualmente, que não houve violação da reserva de iniciativa do Chefe do Poder Executivo, pois os dispositivos impugnados foram fruto de emenda parlamentar.

Não há dúvida de que os parlamentares podem apresentar emendas aos projetos de iniciativa reservada do Chefe do Poder Executivo, durante sua tramitação legislativa.

Ocorre, entretanto, que esse poder de emenda não pode significar, na prática, usurpação, ainda que indireta ou velada, da reserva de iniciativa assegurada pela Constituição ao Chefe Poder do Executivo.

Não fosse assim, a reserva de iniciativa teria seu efeito, do ponto de vista prático, eliminado, na medida em que, uma vez apresentado o projeto pelo Chefe do Executivo, o resultado final da atividade legislativa poderia se concretizar em temas e perspectivas absolutamente distantes e estranhos à proposta inicial.

É oportuno observar que a solução aqui preconizada – inconstitucionalidade das emendas aditivas e modificativa que revelam “excesso” na utilização do poder de emendas parlamentares, quanto aos projetos de iniciativa reservada do Chefe do Executivo – já foi consolidada pelo Col. Supremo Tribunal Federal.

Confiram-se os julgados a seguir mencionados, aplicáveis ao caso mutatis mutandis:

“(...)

Ação direta de inconstitucionalidade. Reserva de iniciativa. Aumento de remuneração de servidores. Perdão por falta ao trabalho. Inconstitucionalidade. Lei 1.115/1988 do Estado de Santa Catarina. Projeto de lei de iniciativa do governador emendado pela Assembleia Legislativa. Fere o art. 61, § 1º, II, a, da CF de 1988 emenda parlamentar que disponha sobre aumento de remuneração de servidores públicos estaduais. Precedentes.  (ADI 13, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 17-9-2007, Plenário, DJ de 28-9-2007.)

(...)

A iniciativa de projetos de lei que disponham sobre vantagem pessoal concedida a servidores públicos cabe privativamente ao chefe do Poder Executivo. Precedentes. Inviabilidade de emendas que impliquem aumento de despesas a projetos de lei de iniciativa do chefe do Poder Executivo. (ADI 1.729, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 28-6-2006, Plenário, DJ de 2-2-2007.) No mesmo sentido: ADI 3.176, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 30-6-2011, Plenário, DJE de 5-8-2011.

(...)

Processo legislativo. Iniciativa privativa do Poder Executivo. Emenda pelo Poder Legislativo. Aumento de despesa. Norma municipal que confere aos servidores inativos o recebimento de proventos integrais correspondentes ao vencimento de seu cargo. Lei posterior que condiciona o recebimento deste benefício, pelos ocupantes de cargo em comissão, ao exercício do serviço público por, no mínimo, doze anos. Norma que rege o regime jurídico de servidor público. Iniciativa privativa do chefe do Executivo. Alegação de inconstitucionalidade desta regra, ante a emenda da Câmara de Vereadores, que reduziu o tempo mínimo de exercício de quinze para doze anos. Entendimento consolidado desta Corte no sentido de ser permitido a parlamentares apresentar emendas a projeto de iniciativa privativa do Executivo, desde que não causem aumento de despesas (art. 61, § 1º, a e c c/c  art. 63, I, todos da CF/1988). Inaplicabilidade ao caso concreto. (RE 274.383, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 29-3-2005, Segunda Turma, DJ de 22-4-2005.)

(...)

Incorre em vício de inconstitucionalidade formal (CF, arts. 61, § 1º, II, a e c e 63, I) a norma jurídica decorrente de emenda parlamentar em projeto de lei de iniciativa reservada ao chefe do Poder Executivo, de que resulte aumento de despesa. Parâmetro de observância cogente pelos Estados da Federação, à luz do princípio da simetria. (ADI 2.079, Rel. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 29-4-2004, Plenário, DJ de 18-6-2004.) No mesmo sentido: ADI 2.113, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 4-3-2009, Plenário, DJE de 21-8-2009.

(...)”

O fato é que a violação da iniciativa reservada, ainda que se dê de forma indireta, através de emendas parlamentares, torna a lei inconstitucional.

 

Ademais,  sabe-se que apresentado o projeto pelo Chefe do Poder Executivo, está exaurida a sua atuação, abrindo-se caminho para a fase constitutiva da lei, que se caracteriza pela discussão e votação públicas da matéria. Nessa fase se sobressai o poder de emendar, prerrogativa inerente à função legislativa do parlamentar, que não é absoluta, pois encontra-se limitadas às restrições impostas, em “numerus clausus”, pela Constituição Federal (arts. 63, I e 166, § 3º, I e II ).   

Da interpretação das normas que regem o processo legislativo, pode-se afirmar que a limitação ao poder de emendar projetos de lei de iniciativa reservada do Poder Executivo existe no sentido de evitar: (a) aumento de despesa não prevista, inicialmente; ou (b) a desfiguração da proposta inicial, seja pela inclusão de regra que com ela não guarde pertinência temática; seja ainda pela alteração extrema do texto originário, que rende ensejo a regulação praticamente e substancialmente distinta da proposta original.

O ordenamento jurídico brasileiro, como se sabe, dispõe que o governo municipal é de funções divididas. As funções administrativas foram conferidas ao Prefeito, enquanto que as funções legislativas são de competência da Câmara. Administrar significa aplicar a lei ao caso concreto. Assim, no exercício de suas funções, o Prefeito é obrigado a observar as normas gerais e abstratas editadas pela Câmara, em atenção ao princípio da legalidade, a que está pautada toda atuação administrativa, na forma do art. 111 da Carta Paulista.

Estabelecidas estas considerações, tem-se, no caso em análise, que as emendas aditivas, além de violarem a reserva de iniciativa do Chefe do Poder Executivo como anteriormente mencionado, desfiguraram a proposta inicial do art. 63 da Lei n. 282, de 02 de maio de 2012, do Município de Taubaté, pela alteração extrema do texto originário, na medida em que disciplinaram e reduziram a jornada de trabalho inicial de várias categorias de servidores públicos, vedando a redução de remuneração, o que, igualmente, implica em aumento de despesa para a Administração Pública que pode se ver obrigada a contratar novos servidores caso essa redução de jornada prejudique a prestação regular do serviço público.

As mesmas considerações feitas em relação ao aumento de despesa podem ser aplicadas, no que diz respeito à emenda modificativa que reduziu de 05 (cinco) para 03 (três) o prazo de concessão para nova licença para tratar de interesses particulares.

Isto porque referida redução de prazo pode ocasionar a contratação de novos servidores para suprirem os que estão em gozo da mencionada licença.

Posto isso, nosso parecer é no sentido da procedência da ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade dos §§ 3º, 4º e 5º do art. 63 e o §3º do art. 157 e anexo II da Lei n. 282, de 02 de maio de 2012, do Município de Taubaté, que “dispõe sobre o Código de Administração da Universidade de Taubaté e dá outras providências”.

São Paulo, 07 de março de 2013.

vlcb

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

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