Parecer em Ação Direta de
Inconstitucionalidade
Processo nº 0193186-37.2013.8.26.0000
Requerente: Prefeito do Município de São José do Rio Preto
Requerido: Presidente da Câmara Municipal de São José do Rio Preto
Ementa:
1) Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 11.272, de 26 de novembro de 2012, do Município de São José do Rio Preto, de iniciativa parlamentar, que “Dispõe sobre a inclusão da matéria ‘sensível aos 3 R’s’ como atividade extracurricular, nas Escolas Públicas Municipais, e dá outras providências”.
2) Inconstitucionalidade. Encontra-se na reserva da Administração e na iniciativa legislativa reservada do Chefe do Poder Executivo a instituição de programas, campanhas e serviços administrativos, sendo ainda inconstitucional a lei de iniciativa parlamentar pela ausência de fonte para cobertura de novos gastos públicos (art. 25 da Constituição Estadual).
3) Violação do princípio da separação de poderes (arts. 5º; 24, § 2º, 2; 47, II, XIV e XIX; 144 e 176, I, da Constituição do Estado). Procedência do pedido.
Colendo Órgão
Especial,
Senhor Desembargador
Relator:
Tratam estes autos de ação direta de inconstitucionalidade, tendo como alvo a Lei nº 11.272, de 26 de novembro de 2012, do Município de São José do Rio Preto, de iniciativa parlamentar, que “Dispõe sobre a inclusão da matéria ‘sensível aos 3 R’s’ como atividade extracurricular, nas Escolas Públicas Municipais, e dá outras providências”.
Sustenta o requerente que a lei é inconstitucional por apresentar vício de iniciativa, violar o princípio da separação dos poderes e criar despesa sem indicação fonte de recurso. Daí, a afirmação de violação dos arts. 5º, 25, 47, II, XI e XIV, 111 e 144 da Constituição Estadual da Lei Orgânica Municipal e da Lei Federal nº 9.394/1996.
Após regularizada a representação processual, 36/40, foi deferida a liminar para suspender, com efeito ex nunc, a vigência e a eficácia da Lei nº 11.272, de 26 de novembro de 2012, do Município de São José do Rio Preto, (fls. 41).
Citado regularmente (fl. 55), o Procurador Geral do Estado declinou de realizar a defesa do ato normativo impugnado, afirmando tratar de matéria de interesse exclusivamente local (fls. 57/59).
Devidamente notificado, o Presidente da Câmara Municipal apresentou informações às fls. 49/52.
Nestas condições vieram os autos para manifestação desta Procuradoria-Geral de Justiça.
Procede o pedido.
A Lei nº 11.272, de 26 de novembro de 2012, do Município de São José do Rio Preto, de iniciativa parlamentar, que “Dispõe sobre a inclusão da matéria ‘sensível aos 3 R’s’ como atividade extracurricular, nas Escolas Públicas Municipais, e dá outras providências”, promulgada pelo Presidente da Câmara Municipal, após rejeição do veto do executivo, tem a seguinte redação:
“Art. 1º - Dispõe sobre a inclusão, no projeto de atividades extracurriculares das Escolas Públicas Municipais, da matéria “sensível aos 3 R’s”. (reutilizável, retornável e reciclável).
Parágrafo Único - A inclusão referida no caput deste artigo será realizada de acordo com o planejamento pedagógico das unidades de ensino municipais, sem prejuízo do conteúdo curricular das disciplinas obrigatórias, não acarretando em aumento de despesas previamente consignadas.
Art. 2º - O Poder Executivo regulamentará esta Lei, no que couber, no prazo necessário visando à inclusão no próximo ano letivo.
Art. 3º - As despesas com a execução da presente Lei correrão por conta de verba orçamentária própria, suplementada se necessário.
Art. 4º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
O ato normativo impugnado, de iniciativa parlamentar, é verticalmente incompatível com nosso ordenamento constitucional por violar o princípio federativo e o da separação de poderes, previstos nos arts. 5º e 47, II, XIV e XIX, a, da Constituição do Estado, aplicáveis aos Municípios por força do art. 144 da Carta Paulista, os quais dispõem o seguinte:
“(...)
Art. 5º - São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o
Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
(...)
Art. 47 – Compete privativamente ao Governador, além de outras atribuições
previstas nesta Constituição:
(...)
II – exercer, com o auxílio dos Secretários de Estado, a direção superior
da administração estadual;
(...)
XIV – praticar os demais atos de administração, nos limites da
competência do Executivo;
(...)
XIX - dispor, mediante decreto, sobre:
a) organização e funcionamento da administração estadual, quando não
implicar em aumento de despesa, nem criação ou extinção de órgãos públicos;
(...)
Art. 144 – Os Municípios, com autonomia, política, legislativa, administrativa
e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios
estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.”
A matéria disciplinada pela lei impugnada
encontra-se no âmbito da atividade administrativa do município, cuja organização,
funcionamento e direção superior cabe ao Prefeito Municipal, com auxílio dos
Secretários Municipais.
A previsão de matéria não obrigatória a ser incluída no projeto de atividades extracurriculares das Escolas Públicas Municipais é matéria exclusivamente relacionada à Administração Pública, a cargo do Chefe do Executivo, porque disciplina aspectos relativos a prestação dos serviços de educação municipal.
Trata-se de atividade
nitidamente administrativa, representativa de atos de gestão, de escolha
política para a satisfação das necessidades essenciais coletivas, vinculadas
aos direitos fundamentais. Assim, privativa do Poder Executivo e inserida na esfera do poder discricionário da administração.
Não se trata, evidentemente, de
atividade sujeita a disciplina legislativa. Logo, o Poder Legislativo não pode
através de lei ocupar-se da administração, sob pena de se permitir que o
legislador administre invadindo área privativa do Poder Executivo.
Quando o Poder Legislativo do Município edita lei disciplinando atuação administrativa, como ocorre, no caso em exame, em função da inclusão de matéria em projeto de atividades extracurriculares das escolas públicas municipais, indevidamente, esfera que é própria da atividade do administrador público, violando o princípio da separação de poderes.
Cabe essencialmente à Administração Pública, e não ao legislador, deliberar a respeito da conveniência e da oportunidade da inclusão da matéria “sensível aos 3 R’s” nas atividades extracurriculares do ensino municipal. Embora relevante a proposição, trata-se de atuação administrativa que é fundada em escolha política de gestão, na qual é vedada intromissão de qualquer outro poder.
A inconstitucionalidade,
portanto, decorre da violação da regra da separação de poderes, prevista na
Constituição Paulista e aplicável aos Municípios (arts. 5º, 47, II, XIV e XIX, a e 144).
É
pacífico na doutrina, bem como na jurisprudência, que ao Poder Executivo cabe
primordialmente a função de administrar, que se revela em atos de planejamento,
organização, direção e execução de atividades inerentes ao Poder Público. De
outro lado, ao Poder Legislativo, de forma primacial, cabe a função de editar
leis, ou seja, atos normativos revestidos de generalidade e abstração.
Cumpre
recordar aqui o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que “a Prefeitura não pode legislar, como a
Câmara não pode administrar. (...) O Legislativo edita normas; o Executivo
pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que residem a
harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional (art.2º)
extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara,
realizada com usurpação de funções é nula e inoperante”.
Sintetiza,
ademais, que “todo ato do Prefeito que
infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que
invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por
ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF,
art. 2º c/c o art. 31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito municipal brasileiro, 15. ed.,
atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo,
Malheiros, 2006, p. 708 e 712).
Deste
modo, quando a pretexto de legislar, o Poder Legislativo administra, editando
leis que equivalem na prática a verdadeiros atos de administração, viola a
harmonia e independência que devem existir entre os poderes estatais.
A
matéria tratada na lei encontra-se na órbita da chamada reserva da administração, que reúne as competências próprias de
administração e gestão, imunes a interferência de outro poder (art. 47, II e IX
da Constituição Estadual - aplicável na órbita municipal por obra de seu art.
144), pois privativas do Chefe do Poder Executivo.
Ainda
que se imagine que houvesse necessidade de disciplinar por lei alguma matéria
típica de gestão municipal, a iniciativa seria privativa do Chefe do Poder
Executivo, mesmo quando ele não possa discipliná-la por decreto nos termos do
art. 47, XIX, da Constituição Estadual.
Assim,
a Lei, ao regulamentar, ainda que parcialmente um serviço público, de um lado,
viola o art. 47, II e XIV, no estabelecimento de regras que respeitam à direção
da administração e à organização e ao funcionamento do Poder Executivo, matéria
essa que é da alçada da reserva da Administração, e de outro, ela ofende o art.
24, § 2º, 2, na medida em que impõe atribuição ao Poder Executivo.
Criar programas e disciplinar serviços públicos –
precisamente o que se verifica na hipótese em exame - é matéria exclusivamente relacionada à Administração Pública, a cargo do
Chefe do Executivo.
De outro lado, e não menos importante, a lei impugnada criará, evidentemente, novas despesas por parte da Municipalidade, sem que tenha havido a indicação das fontes específicas de receita para tanto e a inclusão do programa na lei orçamentária anual.
A norma combatida, ao impor ao Município inclusão de nova matéria nas atividades extracurriculares do ensino municipal, não indicou especificamente os recursos orçamentários necessários para a cobertura dos gastos advindos que, no caso, são evidentes porquanto ordenam atividades novas na Administração Pública, cuja instalação e desenvolvimento demandam meios financeiros que não foram previstos, não servindo a tanto a genérica menção a dotações orçamentárias próprias de determinada secretaria.
Isso implica contrariedade ao disposto no art. 25 e 176, I, da Constituição do Estado de São Paulo.
Diante do exposto, aguarda-se seja o pedido julgado procedente para declarar a inconstitucionalidade da Lei nº 11.272, de 26 de novembro de 2012, do Município de São José do Rio Preto.
São Paulo, 12 de maio de 2014.
Nilo Spinola Salgado Filho
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
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