Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

 

Processo nº 0193187-22.2013.8.26.0000

Requerente: Prefeito do Município de São José do Rio Preto

Requerido: Presidente da Câmara Municipal de São José do Rio Preto

 

 

 

Ementa:

1) Lei n. 11.377, de 27 de setembro de 2013, do Município de São José do Rio Preto, que “Torna obrigatório que as Agências Bancárias do município acomodem todos os seus clientes dentro do estabelecimento bancário”.

2) Preliminarmente. Na ação direta de inconstitucionalidade, o legitimado ativo é o Prefeito do Município (art. 90, II, CE) e considerando a envergadura política dessa legitimidade ativa ad causam, englobante da capacidade postulatória, é razoável assentar que, embora dispensável a representação por causídico, sua existência, todavia, importa a necessidade de, no mínimo, subscrição conjunta da petição inicial e consequente inadmissibilidade da forma isolada, tão somente pelo procurador, sem poderes especiais.

3) Mérito. Constitucionalidade da lei. Ausência de reserva de iniciativa e de quebra da separação de poderes, ou de criação de despesa para o Poder Público Municipal sem indicação de receitas.

4) Assunto de interesse local (art. 30, I, da CR/88). Norma voltada à proteção do consumidor e à melhoria da qualidade no atendimento. Precedentes do E. STF.

5) Parecer no sentido da improcedência da ação direta, com prequestionamento.

 

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Prefeito do Município de São José do Rio Preto, tendo como alvo a Lei nº 11.377, de 27 de setembro de 2013, que “Torna obrigatório que as Agências Bancárias do município acomodem todos os seus clientes dentro do estabelecimento bancário”.

Sustenta o autor que a lei impugnada é inconstitucional por violar os arts. 5º, 25 e 144, todos da Constituição do Estado de São Paulo e o art. 41 da Lei Orgânica do Município.

O pedido de suspensão liminar da vigência do ato normativo foi deferido (fls. 25/26).

O Procurador-Geral do Estado declinou da defesa da lei impugnada, assinalando que a matéria tem repercussão exclusivamente local (fls. 35/36).

O Presidente da Câmara Municipal prestou informações da legislação impugnada (fls. 39/42).

É a síntese do necessário.

Preliminarmente, observo que a petição inicial é subscrita apenas por douto advogado público (fl. 09), desacompanhada de instrumento de mandato.

A legitimidade ativa pertence ao Prefeito do Município (art. 90, II, Constituição Estadual), bem como a capacidade postulatória, como decidido pelo Supremo Tribunal Federal:

“O Governador do Estado de Pernambuco ajuíza ação direta de inconstitucionalidade, na qual alega que a decisão 123/98 do Tribunal de Contas da União, ao exigir autorização prévia e individual do Senado Federal para as operações de crédito entre os Estados e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES, teria afrontado as disposições dos artigos 1º e 52, incisos V e VII, da Constituição Federal.

 2. Entende possuir legitimidade para a ação, em face dos reflexos do ato impugnado sobre o Estado.

3. É a síntese do necessário.

4. Decido.

5. Verifico que a ação, embora aparentemente proposta pelo Chefe do Poder Executivo estadual, está apenas assinada pelo Procurador-Geral do Estado. De plano, resulta claro que o signatário da inicial atuou na estrita condição de representante legal do ente federado (CPC, artigo 12, I), e não do Governador, pessoas que não se confundem.

6. A medida constitucional utilizada revela instituto de natureza excepcional, em que se pede ao Supremo Tribunal Federal que examine a lei ou ato normativo federal ou estadual, em tese, para que se proceda ao controle normativo abstrato do ato impugnado em face da Constituição.

7. Com efeito, cuida ela de processo objetivo sujeito à disciplina processual própria, traçada pela Carta Federal e pela legislação específica - Lei 9.896/99. Inaplicáveis, assim, as regras instrumentais destinadas aos procedimentos de natureza subjetiva.

8. O Governador de Estado é detentor de capacidade postulatória intuitu personae para propor ação direta, segundo a definição prevista no artigo 103 da Constituição Federal. A legitimação é, assim, destinada exclusivamente à pessoa do Chefe do Poder Executivo estadual, e não ao Estado enquanto pessoa jurídica de direito público interno, que sequer pode intervir em feitos da espécie (ADI(AgRg)1.797-PE, DJ de 23.2.01; ADI (AgRg) 2.130-SC, Celso de Mello, j. de 3.10.01, Informativo 244; ADI (EMBS.) 1.105-DF, Maurício Corrêa, j. de 23.8.01).

9. Por essa razão, inclusive, reconhece-se à referida autoridade, independentemente de sua formação, aptidão processual plena ordinariamente destinada apenas aos advogados (ADIMC 127-AL, Celso de Mello, DJ 04.12.92), constituindo-se verdadeira hipótese excepcional de jus postulandi.

 10. No caso concreto, em que pese a invocação do nome do Governador como sendo autor da ação (fl.2), a alegada representação pelo signatário não restou demonstrada. Indiscutível, é que a medida foi efetivamente ajuizada pelo Estado, na pessoa de seu Procurador-Geral, que nesta condição assinou a peça inicial.

 11. Ante essas circunstâncias, com fundamento no artigo 21, § 1º do RISTF, bem como nos artigos 3º, parágrafo único e 4º da Lei 9.868/99, não conheço da ação” (STF, ADI 1814-DF, Rel. Min. Maurício Corrêa, 13-11-2001, DJ 12-12-2001, p. 40).

Consoante explica a doutrina, “os legitimados para a ação direta referidos nos itens I a VII do art. 103 da CF dispõem de capacidade postulatória plena, podendo atuar no âmbito da ação direta sem o concurso de advogado” (Ives Gandra da Silva Martins e Gilmar Ferreira Mendes. Controle concentrado de constitucionalidade, São Paulo: Saraiva, 2007, 2ª ed., p. 246).

Logo, considerando a envergadura política dessa legitimidade ativa ad causam, englobante da capacidade postulatória, é razoável assentar que, embora dispensável a representação por causídico, sua existência, todavia, importa a necessidade de, no mínimo, subscrição conjunta da petição inicial e consequente inadmissibilidade da forma isolada, tão somente pelo procurador.

Ademais, há decisão registrando que:

“É de exigir-se, em ação direta de inconstitucionalidade, a apresentação, pelo proponente, de instrumento de procuração ao advogado subscritor da inicial, com poderes específicos para atacar a norma impugnada” (STF, ADI-QO 2187-BA, Tribunal Pleno, Rel. Min. Octavio Gallotti, 24-05-2000, m.v., DJ 12-12-2003, p. 62).

Esse entendimento foi direcionado também para os integrantes da advocacia pública.

Assim sendo, opino, preliminarmente, pela intimação do autor para regularização e subscrição da petição inicial, no prazo legal, sob pena de indeferimento, aviando, desde já, nas hipóteses de inércia ou recusa, a extinção sem resolução do mérito, conforme já decidido por este colendo Órgão Especial (ADI 0030396-43.2012.8.26.0000, Rel. Des. Guerrieri Rezende, v.u., 17-10-2012).

No mérito, improcede a presente ação.

A Lei n. 11.377, de 27 de setembro de 2013, do Município de São José do Rio Preto, apresenta a seguinte redação:

“Art. 1º - As agências bancárias do Município deverão acomodar todos seus clientes dentro do seu estabelecimento bancário.

Art. 2º - Em horário de funcionamento será sempre permitido a entrada do cliente, não podendo alegar que a agência bancária já se encontra com lotação máxima.

Art. 3º - Se houver descumprimento desta Lei, será aplicada a multa correspondente a 10 (dez) UFMs (Unidade Fiscal do Município)”.

Inicialmente insta observar que a ação só merece conhecimento no tocante ao contraste da lei local com preceitos da Constituição Estadual (ou da Constituição Federal reproduzidos naquela), nos termos do art. 125, § 2º, da Constituição Federal, alijando da sindicância eventual incompatibilidade com normas infraconstitucionais ou com a lei orgânica municipal.

Ao depois, como se pode observar a lei em análise determina que as agências bancários do município acomodem todos seus clientes dentro dos estabelecimentos bancários.

De ver-se, que a lei não tratou de nenhuma matéria cuja iniciativa legislativa seja reservada ao Chefe do Poder Executivo, e tampouco houve violação ao princípio da separação de poderes por invasão da esfera da gestão administrativa.

A matéria sujeita à iniciativa reservada do chefe do Poder Executivo, por ser direito estrito, deve ser interpretada restritivamente. Nesse sentido é o entendimento pacífico do Colendo STF, ao interpretar o art. 61, § 1º, da CR/88, como se infere dos precedentes a seguir:

“As hipóteses de limitação da iniciativa parlamentar estão previstas, em numerus clausus, no art. 61 da Constituição do Brasil – matérias relativas ao funcionamento da administração pública, notadamente no que se refere a servidores e órgãos do Poder Executivo. Precedentes. (ADI 3.394, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 2-4-2007, Plenário, DJE de 15-8-2008).

(...) iniciativa reservada, por constituir matéria de direito estrito, não se presume e nem comporta interpretação ampliativa, na medida em que, por implicar limitação ao poder de instauração do processo legislativo, deve necessariamente derivar de norma constitucional explícita e inequívoca. (...)” (ADI 724-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 7-5-1992, Plenário, DJ de 27-4-2001).

No mesmo sentido os seguintes julgados: ADI nº 3.205, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 19-10-2006, Plenário, DJ de 17-11-2006; RE nº 328.896, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 9-10-2009, DJE de 5-11-2009; ADI nº 2.392-MC, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 28-3-2001, Plenário, DJ de 1º-8-2003; ADI nº 2.474, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 19-3-2003, Plenário, DJ de 25-4-2003; ADI nº 2.638, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 15-2-2006, Plenário, DJ de 9-6-2006.

As matérias em que há iniciativa legislativa reservada ao Chefe do Poder Executivo, em conformidade com a Constituição do Estado de São Paulo, são indicadas taxativamente: (a) criação e extinção de cargos e funções na administração direta ou indireta autárquica, bem como a fixação da respectiva remuneração; (b) criação de órgãos públicos; (c) organização da Procuradoria-Geral do Estado e da Defensoria Pública; (d) servidores públicos e seu regime jurídico; (e) regime jurídico dos servidores militares; (e) criação, alteração e supressão de cartórios.

Isso decorre do art. 24, § 2º, ns. 1, 2, 3, 4, 5, 6, da Constituição do Estado, aplicáveis aos Municípios por força do art. 144 da própria Carta Estadual (configurando reprodução das diretrizes contidas no art. 61, § 1º, da CR/88).

E basta uma simples leitura da lei impugnada para ver claramente que ela não trata de nenhum desses assuntos.

Não há, no caso, qualquer vestígio, nem mesmo tênue, de desrespeito ao princípio da separação de poderes, estabelecido no art. 5º da Constituição do Estado (que reproduz o art. 2º da CR/88).

Seria possível afirmar a ocorrência de quebra da separação de poderes caso a lei interferisse diretamente na gestão administrativa.

Mas não é isso o que ocorre na hipótese em exame.

Há interferência direta do legislador na atividade do administrador, como tem reiteradamente reconhecido esse Colendo Órgão Especial do Tribunal de Justiça, em casos de leis de iniciativa parlamentar que, por exemplo: (a) criam programas de governo a serem seguidos pelo Poder Executivo; (b) impõem ou vedam a prática de atos administrativos (contratos, permissões, concessões, autorizações, etc.); (c) concedem nomes a prédios públicos, praças ou vias públicas; (d) impõem a inserção de informações em comunicados enviados aos munícipes relativos ao lançamento de impostos; (e) criam sistemas de controle orçamentário, com imposição de envio periódico de informações do Executivo ao Legislativo, sem que haja correspondência com o modelo previsto na Constituição da República e aplicável por força do princípio constitucional da simetria; entre outros.

Em síntese: é possível identificar a ocorrência da quebra do princípio da separação de poderes quando da lei resulta interferência direta por parte do legislador na atividade do administrador.

Não é o que se constata no caso em exame.

A lei questionada impôs obrigação às agências bancárias instaladas na Comuna, e não ao Município.

Se, para cumpri-la, será ou não necessária a criação de novos cargos de fiscalização, ou mesmo de atividade suplementar de servidores, e se isso provocará ou não maiores gastos por parte do Poder Público, é algo que dependerá essencialmente da opção político-administrativa, calcada na esfera da conveniência e oportunidade administrativa, a cargo do chefe do Poder Executivo Municipal. E essa avaliação e decisão ocorrerão no âmbito administrativo, e não diretamente da lei impugnada.

Nada assegura que, para a realização da fiscalização quanto ao cumprimento da lei impugnada, será mesmo imprescindível à criação de cargos, órgãos públicos, ou mesmo a realização de despesas complementares cuja fonte de receita não foi prevista.

Daí que o ato normativo não cria diretamente cargos, órgãos ou encargos para a Administração Pública, nem regula diretamente a prestação de serviços pelo Poder Público, e tampouco gera diretamente qualquer despesa para a Administração.

Entendimento diverso implicaria contrariedade à correta compreensão a respeito do princípio da separação de poderes, previsto no art. 2º da CR/88, bem como às hipóteses de iniciativa legislativa reservada ao Chefe do Executivo, previstas no art. 61, § 1º, da CR/88, sendo necessário que esse Colendo Tribunal se manifeste a respeito, inclusive para fins de prequestionamento.

De outro lado, também não será o caso de declarar-se a inconstitucionalidade da lei por suposta violação ao art. 25 da Constituição do Estado, que veda a criação ou aumento de despesa sem indicação, no projeto de lei, da respectiva fonte de receitas.

A razão é simples.

As exigências previstas na lei em exame, dizem respeito aos estabelecimentos bancários do Município, e não ao Poder Público local. São aqueles, e não este, que terão despesas – mínimas, é viável afirmar de passagem – com o cumprimento de tal providência imposta pela lei.

Declarar a inconstitucionalidade da lei com amparo no art. 25 da Constituição do Estado significaria contrariar a própria função essencial do Poder Legislativo, consistente na edição de leis.

Com isso, estar-se-ia negando vigência ao art. 48, caput, da CR/88, que fixa as atribuições do Congresso (aplicável por analogia às Câmaras) bem como ao art. 30, I, da CR/88, que confere ao Município competência para legislar sobre assuntos de interesse local. Será necessário que esse Colendo Tribunal se manifeste a respeito, inclusive para fins de prequestionamento.

E, com a devida vênia, há ainda outras considerações a fazer.

Como é cediço, nosso ordenamento constitucional adotou o regime da repartição constitucional de competências, por meio do qual à União são reservados assuntos de interesse geral, aos Estados os temas de interesse regional e aos Municípios os de interesse local.

A interpretação das regras constitucionais nessa matéria deve levar em consideração qual o interesse prevalente, na medida em que toda e qualquer disciplina legislativa sempre traz algum aspecto que é relevante para mais de uma esfera da Federação.

A chave da solução dos problemas concretos está, assim, na identificação do interesse predominante.

A propósito, confira-se, na doutrina: José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, 28. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 477 e ss; Fernanda Dias Menezes de Almeida, Competências na Constituição de 1988, 4. ed., São Paulo, Atlas, 2007, passim; Alexandre de Moraes, Direito Constitucional, 19. ed., São Paulo, Atlas, 2006, p. 270 e ss; entre outros.

Embora caiba à União editar leis complementares dispondo sobre o sistema financeiro nacional, bem como sobre instituições financeiras e suas operações (art. 48, XIII, art. 192, da CF, com a redação dada pela EC nº 40/03), isso não inibe a competência dos Municípios para, mesmo em se tratando de serviços prestados por instituições financeiras, editar normas de interesse local, relacionadas à proteção do consumidor e à qualidade dos serviços prestados, bem como ao exercício do poder de polícia nos Municípios (art. 30, I, da CR/88).

A matéria é pacífica no âmbito do Colendo STF. Confira-se: RE nº 312.050, rel. Min. Celso de Mello, DJ 06.05.05; RE nº 208.383, rel. Min. Néri da Silveira, DJ de 07.06.99.

Oportuno ainda transcrever a seguinte ementa:

“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AGÊNCIAS BANCÁRIAS. TEMPO DE ATENDIMENTO AO PÚBLICO. COMPETÊNCIA. MUNICÍPIO. ART. 30, I, CB/88. FUNCIONAMENTO DO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. ARTS. 192 E 48, XIII, DA CB/88. 1. O Município, ao legislar sobre o tempo de atendimento ao público nas agências bancárias estabelecidas em seu território, exerce competência a ele atribuída pelo artigo 30, I, da CB/88. 2. A matéria não diz respeito ao funcionamento do Sistema Financeiro Nacional [arts. 192 e 48, XIII, da CB/88]. 3. Matéria de interesse local. Agravo regimental improvido.” (STF, RE-AgR 427463/RO, 1ª T., rel. Min. Eros Grau, j. 14/03/2006, DJ 19-05-2006, PP-00015).

 No julgado acima, ao emitir seu voto, o i. Min. Relator Eros Grau formulou as seguintes ponderações:

“Ao legislar sobre o tempo de atendimento ao público nas agências bancárias estabelecidas em seu território, o Município exerceu competência a ele atribuída pelo art. 30, inciso I, da Constituição do Brasil.

A matéria respeita a interesse local do Município, que não se confunde com a atinente às atividades-fim das instituições financeiras. Ademais, incluem-se no âmbito dos assuntos de interesse local os relativos à proteção do consumidor. Vale mesmo dizer: o Município está vinculado pelo dever de dispor, no plano local, sobre a matéria.

A lei municipal não dispôs sobre política de crédito, câmbio, seguros e transferência de valores – art. 22 inciso VII, da CB/88. Também não regulou a organização, o funcionamento e as atribuições de instituições financeiras. Limitou-se a impor regras tendentes a assegurar adequadas condições de atendimento ao público na prestação de serviços, por essas instituições, ao consumidor/cliente.

Não envolve transgressão da competência reservada ao Congresso Nacional pelo art.48, inciso XIII, da Constituição do Brasil, para dispor sobre matéria financeira e funcionamento de instituições financeiras. Também não diz respeito à estruturação do sistema financeiro nacional, matéria que, nos termos do disposto no art.192 da CB/88, há de ser regulada por lei complementar.

(...)

No mais, devo fazer breve alusão aos argumentos aportados às razões do agravo pelo parecer juntado aos autos, inicialmente observando que a exigência de lei complementar veiculada pelo art. 192 da Constituição abrange apenas o quanto respeite à regulamentação da estrutura do sistema. Isso é nítido como a luz solar passando através de um cristal bem polido.”

Há outros julgados, nesse mesmo sentido, tanto do Colendo STJ como do Colendo STF. Confira-se:

“(...)

3. Firmou-se a jurisprudência, tanto no STF (v.g.: AgReg no RExt 427.463, RExt 432.789, AgReg no RExt 367.192-PB), quanto do STJ (v.g.: REsp 747.382; REsp 467.451), no sentido de que é da competência dos Municípios (e, portanto, do Distrito Federal, no âmbito do seu território - CF, art. 32, § 1º) legislar sobre tempo de atendimento em prazo razoável do público usuário de instituições bancárias, já que se trata de assunto de interesse local (CF, art. 30, I). Assim, eventual antinomia ou incompatibilidade entre a lei municipal e a lei federal no trato da matéria determina a prevalência daquela em relação a essa, e não o contrário” (STJ, REsp 598.183-DF, 1ª Seção, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, 08-11-2006, v.u., DJ 27-11-2006, p. 236).

“CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA. AGÊNCIAS BANCÁRIAS. TEMPO DE ATENDIMENTO AO PÚBLICO. LEI MUNICIPAL. INTERESSE LOCAL. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. O Município tem competência para legislar sobre o tempo de atendimento ao público nas agências bancárias” (STF, AI-AgR 472.373-RS, 1ª Turma, Rel. Min. Carmen Lúcia, 13-12-2006, v.u., DJ 09-02-2007, p. 23).

Por identidade de razões, os precedentes do Colendo STF são aplicáveis ao caso em exame.

Acrescente-se que, em outros casos, o Colendo STF reconheceu diretamente a competência dos Municípios para legislar quando está em jogo o exercício do poder de polícia relativo ao estabelecimento de diretrizes de atendimento aos clientes de instituições financeiras, inclusive no aspecto relacionado à segurança.

Confira-se:

“RECURSO. Extraordinário. Inadmissibilidade. Competência legislativa. Município. Edificações. Bancos. Equipamentos de segurança. Portas eletrônicas. Agravo desprovido. Inteligência do art. 30, I, e 192, I, da CF. Precedentes. Os Municípios são competentes para legislar sobre questões que respeite a edificações ou construções realizadas no seu território, assim como sobre assuntos relacionados à exigência de equipamentos de segurança, em imóveis destinados a atendimento ao público” (STF, AI-AgR 491.420-SP, 1ª Turma, Rel. Min. Cezar Peluso, 21-02-2006, v.u., DJ 24-03-2006, p. 26, RTJ 203/409).

“ESTABELECIMENTOS BANCÁRIOS - COMPETÊNCIA DO MUNICÍPIO PARA, MEDIANTE LEI, OBRIGAR AS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS A INSTALAR, EM SUAS AGÊNCIAS, DISPOSITIVOS DE SEGURANÇA - INOCORRÊNCIA DE USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA LEGISLATIVA FEDERAL - ALEGAÇÃO TARDIA DE VIOLAÇÃO AO ART. 144, § 8º, DA CONSTITUIÇÃO - MATÉRIA QUE, POR SER ESTRANHA À PRESENTE CAUSA, NÃO FOI EXAMINADA NA DECISÃO OBJETO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO - INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO ‘JURA NOVIT CURIA’ - RECURSO IMPROVIDO. - O Município pode editar legislação própria, com fundamento na autonomia constitucional que lhe é inerente (CF, art. 30, I), com o objetivo de determinar, às instituições financeiras, que instalem, em suas agências, em favor dos usuários dos serviços bancários (clientes ou não), equipamentos destinados a proporcionar-lhes segurança (tais como portas eletrônicas e câmaras filmadoras) ou a propiciar-lhes conforto, mediante oferecimento de instalações sanitárias, ou fornecimento de cadeiras de espera, ou, ainda, colocação de bebedouros” (STF, AI-AgR 341.717-RS, 2ª Turma, Rel. Min. Celso de Mello, 31-05-2005, v.u., DJ 05-08-2005, p. 92).

Em suma, é irrelevante para o funcionamento da instituição e do próprio sistema financeiro (este sim objeto de lei federal) a previsão, em lei municipal, da exigência estabelecida pela legislação impugnada nos estabelecimentos bancários do Município, que dizem respeito à qualidade, segurança e melhor conforto do atendimento ao consumidor dos serviços bancários e ao poder de polícia do Município, exercido dentro do escopo de aprimorar as condições de prestação de serviços aos munícipes.

Esse aprimoramento das condições de atendimento da instituição financeira revela interesse local. Pode, portanto, ser objeto de lei municipal.

Entendimento diverso significará contrariedade aos dispositivos constitucionais mencionados acima (art. 30, I; art. 48 XIII; e art. 192, da CR/88, com redação dada pela EC nº 40/03), sendo necessário que esse E. Tribunal se manifeste a respeito, inclusive para fins de prequestionamento.

Diante do exposto, opino pela improcedência da presente ação direta de inconstitucionalidade.

São Paulo, 09 de dezembro de 2013.

 

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

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