Parecer
Processo n. 0194725-38.2013.8.26.0000
Requerente: Prefeito do Município de Luiz Antonio
Requerida: Câmara Municipal de Luiz Antonio
Constitucional. Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade. Emenda n. 01/13 que altera o art. 112 da Lei Orgânica do Município de Luiz Antonio. Ampliação do prazo de licença-maternidade. Iniciativa legislativa reservada ao Chefe do Poder Executivo. Regime jurídico dos servidores públicos. Ação procedente. Pertence exclusivamente ao Chefe do Poder Executivo a iniciativa legislativa sobre o regime jurídico dos servidores públicos, assunto que abrange o prazo de concessão da licença-maternidade (arts. 5º e 24, § 2º, 4, CE/89).
Eminente Relator,
Colendo Órgão Especial:
1. Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade
contestando a Emenda n. 01, de 09 de outubro de 2013, à Lei Orgânica do
Município de Luiz Antonio, que alterou seu art. 106 aumentando o prazo da
licença-maternidade de 120 (cento e vinte) para 180 (cento e oitenta) dias, sob alegação de violação ao art. 61, § 1º, II, b, da Constituição Federal, aos arts. 5º, 25, 47, II e XIV, e 144
da Constituição do Estado, e ao art. 71, XIV, da Lei Orgânica do Município (fls. 02/15).
2. Concedida liminar (fl. 99), a Câmara Municipal
manifestou-se pela constitucionalidade da norma (fls. 106/108), e a douta
Procuradoria-Geral do Estado declinou de sua intervenção (fls. 122/124).
3. É o
relatório.
4. O
contencioso de constitucionalidade de lei municipal tem como exclusivo
parâmetro a Constituição Estadual (art. 125, § 2º, Constituição Federal), sendo
vedado seu contraste com normas infraconstitucionais, como a Lei Orgânica do
Município. Já se decidiu que é “inviável
a análise de outra norma municipal para aferição da alegada
inconstitucionalidade da lei” (STF, AgR-RE 290.549-RJ, 1ª Turma, Rel. Min. Dias
Toffoli, 28-02-2012, m.v., DJe 29-03-2012).
5. É insubsistente a alegação de falta de receita própria (art. 25, Constituição Estadual) posto que sua ausência apenas compromete a eficácia da norma no exercício financeiro de sua vigência.
6. Com efeito, “inclina-se a jurisprudência no STF no sentido de que a inobservância por determinada lei das mencionadas restrições constitucionais não induz à sua inconstitucionalidade, impedindo apenas a sua execução no exercício financeiro respectivo” (STF, ADI 1.585-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 19-12-1997, v.u., DJ 03-04-1998, p. 01).
7. Tampouco há ofensa ao art. 47, II e XIV, da
Constituição Estadual. Remuneração de servidores públicos é matéria submetida à
reserva formal de lei (legalidade absoluta) nos termos dos arts. 37, X e 61, §
1º, II, a, da Constituição Federal,
premissa que se esparge a direitos e vantagens, não estando no âmbito da
reserva da Administração traduzida no art. 47, II e XIV, da Constituição
Estadual, que confere ao Chefe do Poder Executivo atribuições de governo sem
interferência do Poder Legislativo.
8. Embora
as normas constitucionais centrais sejam de observância obrigatória (RT
850/180; RTJ 193/832), é impossível invocar-se como parâmetro o art. 61, § 1º,
II, b, da Constituição da República,
por ser norma específica destinada exclusivamente à organização administrativa,
serviços públicos e matéria tributária e orçamentária dos Territórios. Neste
sentido, pronuncia o Supremo Tribunal Federal que:
“(...) a
reserva de lei de iniciativa do chefe do Executivo, prevista no art. 61, § 1º,
II, b,
da Constituição, somente se aplica aos Territórios federais (...)” (STF, ADI 2.447-MG,
Tribunal Pleno, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 04-03-2009, v.u., DJe 04-12-2009).
9. A
Emenda n. 01/13 à Lei Orgânica do Município de Luiz Antonio ampliou o prazo de
gozo da licença-maternidade dos servidores públicos municipais para 180 (cento
e oitenta) dias.
10. A norma instituída cuidou de assunto inerente ao regime
jurídico dos servidores públicos, cuja iniciativa legislativa é reservada
exclusivamente ao Chefe do Poder Executivo consoante disposto no art. 24, § 2º,
4, da Constituição Estadual – aplicável aos Municípios por obra de seu art. 144
– e que reflete o princípio da separação de poderes inscrito no art. 5º da
Constituição do Estado.
11. Com efeito, assim dispõe o art. 24, § 2º, 4, da
Constituição Estadual – que reproduz o art. 61, § 1º, II, c, da Constituição Federal:
“Art. 24 – A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou comissão da Assembleia Legislativa, ao Governador do Estado, ao Tribunal de Justiça, ao Procurador-Geral de Justiça e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição:
(...)
§ 2º - Compete, exclusivamente, ao Governador do Estado a iniciativa das leis que disponham sobre:
(...)
4 – servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria”.
12. Por regime jurídico
dos servidores públicos deve-se compreender o “conjunto de normas que disciplinam os diversos
aspectos das relações, estatutárias ou contratuais, mantidas pelo Estado com os
seus agentes” (STF, ADI-MC 766-RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello,
03-09-1992, v.u., RTJ 157/460).
13. Com
efeito, é assente no Supremo Tribunal Federal que a regra do art. 61, § 1º, II,
c, da Constituição Federal,
reproduzida no art. 24, § 2º, 4, da Constituição Estadual, é de observância obrigatória
para Estados e Municípios, por força do princípio da simetria, bem como que a
lei que dispõe sobre a situação funcional de servidores públicos, seus direitos
e vantagens, é da iniciativa legislativa reservada privativamente ao Chefe do
Poder Executivo. Neste sentido, já se decidiu que:
“(...) 5. Tratando-se de criação de funções, cargos e empregos públicos ou de regime jurídico de servidores públicos impõe-se a iniciativa exclusiva do Chefe do Poder Executivo nos termos do art. 61, § 1º, II, da Constituição Federal, o que, evidentemente, não se dá com a Lei Orgânica” (RTJ 205/1041).
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 54, VI DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO PIAUÍ. VEDAÇÃO DA FIXAÇÃO DE LIMITE MÁXIMO DE IDADE PARA PRESTAÇÃO DE CONCURSO PÚBLICO. OFENSA AOS ARTIGOS 37, I E 61, § 1º, II, C E F, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Dentre as regras básicas do processo legislativo federal, de observância compulsória pelos Estados, por sua implicação com o princípio fundamental da separação e independência dos Poderes, encontram-se as previstas nas alíneas a e c do art. 61, § 1º, II da CF, que determinam a iniciativa reservada do Chefe do Poder Executivo na elaboração de leis que disponham sobre o regime jurídico e o provimento de cargos dos servidores públicos civis e militares. Precedentes: ADI 774, rel. Min. Sepúlveda Pertence, D.J. 26.02.99, ADI 2.115, rel. Min. Ilmar Galvão e ADI 700, rel. Min. Maurício Corrêa (...)” (RTJ 203/89).
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI COMPLEMENTAR N. 792, DO ESTADO DE SÃO PAULO. ATO NORMATIVO QUE ALTERA PRECEITO DO ESTATUTO DOS SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS ESTADUAIS. OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS NO PROCESSO LEGISLATIVO ESTADUAL. PROJETO DE LEI VETADO PELO GOVERNADOR. DERRUBADA DE VETO. USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA EXCLUSIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. AFRONTA AO DISPOSTO NO ARTIGO 61, § 1º, II, C, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. A Constituição do Brasil, ao conferir aos Estados-membros a capacidade de auto-organização e de autogoverno [artigo 25, caput], impõe a observância obrigatória de vários princípios, entre os quais o pertinente ao processo legislativo, de modo que o legislador estadual não pode validamente dispor sobre as matérias reservadas à iniciativa privativa do Chefe do Executivo. Precedentes. 2. O ato impugnado versa sobre matéria concernente a servidores públicos estaduais, modifica o Estatuto dos Servidores e fixa prazo máximo para a concessão de adicional por tempo de serviço. 3. A proposição legislativa converteu-se em lei não obstante o veto aposto pelo Governador. O acréscimo legislativo consubstancia alteração no regime jurídico dos servidores estaduais. 4. Vício formal insanável, eis que configurada manifesta usurpação da competência exclusiva do Chefe do Poder Executivo [artigo 61, § 1º, inciso II, alínea ‘c’, da Constituição do Brasil]. Precedentes. 5. Ação direta julgada procedente para declarar inconstitucional a Lei Complementar n. 792, do Estado de São Paulo” (STF, ADI 3.167-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Eros Grau, 18-06-2007, v.u., DJe 06-09-2007).
“PROJETO - INICIATIVA - SERVIDOR PÚBLICO - DIREITOS E OBRIGAÇÕES. A iniciativa é do Poder Executivo, conforme dispõe a alínea ‘c’ do inciso II do § 1º do artigo 61 da Constituição Federal. PROJETO - COMPETÊNCIA PRIVATIVA DO EXECUTIVO - SERVIDOR DO ESTADO - EMENDA - AUMENTO DE DESPESA. Resultando da emenda apresentada e aprovada aumento de despesa, tem-se a inconstitucionalidade, consoante a regra do inciso I do artigo 63 da Constituição Federal. PROJETO - COMPETÊNCIA PRIVATIVA DO EXECUTIVO - EMENDA - POSSIBILIDADE. Se de um lado é possível haver emenda em projeto de iniciativa do Executivo, indispensável é que não se altere, na essência, o que proposto, devendo o ato emanado da Casa Legislativa guardar pertinência com o objetivo visado. PROJETO - COMPETÊNCIA DO EXECUTIVO - EMENDA - PRESERVAÇÃO DE DIREITO ADQUIRIDO. Emenda a projeto do Executivo que importe na ressalva de direito já adquirido segundo a legislação modificada não infringe o texto da Constituição Federal assegurador da iniciativa exclusiva. LICENÇA-PRÊMIO - TRANSFORMAÇÃO DA OBRIGAÇÃO DE FAZER EM OBRIGAÇÃO DE DAR - ALTERAÇÃO NORMATIVA - VEDAÇÃO - OBSERVÂNCIA. Afigura-se constitucional diploma que, a um só tempo, veda a transformação da licença-prêmio em pecúnia e assegura a situação jurídica daqueles que já tenham atendido ao fator temporal, havendo sido integrado no patrimônio o direito adquirido ao benefício de acordo com as normas alteradas pela nova regência” (RTJ 194/848).
“Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Complementar nº 109, de 08 de abril de 1994, do Estado de Rondônia. (...) - No mérito, já se firmou o entendimento desta Corte no sentido de que, também em face da atual Constituição, as normas básicas da Carta Magna Federal sobre processo legislativo, como as referentes às hipóteses de iniciativa reservada, devem ser observadas pelos Estados-membros. Assim, não partindo a lei estadual ora atacada da iniciativa do Governador, e dizendo ela respeito a regime jurídico dos servidores públicos civis, foi ofendido o artigo 61, § 1º, II, ‘c’, da Carta Magna. Ação direta que se julga procedente, para declarar-se a inconstitucionalidade da Lei Complementar nº 109, de 08 de abril de 1994, do Estado de Rondônia” (STF, ADI 1.201-RO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Moreira Alves, 14-11-2002, v.u., DJ 19-12-2002, p. 69).
14. O colendo Órgão Especial do egrégio Tribunal de Justiça
do Estado de São Paulo perfilha esse entendimento e vem pronunciando a
inconstitucionalidade de normas semelhantes:
“AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE - Município de Águas de São Pedro - Lei Municipal n°
1.608, de 28 de outubro de 2011, que ‘Autoriza a ampliação da licença
maternidade às Servidoras Públicas Municipais de Águas de São Pedro e dá
providências’ - Iniciativa parlamentar - Lei concernente ao regime público dos
servidores municipais - Iniciativa privativa do Chefe do Executivo - Violação
da regra da separação de poderes - Violação dos artigos 5; 24, § 2º, item 4;
25; 47, II e XIV e 144 da Constituição do Estado de São Paulo - Precedentes -
Inconstitucionalidade reconhecida - Ação procedente” (ADI 0049652-69.2012.8.26.0000,
Rel. Des. De Santi Ribeiro, v.u., 29-08-2012).
“AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE. Lei Complementar n° 63/2010, de 1º de outubro de 2010,
que modificou o artigo 79 da Lei Complementar nº 020/2002, de 25 de abril de
2002, passando tal dispositivo a vigorar com a redação segundo a qual o período
de afastamento por licença maternidade para a servidora gestante passa a ser de
cento e oitenta dias. Matéria afeta ao regime jurídico de servidor público,
cuja iniciativa é reservada ao Executivo - Vício de iniciativa configurado -
Criação, ademais, de despesas sem previsão de recursos - Inadmissibilidade -
Ofensa ao princípio constitucional da separação e independência de poderes.
Violação dos artigos 5º, 24, § 2°, 25, e 144, todos da Carta Política Estadual.
Ação julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade da lei impugnada”
(ADI 0530574-03.2010.8.26.0000, Rel. Des. Mário Devienne Ferraz, v.u.,
03-08-2011).
“ADI- Lei nº
4.197, de 21 de setembro de 2009, do Município de Itatiba, que dispõe sobre a
concessão de licença maternidade à empregada pública municipal, pelo prazo de
180 dias. Inconstitucionalidade formal consistente no vício de iniciativa -
Invasão de competência do Poder Executivo - Violação do princípio
constitucional da independência dos Poderes – Impossibilidade de criação de
novas despesas sem indicação específica da fonte de custeio - Inteligência dos
artigos 5º, 25, 47, II e 144 da Constituição Estadual - Ação direta de inconstitucionalidade
julgada procedente” (ADI 0223740-91.2009.8.26.0000, Rel. Des. Carlos de
Carvalho, v.u., 03-08-2011).
“ARGUIÇÃO DE
INCONSTITUCIONALIDADE. EMENDA À LEI ORGÂNICA DO MUNICÍPIO DE VOTORANTIM QUE
DISPÕE SOBRE A AMPLIAÇÃO DO PRAZO DA LICENÇA-MATERNIDADE DAS SERVIDORAS
PÚBLICAS LOCAIS. VICIO DE INICIATIVA. MATÉRIA DE INICIATIVA RESERVADA AO CHEFE
DO EXECUTIVO. OFENSA AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES. OFENSA AO ARTS. 24,
§ 2°, 4 DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL, C. C. O ART. 5° DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL. INCONSTITUICIONALIDADE
DECLARADA, DETERMINADO O PROSSEGUIMENTO DO JULGAMENTO” (Arguição de
Inconstitucionalidade 0531175-09.2010.8.26.0000, Rel. Des. Campos Mello, v.u.,
09-02-2011).
15. Opino pela procedência da ação para
declarar a incompatibilidade da Emenda n. 01/13 à Lei Orgânica do Município de
Luiz Antonio com os arts. 5º e 24, § 2º, 4, da Constituição do Estado de São
Paulo.
São
Paulo, 16 de dezembro de 2013.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
wpmj