Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

 

Processo n. 0194939-29.2013.8.26.0000

Requerente: Prefeito do Município de Teodoro Sampaio

Requerido: Câmara Municipal de Teodoro Sampaio

 

 

1.      Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n. 1.865, de 20 de março de 2013, de iniciativa parlamentar, que autorizou o Executivo Municipal a colocar obra de arte em cada prédio público e praças inaugurados no Município de Teodoro Sampaio.

2.      Descabimento do controle abstrato, concentrado e direto de constitucionalidade de lei municipal em face da Constituição Federal e de Lei Orgânica Municipal, posto que o único parâmetro admissível é a Constituição Estadual (art. 125, § 2º, CF/88).

3.      Inocorrência de criação ou aumento de despesa pública.

4.      Matéria tipicamente administrativa. Iniciativa parlamentar. Invasão da esfera da gestão administrativa, reservada ao Poder Executivo Municipal. Violação ao princípio da separação de poderes (art. 5º, art. 47, II e XIV, e art. 144 da Constituição do Estado).

5.      Parecer pela procedência da ação.

 

 

 

Colendo Órgão Especial:

 

 

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade impugnando a Lei n. 1.865, de 20 de março de 2013, de iniciativa parlamentar, que autorizou o Executivo Municipal a colocar obra de arte em cada prédio público e praças inaugurados no Município de Teodoro Sampaio.

Alega o autor que mencionada legislação implica aumento de despesas, ao autorizar a colocação de no mínimo uma obra de arte em lugar de destaque, externo ou interno, em todo prédio público e praças inaugurados; ao lado disso, também é invocada inconstitucionalidade por afronta ao princípio da harmonia e da independência dos poderes.

Indeferido o pedido liminar (fls. 98/99),  a Procuradoria-Geral do Estado declinou de atuar no presente processo, por se tratar de matéria de interesse exclusivamente local (fls. 108/109). A Câmara Municipal não prestou informações (fl. 110).

É o relatório.

Preliminarmente, compete registrar o descabimento do controle abstrato, concentrado e direto de constitucionalidade de Lei Orgânica Municipal, posto que o único parâmetro admissível é, conforme reza o § 2º do art. 125 da Constituição Federal, a Constituição Estadual.

No mérito, a ação é procedente.

O ato normativo ora impugnado viola o princípio da separação de poderes, previsto no art. 5º, e art. 47, II e XIV, da Constituição do Estado, aplicáveis aos Municípios por força do art. 144 da Carta Paulista.

A questão é objetiva.

A Lei Municipal n. 1.865, de 20 de março de 2013, que autorizou o Executivo Municipal a colocar obra de arte em cada prédio público e praças inaugurados no Município de Teodoro Sampaio, é de iniciativa parlamentar.

Em que pese a boa intenção que certamente animou o Vereador autor do projeto de lei que se converteu no diploma ora questionado, é certo que definir a colocação de obra de arte em prédio público é matéria a cargo do Poder Executivo, ou seja, da Administração Pública.

E mais: ainda que fosse o ato normativo oriundo de iniciativa do Chefe do Executivo seria inconstitucional.

A razão é simples: o Chefe do Executivo não necessita de autorização legislativa para fazer aquilo que está na esfera de sua competência constitucional. Se ele encaminha projeto de lei para tal escopo, isso configura hipótese de delegação inversa de poderes, vedada pelo art. 5º, § 1º, da Constituição Paulista.

         Em síntese, cabe nitidamente à Administração Pública, e não ao legislador, deliberar a respeito do tema.

A inconstitucionalidade, portanto, decorre da violação da regra da separação de poderes, prevista na Constituição Paulista e aplicável aos Municípios (art. 5º, art. 47, II e XIV, e art. 144).

É ponto pacífico na doutrina, bem como na jurisprudência, que ao Poder Executivo cabe primordialmente a função de administrar, que se revela em atos de planejamento, organização, direção e execução de atividades inerentes ao Poder Público.

De outra banda, ao Poder Legislativo, de forma primacial, cabe a função de editar leis, ou seja, atos normativos revestidos de generalidade e abstração.

O diploma impugnado, na prática, invadiu a esfera da gestão administrativa, que cabe ao Poder Executivo, e envolve o planejamento, a direção, a organização e a execução de atos de governo. Isso equivale à prática de ato de administração, de sorte a malferir a separação dos poderes.

Cumpre recordar aqui o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que “a Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar. (...) O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que residem a harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional (art.2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante”. Sintetiza, ademais, que “todo ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art. 2º c/c o art. 31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito municipal brasileiro, 15. ed., atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo, Malheiros, 2006, p. 708 e 712).

Deste modo, quando a pretexto de legislar, o Poder Legislativo administra, editando leis que equivalem na prática a verdadeiros atos de administração, viola a harmonia e independência que deve existir entre os poderes estatais.

Nem se chegaria a conclusão diversa a partir da afirmação de que a lei ora questionada é simples “lei autorizativa”, da qual não resta nenhuma imposição para o administrador público.

Em trabalho, publicado na Revista do Instituto de Pesquisas e Estudos da Instituição Toledo de Ensino (Bauru, n. 29, ago/nov. 2000, pp. 259-267), disponível também na internet (Endereço eletrônico: www.srbarros.com.br), sustenta o Professor Sérgio Resende de Barros:

“(...)

Em 17 de março de 1982 – ainda sob a Constituição (Emenda Constitucional nº 1/69) anterior à atual – o plenário do Supremo Tribunal Federal julgou representação (nº 993-9) por inconstitucionalidade de uma lei estadual (Lei nº 174, de 8/12/77, do Estado do Rio de Janeiro) que autorizava o Chefe do Poder Executivo a praticar ato que já era de sua competência constitucional privativa. Nesse julgamento, decidiu, textualmente: O só fato de ser autorizativa a lei não modifica o juízo de sua invalidade por falta de legítima iniciativa. Não obstante a clareza do acórdão (Diário da Justiça de 8/10/82, p. 10187, Ementário nº 1.270-1, RTJ 104/46), persistiu por toda a Federação brasileira, nos níveis estadual e municipal, a prática de "leis" autorizativas (...).

 Insistente na prática legislativa brasileira, a "lei" autorizativa constitui um expediente, usado por parlamentares, para granjear o crédito político pela realização de obras ou serviços em campos materiais nos quais não têm iniciativa das leis, em geral matérias administrativas. Mediante esse tipo de "leis" passam eles, de autores do projeto de lei, a co-autores da obra ou serviço autorizado. Os constituintes consideraram tais obras e serviços como estranhos aos legisladores e, por isso, os subtraíram da iniciativa parlamentar das leis. Para compensar essa perda, realmente exagerada, surgiu "lei" autorizativa, praticada cada vez mais exageradamente. Autorizativa é a "lei" que – por não poder determinar – limita-se a autorizar o Poder Executivo a executar atos que já lhe estão autorizados pela Constituição, pois estão dentro da competência constitucional desse Poder. O texto da "lei" começa por uma expressão que se tornou padrão: "Fica o Poder Executivo autorizado a...". O objeto da autorização – por já ser de competência constitucional do Executivo – não poderia ser "determinado", mas é apenas "autorizado" pelo Legislativo. Tais "leis", óbvio, são sempre de iniciativa parlamentar, pois jamais teria cabimento o Executivo se autorizar a si próprio, muito menos onde já o autoriza a própria Constituição. Elas constituem um vício patente.

 (...)

 Pelo que, se uma lei fixa o que é próprio da Constituição fixar, pretendendo determinar ou autorizar um Poder constituído no âmbito de sua competência constitucional, essa lei é inconstitucional. Não é só inócua ou rebarbativa. É inconstitucional, porque estatui o que só o Constituinte pode estatuir, ferindo a Constituição por ele estatuída. O fato de ser mera autorização não elide o efeito de dispor, ainda que de forma não determinativa, sobre matéria de iniciativa alheia aos parlamentares. Vale dizer, a natureza teleológica da lei – o fim: seja determinar, seja autorizar – não inibe o vício de iniciativa. A inocuidade da lei não lhe retira a inconstitucionalidade. A iniciativa da lei, mesmo sendo só para autorizar, invade competência constitucional privativa.

 (...)

A jurisprudência do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo corrobora o entendimento aqui sustentado.

Confiram-se, a título de exemplificação, os seguintes precedentes do Col. Órgão Especial: ADI. 0323870-55.2010.8.26.0000, Rel. Barreto Fonseca, j. 3.2.2011; ADI 150.400-0/6-00, Rel. Renato Nalini, j. 12.12.2007.

Alega também a autora que a legislação ora analisada ofende o parágrafo único do art. 47 da Lei Orgânica do Município de Teodoro Sampaio, o qual dispõe que “não será admitido aumento de despesa prevista nos projetos de iniciativa exclusiva do Prefeito Municipal, ressalvado o disposto no inciso IV, primeira parte”.

Imprestável argumentar que a legislação ora guerreada terá reflexos orçamentários e, por isso, a iniciativa legislativa seria reservada ao Chefe do Poder Executivo. A reserva de iniciativa legislativa contida no art. 24, § 2º, da Constituição Estadual, exige interpretação restritiva, e em nenhuma de suas hipóteses taxativamente previstas se inclui a matéria objeto da lei local impugnada. Por derradeiro segue a inexistência de ofensa ao art. 25 da Constituição Estadual porque não se cogita, na espécie, de criação ou expansão quantitativa de despesa pública.

Opino, destarte, pela procedência da ação.

 

                   São Paulo, 24 de fevereiro de 2014.

 

 

Nilo Spinola Salgado Filho

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

 

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