Parecer
Processo nº 0196970-22.2013.8.26.0000
Requerente: Prefeito do Município de Assis
Requerido: Presidente
da Câmara Municipal de Assis
Ementa
1. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 306, de 15 de outubro de 2013, de iniciativa parlamentar, que altera a redação dos arts. 1º e 2º da Lei nº 275, de 27 de setembro de 2004, proibindo contratação de parentes até 4º grau, nas linhas reta e colateral de agentes públicos que especifica para cargos de provimento em comissão ou em caráter temporário.
2.
Parâmetro exclusivo do controle de
constitucionalidade pela via abstrata, concentrada e direta de lei ou ato
normativo municipal é a Constituição Estadual (art. 125, § 2º, CF), razão pela
qual se afigura inidôneo o seu contraste com Súmula Vinculante do Supremo
Tribunal Federal.
3.
O Chefe do Poder Executivo tem iniciativa
legislativa reservada para a criação e extinção de cargos públicos (art. 24, §
2º, 1 e 4, CE; art. 61, § 1º, II, a e
c, CF). Não
se situa no domínio da reserva da Administração ou da discricionariedade
administrativa o estabelecimento de condições para o provimento de cargos
públicos.
4. Inexistência de inconstitucionalidade.
Colendo Órgão
Especial
Excelentíssimo
Senhor Desembargador Presidente
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de Assis, tendo por objeto a Lei nº 306, de 15 de outubro de 2013, de iniciativa parlamentar, que altera a redação dos arts. 1º e 2º da Lei nº 275, de 27 de setembro de 2004, proibindo contratação de parentes até 4º grau, nas linhas reta e colateral de agentes públicos que especifica para cargos de provimento em comissão ou em caráter temporário.
Sustenta o requerente, em síntese, que o ato normativo de iniciativa parlamentar é inconstitucional por vício de iniciativa e por invadir atribuições do Poder Executivo. Daí, afirmar violação dos arts. 5º e 24, § 2º, 1, da Constituição Estadual e da Súmula Vinculante 13 do Supremo Tribunal Federal .
Deixou-se para apreciação do pedido de liminar após informações (fls. 54/56). Em face do pedido de reconsideração (fls. 59/62), concedeu-se liminar apenas para a manutenção do status quo, com a permanência dos ocupantes dos cargos em comissão e contratados temporariamente que seriam atingidos pela eficácia do ato normativo. (fls. 64/66).
Notificado (fl. 88), o Presidente da Câmara Municipal prestou informações a fls. 72/79, defendendo a validade do ato normativo impugnado.
Citado regularmente (fl. 91), o Procurador Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 93/94).
Nestas condições vieram os autos para manifestação desta Procuradoria-Geral de Justiça.
Não procede o pedido.
A Lei nº 306, de 15 de outubro de 2013, de iniciativa parlamentar, promulgada pelo Presidente da Câmara Municipal, após escoamento do prazo para deliberação do Chefe do Executivo, tem a seguinte redação:
Inicialmente, oportuno
consignar que o parâmetro exclusivo do controle de constitucionalidade pela via
abstrata, concentrada e direta de lei ou ato normativo municipal é a
Constituição Estadual, consoante dispõe o art. 125, § 2º, da Constituição
Federal, razão pela qual se afigura inidôneo o seu contraste com Súmula
Vinculante do Supremo Tribunal Federal.
Não se verifica qualquer
violação aos parâmetros da Constituição Estadual indicados na inicial.
O art. 5º da Constituição Estadual cuida do princípio da separação dos poderes. O art. 24, § 2º, da Constituição Estadual, da CE trata de matérias de competência privativa do Governador do Estado, dentre as quais a criação e extinção de cargos, funções ou empregos públicos na Administração direta e autárquica, bem como a fixação da respectiva remuneração (inciso 1).
A imposição de restrições à nomeação
para cargos de provimento em comissão ou em caráter temporário, baseada em
parentesco na linha reta ou colateral até o 4º grau com o Prefeito, Vice-Prefeito,
Secretários Municipais, Vereadores e Diretores de Autarquias, Empresas Pública
e Fundações Públicas do Município, não se trata de ingerência do Poder
Legislativo na esfera de atribuição do Poder Executivo com consequente violação
ao princípio da separação dos poderes.
É irrelevante, na hipótese,
se no âmbito do Município de Assis tenha sido estabelecida norma mais
restritiva ao entendimento consolidado na jurisprudência, através da Súmula
Vinculante nº 13 do Supremo Tribunal Federal, para a configuração das hipóteses
de nepotismo.
O art. 37, I, da Constituição Federal, reproduzido no art. 115, I, da Constituição do Estado, estabelece que os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei.
O § 3º do art. 39 da Constituição
Federal prevê que: “Aplica-se aos
servidores ocupantes de cargo público o disposto no art. 7º, IV, VII, VIII, IX,
XII, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXII e XXX, podendo a lei estabelecer
requisitos diferenciados de admissão quando a natureza do cargo o exigir”.
Admite-se, portanto, que por
meio de lei sejam previstas contenções de acessibilidade ao serviço público.
Resta apenas verificar, a vista do
princípio da separação de poderes, se a iniciativa legislativa para o
estabelecimento de condições para provimento de cargos comissionados é
reservada ou não ao Chefe do Poder Executivo.
A primeira impressão, extraída do art. 24,
§ 2º, 1 e 4, da Constituição Estadual, que reproduz o art. 61, § 1º, II, a e c,
da Constituição Federal, tenderia a uma resposta positiva.
No entanto, a reserva de lei
à qual alude o inciso I do art. 115 da CE e o § 3º do art. 39 da CF não é
privativa do Poder Executivo, pois não se encontra inserida dentre as matérias
de competência privativa previstas nos arts. 24, § 2º, e 47 da Constituição
Estadual.
O estabelecimento de
restrições gerais ao acesso aos cargos, funções e empregos públicos não se
trata de privativa atividade administrativa (ou executiva), mas sim de função
de Estado, razão pela qual a iniciativa parlamentar neste sentido não viola o
princípio da separação de poderes.
Não se trata de atividade de
organização da Administração Pública, mas de condições de acesso ao serviço
público em geral, inclusive do Poder Legislativo.
A reserva legislativa do
Executivo, prevista no art. 24, § 2º, 1 e 4, da Constituição Estadual,
refere-se tão só à criação e à extinção de cargos, funções e empregos no
serviço público. Isso significa que a lei pode enunciar termos,
condições e especificações, no interior dos quais procederá o chefe do Poder Executivo.
Neste sentido o ensinamento de Celso Antonio Bandeira de Mello ao consignar que: “A extinção de cargos públicos dar-se-á através de atos da mesma natureza, podendo também, quando pertinentes ao Poder Executivo, ser extintos ‘na forma da lei’, pelo chefe deste Poder, conforme prevê o art.84, XXV, da Constituição. Isto significa que a lei pode enunciar termos, condições e especificações, no interior dos quais procederá o Chefe do Executivo”. (Curso de Direito Administrativo. 29ª ed. Rev. At., Malheiros, 2012, p. 309)
Foi este tratamento conferido na edição de
regras de combate ao nepotismo, afinal, a exigência de honorabilidade para o
provimento de cargos públicos é algo que se situa no raio de incidência do
princípio da moralidade administrativa (art. 37, Constituição Federal; art.
111, Constituição Estadual), base que une a legislação reacionária ao nepotismo
e de adoção da “ficha limpa” no provimento de cargos públicos comissionados.
O princípio da moralidade administrativa é
bastante para orientar a criação e a interpretação de norma restritiva,
lembrando-se que, com razão, Diógenes Gasparini não visualizou a proibição do nepotismo
nas matérias da reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo
(“Nepotismo político”, in Corrupção,
Ética e Moralidade Administrativa, Belo Horizonte: Editora Fórum, 2008, pp.
73-98).
E no julgamento da questão o Supremo
Tribunal Federal decidiu que:
“A norma insculpida no § 1º do artigo 61 da Carta Federal,
mais precisamente na alínea ‘a’ do inciso II, há que ter alcance perquirido sem
apego exacerbado à literalidade. É certo que são da iniciativa privativa do Presidente da República as leis que
disponham sobre criação de
cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica, ou
aumento de sua remuneração (...)
Evidentemente, está-se diante de preceitos jungidos à atividade normativa
ordinária, não alcançando o campo constitucional, porquanto envolvidos
aqui interesses do Estado de envergadura maior e, acima de tudo, da necessidade de se ter, no tocante a certas
matérias, trato abrangente a alcançar,
indistintamente, os três Poderes da República. Assim o é quanto ao tema em
discussão. Com a Emenda Constitucional nº 12 à Carta do Rio Grande do Sul,
rendeu-se homenagem aos princípios da legalidade, da impessoalidade, da
moralidade, da isonomia e do concurso público obrigatório, em sua acepção
maior. Enfim, atuou-se na preservação da própria res pública. A vedação de contratação de parentes para cargos comissionados - por sinal a abranger, na
espécie, apenas os cônjuges, companheiros e parentes consanguíneos, afins ou
por adoção até o segundo grau (pais, filhos e irmãos) - a fim de prestarem serviços justamente onde
o integrante familiar despontou e assumiu cargo de grande prestígio, mostra-se como procedimento inibidor da
prática de atos da maior
repercussão. Cuida-se, portanto, de
matéria que se revela merecedora de tratamento
jurídico único - artigo 39 da Carta de
1988, a abranger os três Poderes, o Executivo, o Judiciário e o Legislativo,
deixando-se de ter a admissão de servidores públicos conforme a
maior ou menor fidelidade do Poder aos princípios básicos decorrentes da
Constituição Federal” (STF, ADI 1.521-RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio,
12-03-1997, m.v., DJ 17-03-2000, p. 02, RTJ 173/424).
Esse posicionamento é perfilhado no
Supremo Tribunal Federal (STF, RE 183.952-RS, 2ª Turma, Rel. Min. Néri da
Silveira, 19-03-2002, v.u., DJ 24-05-2002, p. 69; STF, RE 372.911-SP, Rel. Min.
Gilmar Mendes, 03-04-2007, DJ 08-06-2007, p. 94) e neste egrégio Tribunal de
Justiça (TJSP, ADI 71.670-0/1-00, Órgão Especial, Rel. Des. Fortes Barbosa,
17-10-2001; TJSP, ADI 148.788-0/5-00, Órgão Especial, Rel. Des. Ivan Sartori,
v.u., 19-09-2007).
Há que se ponderar, nesta quadra, a
diferença entre requisitos para o provimento de cargos públicos - matéria
situada na iniciativa legislativa reservada ao Chefe do Poder Executivo (STF,
ADI 2.873-PI, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, 20-09-2007, m.v., DJe
09-11-2007, RTJ 203/89) - e condições para o provimento de cargos públicos - que não se insere
na aludida reserva, e está no domínio da iniciativa legislativa comum ou
concorrente entre Poder Legislativo e Poder Executivo – porque não se refere ao
acesso ao cargo público, mas, à aptidão para o seu exercício.
Não se pode cogitar de ofensa a direito
adquirido, haja vista a natureza precária dos cargos de provimento em comissão.
Como já julgado neste egrégio Tribunal de
Justiça em fundamentação integralmente apropriada à hipótese, “não terá sentido algum proibir o
administrador de praticar o nepotismo, a não ser se for também para impor
àquele a coibição da prática que estiver em curso, fazendo-o exonerar ou
demitir os parentes ou rescindir seus contratos de trabalho, o que, data vênia, não deixa de ser
disposição para o futuro, com força de extirpar qualquer sentido retroativo da
norma em exame” (TJSP, ADI 148.484-0/8-00, Órgão Especial, Rel. Des. Palma
Bisson, m.v., 02-04-2008).
A propósito da matéria esse Colendo Órgão
Especial já decidiu que:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Lei Municipal n°
3.441, de 30 de setembro de 2011, de Mirassol - Projeto de iniciativa de
Vereador – Diploma legislativo que dispõe sobre a nomeação para cargos em
comissão no âmbito dos órgãos do Poder Executivo, Poder Legislativo Municipal e
Autarquias de Mirassol e dá outras providências – Estabelecimento de restrições
à nomeação de pessoa para o exercício de função pública inerente ao cargo em
comissão - Restrições semelhantes à estabelecida pela "Lei da Ficha
Limpa" (LC n° 135/2010) - Moralidade administrativa que se revela como
princípio constitucional da mais alta envergadura - Exigência de honorabilidade
para o exercício da função pública que não se insere nas matérias de reserva de
iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo - Ausente o vício de
iniciativa - Exonerações de servidores contratados em descompasso com esta lei
que não consubstancia aplicação retroativa do diploma legal - Precedentes deste
Órgão Especial que cuidaram de situações análogas neste mesmo sentido Lei
Municipal reputada constitucional - Ação direta de inconstitucionalidade
julgada improcedente, revogada a liminar”. (ADIN nº 0301346-30.2011.8.26.000, Rel.
Des. De Santi Ribeiro, julgado em 30 de
maio de 2012)
Ação Direta de Inconstitucionalidade — Emenda n° 79/12, que
acrescentou, à Lei Orgânica Municipal, o artigo 107-A, que estabelece vedações
à nomeação de servidores para o exercício de funções comissionadas no âmbito da
Administração Pública Municipal - Vício de inconstitucionalidade formal -
Invasão à esfera de competência privativa do Chefe do Poder Executivo -
Inocorrência — Estabelecimento de critérios para o acesso aos cargos públicos
que não se enquadra em atividade privativa do Chefe do Executivo - Inexistência
de ofensa a Constituição Bandeirante - Precedentes do Colendo Órgão Especial e
do Supremo Tribunal Federal - Ação julgada improcedente. (ADIN nº 0131438-38.2012.8.26.0000, Rel. Des.
Castilho Barbosa, julgado em 27 de fevereiro de 2013)
Laborou na esfera de
competência própria do Poder Legislativo, atuando no círculo de atribuições
decorrente de sua autonomia emergente do art. 5º da Constituição Estadual, ao estabelecer
de forma geral e abstrata, para todas as funções de direção e chefia da Administração
direta e autárquica no âmbito municipal, que abrange inclusive as do Poder
Legislativo, condições para o seu provimento.
Não há violação ao princípio
da separação de poderes. Além disso, não se situa no domínio da reserva da
Administração ou da discricionariedade administrativa o estabelecimento de
condições para o provimento de cargos públicos.
Oportuno lembrar, ainda,
salutar admoestação do Marquês de São Vicente, mui apropriada ao caso:
“A arte e o tino do governo está em assinar aos homens que reunem o
talento à probidade o lugar que lhes compete, não só para que o auxiliem, como
para que não lhe criem embaraços e não procurem abrir carreira, forçando as
traves que lhe são opostas” (José Antonio Pimenta Bueno. Direito Público
Brasileiro e análise da Constituição do Império, Rio de Janeiro: Ministério da
Justiça e Negócios Interiores, 1958, pp. 379-433, RT 731/678).
A vedação de nomeação ou designação de pessoas que tenham laço de parentesco com agentes políticos ou ocupantes de cargos em comissão de direção superior para os cargos, empregos ou funções de direção e chefia da Administração direta encontra-se amparada pelos princípios da legalidade, impessoalidade e moralidade que norteiam a atuação da Administração pública.
Posto isso, o parecer é no sentido da improcedência da ação direta, declarando-se a constitucionalidade da Lei nº 306, de 15 de outubro de 2013, do Município de Assis.
São Paulo, 12 de dezembro de 2013.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
aca