Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo nº 0197890-93.2013.8.26.0000

Requerente: Prefeito do Município de Itapeva

Requerida: Câmara Municipal de Itapeva

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ementa: Constitucional. Administrativo. Financeiro. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n. 3.481, de 30 de novembro de 2012, do Município de Itapeva. Alteração do art. 34 da Lei n. 2.789/08. Jornada de trabalho docente. Limites de despesa com pessoal. Limites de despesa com pessoal e dotação de recursos suficientes. Carência da ação. 1. Descabido o controle abstrato de constitucionalidade por violação de norma infraconstitucional interposta (LRF), sem ocorrência de ofensa direta à Constituição. 2. A pesquisa da compatibilidade da lei ao limite de despesas de pessoal caracteriza questão de fato insuscetível de sindicância no contencioso de constitucionalidade. 3. A inobservância por determinada lei das mencionadas restrições constitucionais não induz à sua inconstitucionalidade, impedindo apenas a sua execução no exercício financeiro respectivo, como ordenado na cláusula de eficácia (vacatio legis) da própria lei impugnada, o que derrui a arguição de ausência de indicação de recursos. 4. Falta de interesse de agir. 5. Extinção do processo sem resolução do mérito.   

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Eminente Relator,

Colendo Órgão Especial:

 

 

 

 

 

 

1.                Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Prefeito Municipal de Itapeva em face da Lei n. 3.481, de 30 de novembro de 2012, do Município de Itapeva, que “altera a redação do art. 34 da Lei Municipal n. 2.789, de 15 de agosto de 2008, que dispõe sobre o Plano de Carreira, Vencimento e Salários, bem como o Estatuto do Magistério Público Municipal de Itapeva”, alegando sua incompatibilidade com os arts. 5º, 24, § 2º, 1 e 4, e § 5º, 25, 47, XI, e 169 da Constituição Estadual (fls. 02/11). Negada a liminar (fls. 38/39), foi regularizada a representação processual (fls. 52/53). O douto Procurador-Geral do Estado declinou de oferecer defesa relativamente ao ato normativo impugnado (fls. 55/57). A Câmara Municipal de Itapeva prestou informações (fls. 59/61).

2.                É o relatório.

3.                A Lei n. 3.481, de 30 de novembro de 2012, do Município de Itapeva, de iniciativa do Poder Executivo Municipal, tem a seguinte redação:

“Art. 1º - Fica alterada a redação do art. 34 da Lei Municipal n. 2.789, de 15 de agosto de 2008, passando os incisos I a VI a ter a seguinte redação, revogando-se as alíneas, renumerando-se o parágrafo único e acrescentando-se os §§ 2º e 3º.

Art. 34 (...)

I - 24 (vinte e quatro) horas para a Jornada Inicial de Trabalho Docente para os PEB II;

II - 30 (trinta) horas para a Jornada Básica de Trabalho Docente – PEB – I;

III - 13 (treze) horas para a Jornada Reduzida de Trabalho Docente para os PEB –II;

IV - 30 (trinta) horas para a Jornada Básica de Trabalho Docente para os PEB-II;

V - 36 (trinta e seis) horas para a Jornada Ampliada de Trabalho Docente para os PEB –II;

VI - 40 (quarenta) horas para a Jornada Básica de Trabalho dos Auxiliares de Desenvolvimento Infantil (ADI).

§ 1º - A hora de trabalho terá a duração de 60 minutos dos quais 55 são para ministrar aulas, 05 minutos para o trânsito pelas salas, ficando assegurado ainda ao docente no mínimo 15 (quinze) minutos de descanso por período letivo. (Parágrafo renumerado);

§ 2º - Nos termos do art. 2º, §4º, da Lei Federal 11. 738, de 16 de julho de 2008, a jornada de trabalho do docente observará o limite máximo de 2/3 (dois terços) da carga horária para desempenho das atividades de interação com os educandos (Parágrafo acrescentado).

§ 3º - O restante de 1/3 da jornada será reservada para trabalho pedagógico realizado na escola e em local de livre escolha , cujos critérios serão regulamentados por meio de Resolução, a ser editada pela Secretaria Municipal de Educação (Parágrafo Acrescentado).

Art. 2º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, produzindo seus efeitos a partir de 1º de fevereiro de 2013, revogadas as disposições em contrário”.    

4.                A leitura do processo legislativo demonstra a inexistência de violação ao princípio da separação de poderes e à regra da iniciativa legislativa reservada, pois, o projeto de lei é da autoria do Prefeito Municipal, aprovado no Poder Legislativo sem emendas (fls. 13/36).

5.                Logo, é inconsistente a arguição de violação aos arts. 5º, 24, § 2º, 1 e 4, e § 5º, e 47, XI, da Constituição Estadual, sendo extreme de dúvida que a matéria se situava no âmbito da reserva de iniciativa do Chefe do Poder Executivo por dizer respeito ao regime jurídico do funcionalismo municipal (jornada de trabalho de docentes e de auxiliares).

6.                Tampouco se visualiza ofensa aos arts. 25 e 169 da Constituição Estadual.

7.                Se para apontar a inconstitucionalidade de lei torna-se necessário o exame de norma infraconstitucional, como a Lei de Responsabilidade Fiscal que estabelece limites a despesas com pessoal, o caso é de extinção do processo sem resolução do mérito por falta de interesse de agir.

8.                Com efeito, o art. 169 da Constituição do Estado de São Paulo, reproduzindo o art. 169 da Constituição da República, sujeita a despesa de pessoal na Administração Pública aos limites estabelecidos em lei complementar.

9.                Mas, é indevida no contencioso de constitucionalidade a análise do direito infraconstitucional por caracterizar afronta indireta à Constituição. Neste sentido, já se decidiu:

DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. ADI CONTRA LEI PARANAENSE 13.519, DE 8 DE ABRIL DE 2002, QUE ESTABELECE OBRIGATORIEDADE DE INFORMAÇÃO, CONFORME ESPECIFICA, NOS RÓTULOS DE EMBALAGENS DE CAFÉ COMERCIALIZADO NO PARANÁ. ALEGAÇÃO DE OFENSA AOS ARTS. 22, I e VIII, 170, CAPUT, IV, E PARÁGRAFO ÚNICO, E 174 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PROTEÇÃO AO CONSUMIDOR. OFENSA INDIRETA. AÇÃOJULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE. I - Não há usurpação de competência da União para legislar sobre direito comercial e comércio interestadual porque o ato normativo impugnado buscou, tão-somente, assegurar a proteção ao consumidor. II - Precedente deste Tribunal (ADI 1.980, Rel. Min. Sydney Sanches) no sentido de que não invade esfera de competência da União, para legislar sobre normas gerais, lei paranaense que assegura ao consumidor o direito de obter informações sobre produtos combustíveis. III - Afronta ao texto constitucional indireta na medida em que se mostra indispensável o exame de conteúdo de outras normas infraconstitucionais, no caso, o Código do Consumidor. IV - Inocorre delegação de poder de fiscalização a particulares quando se verifica que a norma impugnada estabelece que os selos de qualidade serão emitidos por entidades vinculadas à Administração Pública estadual. V - Ação julgada parcialmente procedente apenas no ponto em que a lei impugnada estende os seus efeitos a outras unidades da Federação” (RTJ 205/1107).

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 6.004, DE 14/04/98, DO ESTADO DE ALAGOAS. ALEGADA VIOLAÇÃO AOS ARTS. 150, § 6º; E 155, § 2º, XII, G, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. AUSÊNCIA DE CONFLITO DIRETO COM O TEXTO CONSTITUCIONAL. Não cabe controle abstrato de constitucionalidade por violação de norma infraconstitucional interposta, sem ocorrência de ofensa direta à Constituição Federal. Hipótese caracterizada nos autos, em que, para aferir a validade da lei alagoana sob enfoque frente aos dispositivos da Constituição Federal, seria necessário o exame do conteúdo da Lei Complementar nº 24/75 e do Convênio 134/97, inexistindo, no caso, conflito direto com o texto constitucional. Ação direta de inconstitucionalidade não conhecida” (STF, ADI 2.122-AL, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ilmar Galvão, 04-05-2000, m.v., DJ 16-06-2000, p. 31).

10.              Carece interesse de agir, ainda, a ação na medida em que a pesquisa acerca da compatibilidade da lei local com o art. 169 da Constituição Federal demanda a exploração de questão de fato dependente de prova, o que é inadmissível nesta específica via.

11.              A ação direta de inconstitucionalidade não se presta ao exame de questões que dependam da verificação ou comprovação de matéria de fato, uma vez que é cingida à análise da incompatibilidade direta e frontal entre a lei ou ato normativo e dispositivo constitucional.

12.              Neste sentido, e inclusive tendo em vista o art. 169 da Constituição Federal, já se decidiu:

“I. Despesas de pessoal: limite de fixação delegada pela Constituição à lei complementar (CF, art. 169), o que reduz sua eventual superação à questão de ilegalidade e só mediata ou reflexamente de inconstitucionalidade, a cuja verificação não se presta a ação direta; existência, ademais, no ponto, de controvérsia de fato para cujo deslinde igualmente é inadequada a via do controle abstrato de constitucionalidade. II. Despesas de pessoal: aumento subordinado à existência de dotação orçamentária suficiente e de autorização específica na lei de diretrizes orçamentárias (CF, art. 169, parág. único, I e II): além de a sua verificação em concreto depender da solução de controvérsia de fato sobre a suficiência da dotação orçamentária e da interpretação da LDO, inclina-se a jurisprudência no STF no sentido de que a inobservância por determinada lei das mencionadas restrições constitucionais não induz à sua inconstitucionalidade, impedindo apenas a sua execução no exercício financeiro respectivo: precedentes” (STF, ADI 1.585-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 19-12-1997, v.u., DJ 03-04-1998, p. 01).

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 10.168/96, DO ESTADO DE SANTA CATARINA E RESOLUÇÃO Nº 76, DO SENADO FEDERAL. EMISSÃO DE TÍTULOS DE DÍVIDA PÚBLICA PARA PAGAMENTO DE PRECATÓRIOS. LETRAS FINANCEIRAS DO TESOURO EM VALOR SUPERIOR AOS PRECATÓRIOS PENDENTES DE PAGAMENTO À ÉPOCA DA PROMULGAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL: PRETENSÃO DE REEMBOLSO DOS VALORES JÁ EXPENDIDOS. AFRONTA AO ART. 33 DO ADCT-CF/88. MATÉRIA DE FATO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. AÇÃO DIRETA NÃO CONHECIDA. 1. Há impossibilidade de controle abstrato da constitucionalidade de lei, quando, para o deslinde da questão, se mostra indispensável o exame do conteúdo de outras normas jurídicas infraconstitucionais de lei ou matéria de fato. Precedentes. 2. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Violação ao art. 33 do ADCT/CF-1988 e ao art. 5º da EC nº 3/93. Alegação fundada em elementos que reclamam dilação probatória. Inadequação da via eleita para exame da matéria fática. 3. Ato de efeito concreto, despido de normatividade, é insuscetível de ser apreciado pelo controle concentrado. Ação direta não conhecida” (STF, ADI 1.527-SC, Tribunal Pleno, Rel. Min. Maurício Corrêa, 05-11-1997, v.u., DJ 18-05-2000, p. 430).

13.              Ademais, é insubsistente a alegação posto que a ausência de lastro financeiro-orçamentário apenas compromete a eficácia da lei no exercício financeiro de sua vigência. Com efeito, “inclina-se a jurisprudência no STF no sentido de que a inobservância por determinada lei das mencionadas restrições constitucionais não induz à sua inconstitucionalidade, impedindo apenas a sua execução no exercício financeiro respectivo” (STF, ADI 1.585-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 19-12-1997, v.u., DJ 03-04-1998, p. 01).

14.              Coerente com estas premissas, chamo a atenção ao art. 2º da lei impugnada, in verbis:

“Art. 2º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, produzindo seus efeitos a partir de 1º de fevereiro de 2013, revogadas as disposições em contrário”.

15.              Ora, a própria lei promove o arranjo de sua compatibilidade financeira a partir da cláusula de eficácia (vacatio legis) contida nesse art. 2º, de tal maneira a projetar a absorção de recursos do orçamento superveniente à sua vigência para fazer face aos dispêndios correlatos.

16.              Face ao exposto, opino pela extinção do processo sem resolução do mérito.  

São Paulo, 12 de fevereiro de 2014.

 

 

 

 

 

 

Nilo Spinola Salgado Filho

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

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