Parecer
Processo n. 0198578-55.2013.8.26.0000
Requerente: Prefeito do Município de Potim
Requerida: Câmara Municipal de Potim
Constitucional.
Financeiro. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n. 782, de 04 de março de
2013, do Município de Potim. Lei orçamentária. Cabimento do contencioso de
constitucionalidade. Cognição restrita à Constituição Estadual. Impossibilidade
de exame de matéria de fato dependente de prova. Emenda parlamentar. Adstrição
aos limites constitucionais específicos. Rejeição do veto parcial após o
encerramento da sessão legislativa. Improcedência da ação. 1. É cabível o controle de
constitucionalidade da lei orçamentária anual, cujo parâmetro, no âmbito
municipal, é a Constituição Estadual, inclusive quando remeta à Constituição
Federal ou se trate de preceito de observância ou reprodução obrigatórias,
vedado o exame de matéria de fato dependente de prova. 2. Ao Poder Legislativo é consentida emenda ao projeto de lei
orçamentária, observados os limites constitucionais próprios e aplicando-se
subsidiariamente em sua liturgia as regras do processo legislativo comum. 3. O constitucionalismo vigente, em
regra, repudia o desequilíbrio entre os Poderes e a aprovação por decurso de
prazo. 4. O art. 39, II, ADT-CE/89
estabelece termo ad quem para a
devolução do projeto de lei orçamentária à sanção, não estorvando deliberação
sobre veto parcial após o encerramento da sessão legislativa. 5. Improcedência da ação.
Eminente Relator,
Colendo Órgão Especial:
1. Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade
ajuizada pelo Prefeito Municipal de Potim impugnando a Lei n. 782, de 04 de
março de 2013, do Município de Potim, por incompatibilidade com o art. 29-A, I,
da Constituição Federal, os arts. 5º, 47, XIV e XVII, 174, III, §§ 3º, 4º, 1, e
8º, da Constituição Estadual e o art. 39, II, do Ato de suas Disposições
Transitórias, o art. 32 da Lei Orgânica do Município (fls. 02/11). Deferida em
parte a liminar (fls. 50/52), a Câmara Municipal de Potim prestou informações
postulando a improcedência da ação, acenando com o descabimento da demanda e
sugestão de modulação de efeitos em caso contrário (fls. 62/83), sendo
certificado o decurso do prazo para manifestação do douto Procurador-Geral do
Estado (fl. 179).
2. Não prospera a preliminar de impropriedade da via
eleita. O Supremo Tribunal Federal reformulou sua orientação e pronunciou a
idoneidade do contencioso de constitucionalidade em face de lei orçamentária
(RTJ 206/232, 212/372).
3. O contencioso de constitucionalidade de lei ou ato
normativo municipal tem como exclusivo parâmetro a Constituição Estadual ainda
que remissiva ou reprodutora da Constituição Federal (art. 125, § 2º,
Constituição Federal), razão pela qual é inadmissível seu contraste com a Lei
Orgânica do Município ou o direito infraconstitucional.
4. A leitura do projeto de lei orçamentária não revela
incompatibilidade formal em sua liturgia. Pois, rejeitado o veto aposto pelo
Chefe do Poder Executivo, observou-se o quanto disposto no art. 66, § 7º, da
Constituição Federal.
5. Tampouco se constata ofensa aos arts. 174, III, §§ 3º,
4º, 1, e 8º, da Constituição Estadual, merecendo observar, em reforço, que
eventual incompatibilidade com o plano plurianual ou a lei de diretrizes orçamentárias
é questão que escapa aos limites do contencioso de constitucionalidade porque
além de demandar exame de fato consiste em crise de legalidade.
6. Obviamente não prevalece a alegação de violação ao
princípio da separação de poderes porque o Poder Legislativo pode oferecer e
aprovar emendas ao projeto de lei orçamentária, respeitados os limites do art.
175 da Constituição do Estado.
7. O Ato das Disposições Transitórias da Constituição
Estadual assim dispõe:
“Artigo 39 - Até a entrada em vigor da lei complementar a que se refere o artigo 165, § 9º da Constituição Federal, serão obedecidas as seguintes normas:
I - o projeto de lei de diretrizes orçamentárias do Estado será encaminhado até oito meses antes do encerramento do exercício financeiro e devolvido para sanção até o encerramento do primeiro período da sessão legislativa;
II - o projeto de lei orçamentária anual do Estado será encaminhado até três meses antes do encerramento do exercício financeiro e devolvido para sanção até o encerramento da sessão legislativa”.
8. Esse dispositivo reproduz o que consta da Constituição
de 1988:
“Artigo 35 – (...)
§ 2º - Até a entrada em vigor da lei complementar a que se refere o Artigo 165, § 9º, I e II, serão obedecidas as seguintes normas:
I - o projeto do plano plurianual, para vigência até o final do primeiro exercício financeiro do mandato presidencial subsequente, será encaminhado até quatro meses antes do encerramento do primeiro exercício financeiro e devolvido para sanção até o encerramento da sessão legislativa;
II - o projeto de lei de diretrizes orçamentárias será encaminhado até oito meses e meio antes do encerramento do exercício financeiro e devolvido para sanção até o encerramento do primeiro período da sessão legislativa;
III - o projeto de lei orçamentária da União será encaminhado até quatro meses antes do encerramento do exercício financeiro e devolvido para sanção até o encerramento da sessão legislativa”.
9. Ocorre que tanto a Lei n. 4.320/64 foi recepcionada
pela Constituição de 1988 com status de
lei complementar quanto a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar n.
101/00) foi editada para disciplina do preceito constitucional.
10. A respeito do art. 165, § 9º, I e
II, da Constituição Federal, reproduzido na primitiva redação do art. 174, §
9º, 1 e 2, da Constituição Estadual, que comete à lei complementar “dispor sobre o exercício financeiro, a
vigência, os prazos, a elaboração e a organização do plano plurianual, da lei
de diretrizes orçamentárias e da lei orçamentária anual” e “estabelecer normas
de gestão financeira e patrimonial da administração direta e indireta bem como
condições para a instituição e funcionamento de fundos”, preleciona José Afonso da Silva que
“vigoram, como visto, a Lei 4.320/1964, recebida pela Constituição, e a Lei
Complementar 101/2000” (Comentário
contextual à Constituição, São Paulo: Malheiros, 2006, 2ª ed., p. 689).
Dessa orientação diverge José Maurício Conti ao assinalar que “estão em vigor
as disposições do art. 35, § 2º, III do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias (ADCT)” e articular que “Estados e Municípios podem fixar datas
diferentes” (Orçamentos públicos: a Lei
4.320/1964 comentada, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, pp. 115-116).
11. Convém observar que a vigente redação
do art. 174, § 9º, 3, da Constituição do Estado, estabelece, tão somente, que o
Chefe do Poder Executivo encaminhará até 30 de setembro de cada ano o projeto
de lei da proposta orçamentária para o exercício subsequente, registrando-se o
ajuizamento de ação direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal
(ADI 4.052-SP).
12. De
qualquer modo, em tese, recepcionada a legislação infraconstitucional
precedente complementada pela legislação de idêntico nível superveniente, a
questão se traduziria em controle de legalidade, e não de constitucionalidade,
por consistir apenas em violação reflexa e indireta da Constituição por
intermédio de ofensa à lei – no caso, a Lei n. 4.320/64 que estabelece ou
determina que se estabeleçam prazo para apresentação da proposta orçamentária
anual (art. 22) e, ainda, prescreve à inobservância desse prazo a consolidação
da lei orçamentária vigente (art. 32).
13. Todavia,
não há prazo na Lei n. 4.320/64 para deliberação do projeto.
14. O
processo legislativo orçamentário é especial e observa a liturgia própria do
art. 175 da Constituição Estadual que reproduz o art. 166 da Constituição
Federal. No ponto, chamo a atenção para a aplicação subsidiária, guiada pela
compatibilidade, das regras constitucionais do processo legislativo comum ou
ordinário (art. 175, § 4º, Constituição Estadual; art. 166, § 7º, Constituição
Federal) e novamente invoco de José Afonso da Silva que o Chefe do Poder
Executivo poderá “vetar no todo ou em parte qualquer desses projetos aprovados,
seguindo-se a tramitação regular da apreciação do veto nos termos do art. 66” (Comentário contextual à Constituição,
São Paulo: Malheiros, 2006, 2ª ed., p. 695).
15. Se
a solução para recursos sem correspondência na despesa reside na prévia e
específica autorização legislativa mediante créditos adicionais ou
suplementares, em virtude de veto, emenda ou rejeição do projeto de lei
orçamentária (art. 174, § 5º, Constituição Estadual; art. 166, § 8º,
Constituição Federal), da aplicação subsidiária da liturgia do processo
legislativo comum resulta a incidência no veto parcial nos termos do art. 66 da
Constituição Federal e do art. 28 da Constituição Estadual.
16. Tal
se afigura como razoável equacionamento da questão posta em julgamento. Em face
da não devolução do projeto de lei pelo Parlamento ou da falta de tempestiva
sanção pelo Chefe do Poder Executivo, não pretendeu a Constituição de 1988
adotar a prorrogação do orçamento vigente, como o fazia a Constituição de 1946
(art. 74), ou a aprovação por decurso de prazo, como estabelecia a Constituição
de 1967 (art. 68) reiterada pela Emenda Constitucional n. 01/69 (art. 66). A
Constituição de 1988 foi propositalmente omissa como sinal de ruptura com esses
pretéritos mecanismos.
17. De
qualquer modo, o termo ad quem para
aprovação e remessa à sanção – o encerramento da sessão legislativa – tal como
regulado no inciso II do art. 39 do Ato das Disposições Transitórias da
Constituição do Estado não se incompatibiliza com a aplicação subsidiária,
guiada pela compatibilidade, das regras constitucionais do processo legislativo
comum ou ordinário (art. 175, § 4º, Constituição Estadual; art. 166, § 7º,
Constituição Federal).
18. Em
primeiro lugar, porque se devolvido à sanção até esse termo ad quem, eventual veto parcial cuja
apreciação teria momento – obviamente - após o término da sessão legislativa e,
destarte, impedir-se o Poder Legislativo de examiná-lo predicaria efeito
similar à aprovação por decurso de prazo, o que não corresponde à vontade
constituinte. Da mesma maneira, invertida a proposição, não se poderia ceifar
ao Chefe do Poder Executivo exercer seu poder de veto, compelindo-o a uma
sanção obrigatória.
19. Em
segundo lugar, a interpretação que a norma temporária do art. 39, II, do Ato
das Disposições Transitórias da Constituição do Estado, que reproduz o art. 35,
§ 2º, III, do Ato das Disposições Transitórias da Constituição da República,
merece é restritiva por sua característica de direito excepcional. Com efeito,
a norma enfocada estabelece termo ad quem
para a devolução pelo Poder Legislativo ao Chefe do Poder Executivo do projeto
de lei orçamentária para sanção (o que compreende o veto) até o encerramento da
sessão legislativa, não impedindo que o Parlamento mantenha ou rejeite o veto
após a sessão legislativa dentro do prazo que constitucionalmente lhe assiste –
para além, destaco que, invocando o art. 66 da Carta Magna, a contextura de
seus §§ 4º e 6º não induz à premissa de manutenção tácita do veto pelo decurso
de prazo de sua deliberação, o que corrobora o quanto exposto.
20. Destarte,
a norma constitucional implicitamente assegura o exame e a deliberação do veto
mesmo após a sessão legislativa precedente à execução orçamentária.
21. No
caso, a proposta de lei orçamentária foi apresentada na Câmara Municipal em 28
de setembro de 2012 (fl. 98), sendo aprovada com emenda parlamentar em dois
turnos de votação em 07 e 21 de novembro de 2012 (fl. 99), e remetida ao
Prefeito em 27 de novembro de 2012 (fl. 131) que sancionou em 28 de dezembro de
2012 a Lei n. 782, comunicando o Poder Legislativo do veto à emenda em 12 de
dezembro de 2012, após o início do período de recesso legislativo (fl. 169). Em
sessão de 20 de fevereiro de 2013 a Câmara Municipal rejeitou o veto,
comunicando-se o alcaide em 25 de fevereiro de 2013 e, após o decurso do prazo
para sanção, o Presidente da edilidade promulgou o texto de veto rejeitado como
integrante da lei em 04 de março de 2013 (fl. 144).
22. Em
suma, não houve violação ao art. 39, II, da Constituição do Estado de São
Paulo.
23. Resta
o exame da ofensa ao art. 29-A, I, da Constituição Federal, cuja apreciação é
possibilitada pelos arts. 144 e 297 da Constituição do Estado, normas
remissivas aos preceitos da Constituição Federal que são aplicáveis aos
Municípios.
24. O
parâmetro invocado assim prevê:
“Art. 29-A. O
total da despesa do Poder Legislativo Municipal, incluídos os subsídios dos
Vereadores e excluídos os gastos com inativos, não poderá ultrapassar os
seguintes percentuais, relativos ao somatório da receita tributária e das
transferências previstas no § 5o do
art. 153 e nos arts. 158 e 159, efetivamente realizado no exercício anterior:
I - 7% (sete por cento) para Municípios com população de até 100.000 (cem mil) habitantes”.
25. A
proposta do alcaide estimando a receita municipal em R$ 41.340.758,56 orçava
despesa de R$ 40.136.973,17 para a Prefeitura e R$ 1.203.785,39 para a Câmara,
esclarecendo que o valor reservado à edilidade observava o caput do art. 29-A, I, da Constituição da República. A lei promulgada,
após rejeição do veto à emenda parlamentar, prevê, a título de despesa, para a
Prefeitura R$ 40.110.797,56 e para a Câmara R$ 1.229.961,00, esclarecendo os §§
1º a 3º do art. 2º a revisão deste último valor após o encerramento de 2012 – a
fim de sopesar a receita realizada -, competindo se inferior a dotação inicial
adequação da diferença até o limite e se superior a anulação.
26. Segundo as informações prestadas pelo Poder
Legislativo, os valores que compõem a base de cálculo para a parcela que lhe é
cabível foram subfaturados na proposta orçamentária, o que foi revelado à vista
do balancete da execução orçamentária que inspirou a emenda parlamentar (fls.
69/71), conforme certificado (fls. 85/87).
27. A
questão é nitidamente de fato a depender de prova acerca da exatidão dos
cálculos da Prefeitura ou da Câmara de Vereadores, sendo inadmissível seu exame
na via estreita do contencioso de constitucionalidade.
28. Opino pela improcedência da ação.
São
Paulo, 24 de fevereiro de 2014.
Nilo Spinola Salgado Filho
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
wpmj