Parecer
Processo nº. 0199317-62.2012.8.26.0000
Requerente: Prefeito do Município de Taubaté
Requerido: Presidente da Câmara Municipal de Taubaté
Ementa: Ação
direta de inconstitucionalidade, movida por Prefeito Municipal, em relação aos arts.
1º, § 4º; 6º, § único; 18, parágrafos 1º, 2º e 3º; e o lançamento constante do
Anexo III; da Lei n. 4.698, de 08 de agosto de 2012, do Município de Taubaté, que
“Estabelece as diretrizes a serem observadas na elaboração da Lei Orçamentária
do Município para o Exercício de 2013 e dá outras providências”. Dispositivos
frutos de Emendas Parlamentares, que alteram a Lei de Diretrizes Orçamentárias
do Município. Violação dos arts. 5º; 24, § 2º, 2; 47, II, XVII e XIX, a; e 174, § 2º, da Constituição do
Estado de São Paulo. Parecer pela procedência da ação.
Colendo Órgão
Especial
Excelentíssimo
Senhor Desembargador Presidente
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de Taubaté, tendo por objeto os arts. 1º, § 4º; 6º, § único; 18, parágrafos 1º, 2º e 3º; e lançamento constante do Anexo III; da Lei n. 4.698, de 08 de agosto de 2012, do Município de Taubaté, que “Estabelece as diretrizes a serem observadas na elaboração da Lei Orçamentária do Município para o Exercício de 2013 e dá outras providências”.
Afirma o autor que o Executivo enviou ao Legislativo o projeto da Lei Orçamentária Municipal, a qual foi emendada pelo Legislativo ocasionando a inserção dos citados dispositivos ao texto legal.
Sustenta que os dispositivos legais impugnados são inconstitucionais por violarem os arts. 5º; 47, XVII; e 174, § 2º, da Constituição do Estado de São Paulo.
Foi deferida a liminar, para suspensão da eficácia do ato normativo (fls. 55/57).
O Presidente da Câmara Municipal deixou de prestar informações, no prazo legal (fl. 70).
A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 68/69).
Este é o breve resumo do que consta dos autos.
A presente ação é procedente.
Com efeito, a Lei nº 4.698, de 08 de agosto de 2012, do Município de Taubaté, ficou com a seguinte redação, nos dispositivos impugnados, em virtude das alterações promovidas pelas Emendas Parlamentares:
“Art. 1º (...)
§ 4º As previsões de despesas serão lançadas na Lei Orçamentária Anual ao nível de sub-elementos.
Art. 6º (...)
Parágrafo único: Eventuais suplementações orçamentárias não poderão ultrapassar o limite de 5% de cada ação, salvo autorização legislativa.
Art. 18 (...)
§ 1º Os respectivos projetos de lei autorizativos da transferência de recursos às entidades mencionadas no caput deste artigo serão encaminhados pelo Poder Executivo à Câmara Municipal no máximo até 15 dias após a publicação da Lei Orçamentária para 2013.
§ 2º Após a publicação das mencionadas leis autorizativas o Poder Executivo publicará, no prazo máximo de 10 dias, cronograma de desembolso mensal correspondendo cada parcela à razão do total da dotação aprovada pelo número de meses subsequentes.
§ 3º Observado o disposto neste artigo, fica o Poder Executivo autorizado a apoiar as seguintes entidades privadas sem fins lucrativos, por meio de auxílios, subvenções ou contribuições, sem prejuízo de outras a serem eventualmente inseridas na Lei Orçamentária de 2013, conforme os seguintes montantes mínimos:
(...)”
A presente ação direta é procedente, pois os
dispositivos impugnados, frutos de Emenda Parlamentar, de fato, extrapolaram os
limites estabelecidos pela Constituição do Estado de São Paulo.
Postulado básico da organização do Estado é o
princípio da separação dos poderes, constante do art. 5º da Constituição do
Estado de São Paulo, norma de observância obrigatória nos Municípios conforme
estabelece o art. 144 da mesma Carta Estadual, e que assim dispõe:
“Artigo 5º. São Poderes do Estado,
independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.
Este dispositivo é tradicional pedra fundamental do
Estado de Direito assentado na ideia de que as funções estatais são divididas e
entregues a órgãos ou poderes que as exercem com independência e harmonia,
vedando interferências indevidas de um sobre o outro. Todavia, o exercício
dessas atribuições nem sempre é fragmentado e estanque, pois observa a doutrina
que “o princípio da separação dos poderes (ou divisão, ou distribuição,
conforme a terminologia adotada) significa, portanto, entrosamento,
coordenação, colaboração, desempenho harmônico e independente das respectivas
funções, e ainda que cada órgão (poder), ao lado de suas funções principais,
correspondentes à sua natureza, em caráter secundário colabora com os demais
órgãos de diferente natureza, ou pratica certos atos que, teoricamente, não
pertenceriam à sua esfera de competência” (J. H. Meirelles Teixeira. Curso de
Direito Constitucional, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, p. 585).
Como consequência do princípio da separação dos
poderes, a Constituição Estadual, perfilhando as diretrizes da Constituição
Federal, comete a um Poder competências próprias, insuscetíveis de invasão por
outro. Assim, ao Poder Executivo são outorgadas atribuições típicas da função
administrativa, como, por exemplo, dispor sobre a sua organização e seu
funcionamento. Em essência, a separação ou divisão de poderes “consiste um confiar
cada uma das funções governamentais (legislativa, executiva e jurisdicional) a
órgãos diferentes (...) A divisão de Poderes fundamenta-se, pois, em dois
elementos: (a) especialização funcional, significando que cada órgão é
especializado no exercício de uma função (...); (b) independência orgânica,
significando que, além da especialização funcional, é necessário que cada órgão
seja efetivamente independente dos outros, o que postula ausência de meios de
subordinação” (José Afonso da Silva. Comentário contextual à Constituição, São
Paulo: Malheiros, 2006, 2ª ed., p. 44).
Também por decorrência do citado princípio da
separação de poderes, e à vista dos mecanismos de controle recíprocos de um
sobre o outro para evitar abusos e disfunções, a Constituição Estadual cuidou
de precisar a participação do Poder Executivo no processo legislativo. Como
observa a doutrina: “É a esse arranjo, mediante o qual, pela distribuição de
competências, pela participação parcial de certos órgãos estatais controlam-se
e limitam-se reciprocamente, que os ingleses denominavam, já anteriormente a
Montesquieu, sistema de ‘freios recíprocos’, ‘controles recíprocos’,
‘reservas’, ‘freios e contrapesos’ (checks
and controls, checks and balances), tudo isso visando um verdadeiro
‘equilíbrio dos poderes’ (equilibrium of
powers). (...) A distribuição das funções entre os órgãos do Estado
(poderes), isto é, a determinação das competências, constitui tarefa do Poder
Constituinte, através da Constituição. Donde se conclui que as exceções ao princípio
da separação, isto é, todas aquelas participações de cada poder, a título
secundário, em funções que teórica e normalmente competiriam a outro poder, só
serão admissíveis quando a Constituição as estabeleça, e nos termos em que
fizer. Não é lícito à lei ordinária, nem ao juiz, nem ao intérprete, criarem
novas exceções, novas participações secundárias, violadoras do princípio geral
de que a cada categoria de órgãos compete aquelas funções correspondentes à sua
natureza específica” (J. H. Meirelles Teixeira. Curso de Direito
Constitucional, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, pp. 581, 592-593).
Assim, se, em
princípio, a competência normativa é do domínio do Poder Legislativo, certas
matérias, por tangenciarem assuntos de natureza eminentemente administrativa e,
concomitantemente, direitos de terceiros ou o próprio exercício dos poderes
estatais, são reservadas à iniciativa legislativa do Poder Executivo (arts. 24,
§ 2º, 2, 47, II e XIX, a).
Esse desenho normativo de status constitucional – aplicável aos Municípios por obra do art.
144 da Constituição Estadual - permite assentar as seguintes conclusões: a) a
iniciativa legislativa não é ampla nem livre, só podendo ser exercida por
sujeito a quem a Constituição entregou uma determinada competência; b) ao Chefe
do Poder Executivo, a Constituição prescreve iniciativa legislativa reservada
em matérias inerentes à Administração Pública; c) há matérias administrativas
que, todavia, escapam à dimensão do princípio da legalidade consistente na
reserva de lei em virtude do estabelecimento de reserva de norma do Poder
Executivo. A propósito, frisa Hely Lopes Meirelles a linha divisória da
iniciativa legislativa:
“Leis de iniciativa da Câmara ou,
mais propriamente, de seus vereadores são todas as que a lei orgânica municipal
não reserva, expressa e privativamente à iniciativa do prefeito. As leis
orgânicas municipais devem reproduzir, dentre as matérias previstas nos arts.
61, § 1º, e 165 da CF, as que se inserem no âmbito da competência municipal”
(Direito Municipal Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 1997, 9ª ed., p. 431).
Perfilhando essa orientação centrada, como dito, no
princípio da separação dos poderes, a Constituição Estadual determina em
matéria orçamentária – igualmente aplicável no âmbito municipal (art. 144,
Constituição Estadual) – que:
“Art.
174. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão, com observância dos
preceitos correspondentes da Constituição Federal:
I
- o plano plurianual;
II
- as diretrizes orçamentárias;
III
- os orçamentos anuais.
§
1º. A lei que instituir o plano plurianual estabelecerá as diretrizes,
objetivos e metas da administração pública estadual para as despesas de capital
e outras delas decorrentes e para as relativas aos programas de duração
continuada.
§
2º. A lei de diretrizes orçamentárias compreenderá as metas e prioridades da
administração pública estadual, incluindo as despesas de capital para o
exercício financeiro subseqüente, orientará a elaboração da lei orçamentária
anual, disporá sobre as alterações na legislação tributária e estabelecerá a
política de aplicação das agências financeiras oficiais de momento.
(...)
§
5º. A matéria do projeto das leis a que se refere o ‘caput’ deste artigo será
organizada e compatibilizada em todos os seus aspectos setoriais e regionais
pelo órgão central de planejamento do Estado.
(...)
§
9º. Cabe à lei complementar, com observância da legislação federal:
1
- dispor sobre o exercício financeiro, a vigência, os prazos, a elaboração e a
organização do plano plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias e da lei
orçamentária anual;
2
- estabelecer normas de gestão financeira e patrimonial da administração direta
e indireta, bem como condições para a instituição e funcionamento de fundos.
Art.
175. Os projetos de lei relativos ao plano plurianual, às diretrizes
orçamentárias, ao orçamento anual e aos créditos adicionais, bem como suas
emendas, serão apreciados pela Assembléia Legislativa.
§
1º. As emendas ao projeto de lei do orçamento anual ou aos projetos que o
modifiquem serão admitidas desde que:
1
- sejam compatíveis com o plano plurianual e com a lei de diretrizes
orçamentárias;
2
- indiquem os recursos necessários, admitidos apenas os provenientes de
anulação de despesa, excluídas as que incidam sobre:
a)
dotações para pessoal e seus encargos;
b)
serviço da dívida;
c)
transferências tributárias constitucionais para Municípios;
3
- sejam relacionadas:
a)
com correção de erros ou omissões;
b)
com os dispositivos do texto do projeto de lei.
§
2º. As emendas ao projeto de lei de diretrizes orçamentárias não poderão ser
aprovadas quando incompatíveis com o plano plurianual.
§
3º. O Governador poderá enviar mensagem ao Legislativo para propor modificações
nos projetos a que se refere este artigo, enquanto não iniciada, na Comissão competente,
a votação da parte cuja alteração é proposta.
§
4º. Aplicam-se aos projetos mencionados neste artigo, no que não contrariar o
disposto nesta seção, as demais normas relativas ao processo legislativo”.
Portanto, irradia-se do princípio da separação de
poderes a própria técnica jurídica de freios e contrapesos com a previsão de
iniciativa legislativa reservada ao Chefe do Poder Executivo em matéria
administrativa e orçamentária. É o que consta, no plano federal, dos arts. 61,
§ 1º, II, “e”, e 165, da Constituição Federal, reproduzidos pelos arts. 24, §
2º, 2, e 174, da Constituição do Estado de São Paulo.
No aspecto orçamentário, não por coincidência, o art.
174 da Constituição Bandeirante reproduz o art. 165 da Constituição Brasileira,
e Hely Lopes Meirelles complementa sua opinião asseverando a privatividade da
iniciativa legislativa na matéria: “A iniciativa e elaboração do projeto de lei
orçamentária anual cabem privativamente ao Executivo, que deverá enviá-lo, no
prazo legal, ao Legislativo, com todos os requisitos indicados na Constituição
da República” (ob. cit., pp. 485-486).
Neste sentido, reverbera a jurisprudência:
“Ação direta de
inconstitucionalidade. 2. Inciso V, do § 3º, do art. 120, da Constituição do
Estado de Santa Catarina, com redação dada pela Emenda Constitucional nº 14.
Alegação de afronta aos arts. 2º, 61, § 1º, II, alínea b; 165, § 2º; 166, § 3º,
I e § 4º; e 167, IV, da Constituição Federal. 3. Competência exclusiva do Poder
Executivo iniciar o processo legislativo das matérias pertinentes ao Plano
Plurianual, às Diretrizes Orçamentárias e aos Orçamentos Anuais. Precedentes:
ADIN 103 e ADIN 550. 4. Relevantes os fundamentos da inicial e conveniente a
suspensão da vigência da norma impugnada. 5. Medida liminar deferida, para suspender,
até decisão final da ação direta, a vigência do inciso V do § 3º do art. 120,
da Constituição do Estado de Santa Catarina, na redação dada pela Emenda
Constitucional nº 14, de 10.11.1997” (STF, ADI-MC 1.759-SC, Tribunal Pleno,
Rel. Min. Néri da Silveira, 12-03-1998, v.u. DJ 06-04-2001, p. 66).
Ora, no quadro constitucional vigente não há dúvida
que ao Chefe do Poder Executivo é conferida a iniciativa legislativa reservada
em matéria orçamentária, abrangendo, inclusive, a disciplina do processo orçamentário
em todas as suas fases.
Além disso, no caso em tela, também o poder de
emendar o projeto de lei do executivo é condicionado por parâmetros
constitucionais, de tal forma que, além de serem compatíveis com o plano
plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias, há necessidade de que indiquem
os recursos necessários. Esses, por sua vez, só são admitidos se provenientes
de anulação de despesa. Não é só. Mesmo que sejam provenientes de anulação de
despesa, não podem incidir sobre dotações para pessoal e seus encargos.
Não é possível admitir-se que, com a apresentação do
projeto de lei visando à estimativa e fixação de despesa anual para o Município,
a Câmara resolva apresentar várias emendas que desfiguram a proposta
inicialmente apresentada pelo Chefe do Poder Executivo, dispondo sobre matérias
totalmente alheias, sem guardar pertinência temática – sob o pretexto de
exercer o seu poder de emenda.
Se for reconhecida essa faculdade ao legislador, o
que se admite somente para argumentar, tornar-se-á forçoso aceitar, também, que
este terá liberdade de modificar integralmente as leis orçamentárias
anteriormente aprovadas, em desconsideração à reserva de iniciativa sobre a
matéria instituída em favor do Executivo, que nos projetos de lei apresentados
delimitou o âmbito de atuação do legislador exclusivamente às matérias neles
previstas.
Bem
por isso, a Constituição em vigor prevê que as emendas aos projetos de lei do
orçamento, ou aos projetos que o modifiquem, serão admitidas desde que sejam
relacionadas com os dispositivos do texto do projeto de lei (CE, art. 175, §
1.º, 3, b) apresentado, que, no caso em análise, nenhuma relação de pertinência
mantinham com as alterações efetuadas pela Câmara.
Com efeito, é nítida a violação dos arts. 5º; 24, § 2º, 2; 47, II, XVII e XIX, a; e 174, § 2º, da Constituição do Estado de São Paulo.
Nestes termos, aguardo a procedência do pedido para o fim de se declarar inconstitucionais os arts. 1º, § 4º; 6º, § único; 18, parágrafos 1º, 2º e 3º; e o lançamento constante do Anexo III; da Lei n. 4.698, de 08 de agosto de 2012, do Município de Taubaté, que “Estabelece as diretrizes a serem observadas na elaboração da Lei Orçamentária do Município para o Exercício de 2013 e dá outras providências”.
São Paulo, 05 de março de 2013.
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
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