Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

 

Processo nº 0200207-64.2013.8.26.0000

Requerente: Prefeito Municipal de Jardinópolis

Requerido: Presidente da Câmara Municipal de Jardinópolis

 

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade, ajuizada pelo Prefeito, em face dos artigos 34 e 34-B, na redação dada pela Lei Complementar nº 03, de 22 de agosto de 2011, da Lei Complementar nº 01, de 05 de outubro de 2006, do Município de Jardinópolis. Lei Urbanística. Dispositivos impugnados que derivam de emendas parlamentares. Ausência de participação comunitária. Alterações que não desfiguram o projeto inicial, nem geram despesa não prevista, e que, por tal motivo, não configuram usurpação das atribuições do Prefeito, nem ofensa ao princípio da separação dos poderes (art. 5º da CE). Emenda parlamentar que não desbordou da vontade popular exposta nas audiências públicas, inexistindo ofensa ao princípio da participação comunitária. Parecer pela improcedência da ação.

 

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de Jardinópolis, tendo por objeto os artigos 34 e 34-B, na redação dada pela Lei Complementar nº 03, de 22 de agosto de 2011, da Lei Complementar nº 01, de 05 de outubro de 2006, do Município de Jardinópolis.

O autor noticia que, como Prefeito Municipal, encaminhou à Câmara dos Vereadores o projeto de lei nº 02/11 para alterar dispositivos do Plano Diretor Municipal (Lei Complementar nº 01/2006). Esse projeto recebeu as Emendas do Legislativo, que acabaram por diminuir as áreas mínimas dos lotes previstas nos projetos de loteamentos.

Isto, por si, teria acarretado violação ao princípio da separação dos poderes, bem como ao princípio da participação comunitária.

Os dispositivos impugnados tiveram a vigência e a eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fl. 75).

O Presidente da Câmara Municipal prestou informações em defesa das normas impugnadas (fls. 82/85).

O Procurador-Geral do Estado não foi citado.

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

Preliminarmente, observo que não foi citado o Procurador-Geral do Estado, para a defesa da norma objurgada, medida que ora fica postulada, em atenção ao disposto no art. 90, § 2º, da Constituição do Estado de São Paulo.

No mérito, a ação não merece procedência.

A Lei Complementar nº 03/2011, do Município de Jardinópolis, decorre de projeto do Poder Executivo, com o escopo de alterar a Lei Complementar nº 01, de 05 de outubro de 2006, que “DISPÕE SOBRE O PLANO DIRETOR PARTICIPATIVO, SISTEMA E PROCESSO DE PLANEJAMETO E GESTÃO DEMOCRÁTICA DO DESENVOLVIMENTO URBANO DO MUNICÍPIO DE JARDINÓPOLIS.”

Por meio de emendas, o Legislativo local diminuiu as metragens das áreas mínimas previstas nos projetos de loteamento.

A matéria de que trata a lei em análise – uso e ocupação do solo urbano - atinente à gestão da cidade decorre, essencialmente, da administração realizada pelo Chefe do Executivo, o que leva à conclusão de que, na hipótese em exame, a esta autoridade é deferido o direito de deflagrar o projeto de lei que trate da questão, a teor do que dispõe o art. 47, II e XIV, da Constituição Paulista.

A discussão, portanto, reside nas emendas que foram feitas ao projeto que se originou em sede adequada (Poder Executivo).

Sabe-se que, uma vez apresentado o projeto pelo Chefe do Poder Executivo, está exaurida a sua atuação. Abre-se o caminho, em seguida, para fase constitutiva da lei, que se caracteriza pela discussão e votação públicas da matéria.

Nessa fase sobressai o poder de emendar.

O poder de emendar é reconhecido pela doutrina tradicional e está reservado aos parlamentares enquanto membros do Poder incumbido de estabelecer o direito novo.

O Supremo Tribunal Federal o considera como prerrogativa dos parlamentares, como se intui do seguinte julgado:

“O exercício do poder de emenda, pelos membros do parlamento, qualifica-se como prerrogativa inerente à função legislativa do Estado - O poder de emendar - que não constitui derivação do poder de iniciar o processo de formação das leis - qualifica-se como prerrogativa deferida aos parlamentares, que se sujeitam, no entanto, quanto ao seu exercício, às restrições impostas, em "numerus clausus", pela Constituição Federal. - A Constituição Federal de 1988, prestigiando o exercício da função parlamentar, afastou muitas das restrições que incidiam, especificamente, no regime constitucional anterior, sobre o poder de emenda reconhecido aos membros do Legislativo. O legislador constituinte, ao assim proceder, certamente pretendeu repudiar a concepção regalista de Estado (RTJ 32/143 - RTJ 33/107 - RTJ 34/6 - RTJ 40/348), que suprimiria, caso prevalecesse, o poder de emenda dos membros do Legislativo. - Revela-se plenamente legítimo, desse modo, o exercício do poder de emenda pelos parlamentares, mesmo quando se tratar de projetos de lei sujeitos à reserva de iniciativa de outros órgãos e Poderes do Estado, incidindo, no entanto, sobre essa prerrogativa parlamentar - que é inerente à atividade legislativa -, as restrições decorrentes do próprio texto constitucional (CF, art. 63, I e II), bem assim aquela fundada na exigência de que as emendas de iniciativa parlamentar sempre guardem relação de pertinência com o objeto da proposição legislativa” (STF, Pleno, ADI nº 973-7/AP – medida cautelar. Rel. Min. Celso de Mello, DJ 19 dez. 2006, p. 34 –g.n.).

Mas o considera restrito, como se conclui do trecho acima destacado e do paradigmático julgado adiante transcrito:

“Incorre em vício de inconstitucionalidade formal (CF, artigos 61, § 1º, II, "a" e "c" e 63, I) a norma jurídica decorrente de emenda parlamentar em projeto de lei de iniciativa reservada ao Chefe do Poder Executivo, de que resulte aumento de despesa. Parâmetro de observância cogente pelos Estados da Federação, à luz do princípio da simetria. Precedentes. 2. Ausência de prévia dotação orçamentária para o pagamento do benefício instituído pela norma impugnada. Violação ao artigo 169 da Constituição Federal, com a redação que lhe foi conferida pela Emenda Constitucional 19/98. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente (ADI 2079/SC, STF - Pleno, rel. Maurício Corrêa, DJ 18.06.2004, p. 44; Ement. Vol. 2156-01, p. 73).”

A limitação ao poder de emendar projetos de lei de iniciativa reservada do Poder Executivo existe no sentido de evitar: (a) aumento de despesa não prevista, inicialmente; ou então (b) a desfiguração da proposta inicial, seja pela inclusão de regra que com ela não guarde pertinência temática; seja ainda pela alteração extrema do texto originário, que rende ensejo a regulação praticamente e substancialmente distinta da proposta original.

No caso dos autos, é curial que as emendas não acarretam aumento de despesa e nem desfiguram o projeto inicial e, deste modo, não sofrem a limitação atrás aludida.

Ensina Alexandre de Moraes que:

“Os projetos de lei enviados pelo Presidente da República à Câmara dos Deputados, quando de sua iniciativa exclusiva, em regra, poderão ser alterados, por meio de emendas apresentadas pelos parlamentares, no exercício constitucional da atividade legiferante, própria do Poder Legislativo.” in Constituição do Brasil Interpretada, Ed. Atlas, 202, pág. 1143

Nesse panorama, divisa-se a constitucionalidade da norma objurgada, por se encontrar dentro das limitações constitucionalmente impostas ao poder de emendar projetos de lei de iniciativa reservada do Chefe do Poder Executivo.

Quanto à alegação de ofensa ao artigo 180, I e II, e ao artigo 191, da Constituição Estadual, também não encontra razão o requerente, por ter sido respeitado o princípio da participação comunitária.

Vejamos os dispositivos constitucionais tratados:

“Artigo 180 - No estabelecimento de diretrizes e normas relativas ao desenvolvimento urbano, o Estado e os Municípios assegurarão:

I - o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e a garantia do bem-estar de seus habitantes;

II - a participação das respectivas entidades comunitárias no estudo, encaminhamento e solução dos problemas, planos, programas e projetos que lhes sejam concernentes;

(...)

Artigo 191 - O Estado e os Municípios providenciarão, com a participação da coletividade, a preservação, conservação, defesa, recuperação e melhoria do meio ambiente natural, artificial e do trabalho, atendidas as peculiaridades regionais e locais e em harmonia com o desenvolvimento social e econômico.

Quanto ao inciso I do art. 180, não se verifica incompatibilidade com a lei impugnada, não tendo o requerente apontado em que ponto estaria a violação do dispositivo constitucional.

De outro lado, inegável a participação comunitária no processo legislativo que resultou na lei ora tratada, através das audiências públicas realizadas nos dias 14 e 21 de junho de 2011 (conforme se verifica a fls.94/108 e 109/110), ou seja, antes da sessão em que foi emendado o projeto de lei pelo Poder Legislativo, datada de 11 de julho de 2011 (fls.19).

Sobre o tema, já decidiu o Órgão Especial desse E. Tribunal que "a participação popular na criação de leis versando sobre política urbana local não pode ser concebida como mera formalidade ritual passível de convalidação. Trata-se de instrumento democrático onde o móvel do legislador ordinário é exposto e contrastado com idéias opostas que, se não vinculam a vontade dos representantes eleitos no momento da votação, ao menos lhe expõem os interesses envolvidos e as conseqüências práticas advindas da aprovação ou rejeição da norma, tal como proposta" (TJSP, ADIN n° 994.09.224728-0, Rei. Des. Artur Marques, m.v., j . 05/05/2010).

Nesse contexto, é de se notar que, nas referidas audiências públicas, foi aprovada a diminuição das metragens mínimas previstas no texto original enviado pelo Prefeito Municipal. Assim, garantida a participação popular na discussão da lei, e não existindo alterações casuísticas e destoantes do resultado obtido nas audiências, não há que se falar em ofensa ao art.180, II, e ao art.191, da Constituição Estadual.

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da improcedência da presente ação direta de inconstitucionalidade.

São Paulo, 05 de março de 2014.

 

 

        Nilo Spinola Salgado Filho

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

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