Parecer
Processo n. 0200689-12.2013.8.26.0000
Requerentes: Federação dos Sindicatos dos Servidores e
Funcionários Públicos das Câmaras de Vereadores, Fundações, Autarquias e
Prefeituras Municipais do Estado de São Paulo e Sindicato dos Servidores
Públicos Municipais da Cidade de Fartura
Requeridos: Prefeito Municipal e Presidente da Câmara Municipal
de Fartura
Ementa: Constitucional. Administrativo.
Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei Complementar n. 04/2009 do Município
de Fartura. Servidor público municipal. Afastamento não remunerado para
desempenho de mandato sindical. Limitação ao máximo de dois servidores
licenciados por entidade. parâmetro constitucional estadual de observância
obrigatória. Procedência. 1. A
norma parâmetro (art. 125, § 1º, CE/89), em constância com o princípio da liberdade
da associação sindical (art. 8º, I, da CF/88) é de observância obrigatória
pelos municípios. 2. Direitos
sociais. Princípios constitucionais implícitos. Liberdade sindical. 3. Precedentes do STF e do Órgão
Especial do TJSP. 4. Predominância
da supremacia do interesse público abrangente da consideração das necessidades
do serviço público. 5. Parcial procedência
da ação.
Colendo Órgão Especial:
1. Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade promovida pela Federação dos Sindicatos dos Servidores e Funcionários Públicos das Câmaras de Vereadores, Fundações, Autarquias e Prefeituras Municipais do Estado de São Paulo e pelo Sindicato dos Servidores Públicos Municipais da Cidade de Fartura em face do caput e do § 1º do art. 131 da Lei Complementar n. 04, de 26 de março de 2009, do Município de Fartura, que assegura ao servidor o direito a licença, sem remuneração do cargo de provimento efetivo, para o desempenho de mandato em confederação, federação, associação de classe de âmbito estadual ou federal, sindicato representativo da categoria profissional ou entidade fiscalizadora da profissão, bem como limita ao máximo de dois servidores licenciados por entidade, por alegação de violação do artigo 125, § 1º, da Constituição Estadual (fls. 02/11).
2. A douta Procuradoria-Geral do
Estado absteve-se de manifestar-se (fls. 174/175). Decorreu in
albis o prazo para a apresentação de informações por parte da Câmara
Municipal e do Prefeito Municipal (fls. 177 e 184).
3. É o relatório.
4. Determina o art. 38, I, da Constituição Federal:
“Art. 38. Ao servidor público da administração direta, autárquica e fundacional, no exercício de mandato eletivo, aplicam-se as seguintes disposições:
I - tratando-se de mandato eletivo federal, estadual ou distrital, ficará afastado de seu cargo, emprego ou função;
(...)”
5. Por sua vez, a Constituição do
Estado de São Paulo, assim disciplina o assunto:
“Artigo 125 - O exercício do mandato eletivo por servidor público far-se-á com observância do art. 38 da Constituição Federal.
§ 1º - Fica assegurado ao servidor público, eleito para ocupar cargo em sindicato de categoria, o direito de afastar-se de suas funções, durante o tempo em que durar o mandato, recebendo seus vencimentos e vantagens, nos termos da lei.” (g.n.)
6.
Observa-se que o parâmetro
constitucional estadual permite não apenas o afastamento do servidor para
ocupar cargo em sindicato de categoria, mas também que ele seja remunerado
enquanto durar o mandato.
7. Não há dúvida de que a matéria
inerente ao regime jurídico dos servidores públicos, inclusive afastamentos e
licenças remuneradas, é de competência privativa do Chefe do Poder Executivo,
como se infere do art. 61, § 1º, II, c, da Carta Maior, reproduzido no art. 24,
§2º, 4, da Constituição Estadual.
8. Não obstante isso, não se
compreende que a Constituição Estadual esteja suprimindo a autonomia municipal
haja vista que sua redação atende a princípios previstos na Constituição
Federal.
9.
É o que se verifica do art.
8º, I, da Carta Maior, que garante a livre associação sindical:
“Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte:
I - a lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato,
ressalvado o registro no órgão competente, vedadas ao Poder Público a
interferência e a intervenção na organização sindical.”
10.
Cumpre lembrar que esse
direito deve ser assegurado pela Administração Pública a todos os servidores
públicos civis, conforme preceitua o art. 37, VI, da Carta Maior.
11. Ademais, a garantia de liberdade
sindical insere-se dentre os direitos sociais, os quais, nos dizeres do
eminentemente autor Inocêncio Mártires Coelho, “lograram alcançar o status de direitos fundamentais, vale dizer, a condição de direitos oponíveis
erga omnes – até mesmo contra o Estado,
que, ao constitucionalizá-los, dotou as suas normas da injuntividade (...)”. (Mendes,
Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 5ª ed.
rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2010, pg. 821/822.)
12.
Nesse sentido, é relevante
mencionar dois princípios pertinentes ao assunto: a) princípio da proteção do
núcleo essencial e b) princípio de vedação ao retrocesso social.
13. No que se refere ao princípio da
proteção do núcleo essencial, ensina Gilmar Mendes que “embora o texto
constitucional brasileiro não tenha consagrado expressamente a ideia de um núcleo
essencial, afigura-se inequívoco que tal princípio decorre do próprio modelo
garantístico utilizado pelo constituinte.” E “a não admissão de um limite ao
afazer legislativo tornaria inócua qualquer proteção fundamental”. (Mendes, Gilmar Ferreira; COELHO,
Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 5ª ed. rev. e atual. São Paulo:
Saraiva, 2010, pg. 398.)
14. Com relação ao princípio de
vedação do retrocesso social, transcreve-se trecho extraído de ementa de
julgamento proferido pelo Supremo Tribunal Federal:
“(...)
A PROIBIÇÃO DO RETROCESSO SOCIAL COMO OBSTÁCULO CONSTITUCIONAL À FRUSTRAÇÃO E AO INADIMPLEMENTO, PELO PODER PÚBLICO, DE DIREITOS PRESTACIONAIS. - O princípio da proibição do retrocesso impede, em tema de direitos fundamentais de caráter social, que sejam desconstituídas as conquistas já alcançadas pelo cidadão ou pela formação social em que ele vive. - A cláusula que veda o retrocesso em matéria de direitos a prestações positivas do Estado (como o direito à educação, o direito à saúde ou o direito à segurança pública, v.g.) traduz, no processo de efetivação desses direitos fundamentais individuais ou coletivos, obstáculo a que os níveis de concretização de tais prerrogativas, uma vez atingidos, venham a ser ulteriormente reduzidos ou suprimidos pelo Estado. Doutrina. Em conseqüência desse princípio, o Estado, após haver reconhecido os direitos prestacionais, assume o dever não só de torná-los efetivos, mas, também, se obriga, sob pena de transgressão ao texto constitucional, a preservá-los, abstendo-se de frustrar - mediante supressão total ou parcial - os direitos sociais já concretizados.
(...)” (ARE 639337 AgR/SP – São Paulo, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma, 15/09/2011, Dje. 177)
15. Nesta seara, entende-se que a
garantia de licença remunerada, para o exercício de mandato sindical, na forma
prevista no artigo 125, § 1º, da CE, é de observância obrigatória pelos
Municípios.
16. O direito à associação sindical
dos servidores municipais suplanta o mero interesse local do Município. Basta
mencionar a hipótese em que o exercício de tal garantia constitucional seja
realizado por meio de Federações, Confederações ou mesmo Sindicatos Regionais
de servidores públicos.
17. Em tais casos, eventual diferença
de tratamento conferido à matéria, contrário à diretriz estabelecida na
Constituição do Estado (art. 125, § 1º), poderá implicar enfraquecimento da
liberdade sindical em determinado ente federativo municipal, se cotejado com
outros, inclusive vizinhos.
18. A não contemplação do
pagamento de remuneração viola, assim, as disposições dos artigos 5º, XVII, 8º
e 37, VI, todos da Constituição Federal, que conferem à liberdade de associação
o patamar de direito fundamental, preceitos estes de observância obrigatória
pelos Municípios, por força do artigo 144 da Constituição Estadual.
19. Imprescindível, assim, que o
legislador municipal atenda aos princípios estabelecidos na Constituição
Estadual e Federal, sob pena de violação ao artigo 144 da CE, que assim dispõe:
“Art. 144
- Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e
financeira se auto-organizarão por Lei Orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta
Constituição.” (g.n.)
20. Em situação muito semelhante,
estando em consonância com o entendimento ora esposado, já se pronunciou este
Colendo Órgão Especial:
“Ementa:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Município de São João do Iracema - art.177
§§ 1º e 2º da Lei Municipal nº195/99 com as alterações introduzidas pela Lei
Municipal nº601/13 que disciplinou, no âmbito da Administração Municipal, a
licença do servidor público eleito para desempenho de mandato classista.
Violação ao princípio da liberdade sindical e à garantia de manutenção da remuneração do servidor afastado para ocupar
cargo em sindicato classista. Infringência
aos arts. 125, §1º, e 144, da Constituição do Estado de São Paulo.
Inconstitucionalidade decretada.
Trata-se de
ação direta de inconstitucionalidade proposta pela Federação dos Funcionários
Públicos Municipais do Estado de São Paulo para declarar a
inconstitucionalidade do art.177 e seus parágrafos 1º e 2º da Lei Municipal
nº195 de 28 de julho de 1999 com as alterações introduzidas pela Lei Municipal
nº601 de 03 de abril de 2013, que disciplina, no âmbito da Administração
Municipal, a licença do servidor público eleito para desempenho de mandato
classista. Sustenta o requerente, em apertada síntese, que os parágrafos do
artigo em referência extrapolariam os limites local sobre assuntos de interesse
da categoria e interferiria na organização sindical ao reduzir e impor
barreiras para o exercício dos direito garantidos na Constituição do Estado de
São Paulo.
(...)
Razão
assiste à entidade autora.
Busca a
requerente a declaração de inconstitucionalidade do art.177 e seus parágrafos
1º e 2º da Lei Municipal nº195 de 28 de julho de 1999 com as alterações
introduzidas pela Lei Municipal nº601 de 03 de abril de 2013.
Dita a lei
em referência: ‘Art.117. É assegurado ao servidor o direito a licença para o
desempenho de mandato em confederação, federação, associação de classe de
âmbito nacional ou sindical representativo da categoria ou entidade
fiscalizadora da profissão, com prejuízo de seus vencimentos e demais vantagens
do cargo.
§1º Somente
poderão ser licenciados os servidores eleitos para cargos de direção ou
representação nas referidas entidades, até o máximo de 3 (três) por entidade.
§2º A
licença terá duração igual à do mandato, podendo ser prorrogada no caso de
reeleição e por uma única vez.’
De se ver
que a disciplina da matéria fere o que
estabelece a Constituição Estadual, a saber: ‘Artigo 125 - O exercício do
mandato eletivo por servidor público far-se-á com observância do art. 38 da
Constituição Federal. § 1º - Fica assegurado ao servidor público, eleito para
ocupar cargo em sindicato de categoria, o direito de afastar-se de suas
funções, durante o tempo em que durar o mandato, recebendo seus vencimentos e
vantagens, nos termos da lei.’.
Com efeito, ao impor as restrições mencionadas, a
lei municipal, de fato, extrapolou os limites que permite ao município legislar
segundo o interesse local, ferindo de morte o princípio da liberdade sindical assegurado ao trabalhador,
na medida em que não se pode cogitar da plena liberdade associativa se o
exercício desse direito implicar em perda ou redução salarial, circunstância
que, a toda evidência, proporciona o desinteresse do trabalhador pelo exercício
de mandato sindical. Ademais, o
art. 125 da Carta Bandeirante textualmente assegura ao trabalhador a mantença
da remuneração quando do seu afastamento para ocupar cargo em sindicato de
categoria, sendo defeso à lei local estabelecer regra que comporte diminuição
ou exclusão desse direito.
Nesse
sentido, já decidiu este Órgão Especial, em mais de uma oportunidade:
“AÇÃO DIRETA
DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI MUNICIPAL RESTRINGINDO DIREITO DE O SERVIDOR
PÚBLICO ELEITO PARA INTEGRAR ÓRGÃO DIRETIVO DE ENTIDADE DE CLASSE OBTER LICENÇA
REMUNERADA -AFRONTA AO §1", DO ART. 125, DA CESP - INCONSTITUCIONALIDADE
DECLARADA.
1. A
inconstitucionalidade da norma municipal inquinada não reside tão somente na vedação à
"licença remunerada" do funcionário para exercício de mandato eletivo
em entidade de classe, mas, ainda, sua restrição e condicionamento ao arbítrio
do poder executivo, que "pode excepcionalmente" permitir a
remuneração, "total ou parcial", no caso de eleição "à
presidência do sindicato".
2. Não existe, na hipótese, ofensa à
autonomia municipal porque a representação sindical encontra amparo legal na
Constituição Federal, sendo certo que não é dado ao município legislar de forma
a inviabilizar o exercício de direito previsto na lei maior.
3. Ainda
seja plausível do ponto de vista prático e factível, segundo parcela da
doutrina, o controle de constitucionalidade pretendido pela d. Procuradoria de
Justiça subverte a ordem jurídica na medida em que, a uma, estende competência
jurisdicional do Tribunal Estadual em afronta direta a expressa disposição
constitucional (art. 125, §2", CF) e, a duas, permite, por via oblíqua o controle
de constitucionalidade das Constituições estaduais por quem não se encontra elencado
como legitimado legal (art. 102, I "a", c/c 103, VI, ambos da CF).
4. Ação
julgada procedente.” (ADIN nº0225348-56.2011.8.26.0000, Rel. Des. Artur
Marques, j. em 25.04.2012)
“AÇÃO DIRETA
DE INCONSTITUCIONALIDADE - Art 103, § 1º, incisos II e III, e §§ 2º, 3º, 4º e
5°, da Lei Complementar n° 277, de 7 de outubro de 2011, do Município de
Barueri, que dispõe sobre o afastamento e a licença do servidor público eleito
para ocupar cargo de direção ou representação classista - Autonomia legislativa
e auto-organização que devem ser exercidas pelo ente público local em
consonância com as regras e princípios das Leis Maiores, na forma dos arts. 29
da CF e 144 da CE - Comando legal questionado que, conquanto discipline questão
atinente a direitos e deveres dos servidores municipais, matéria administrativa
de interesse local, deixou de observar o preceito do art. 125, § 1º, da
Constituição Estadual Disposição
constitucional estadual que impõe o afastamento do servidor eleito para cargo
em sindicato com a manutenção de seus vencimentos e vantagens - Inobservância
dessa regra matriz, erigida à condição de princípio constitucional, por versar
acerca de direitos fundamentais e sociais, que acabou por implicar na
alardeada inconstitucionalidade das disposições legais municipais impugnadas
nos autos Precedentes desta Corte - Ação Direta de Inconstitucionalidade
julgada procedente.” (ADIN nº0237612-71.2012.8.26.0000, Rel. Des. Paulo Dimas
Mascaretti, j. em 08.05.2013)
“Ação Direta
de Inconstitucionalidade - Trata-se de insurgência ajuizada pela Federação dos
Funcionários Públicos do Estado de São Paulo em face da Lei n° 1.926, do
Município de Pompéia que, ao contrário do disposto no artigo 125, §1º, da
Constituição do Estado, não assegura afastamento remunerado de servidores
públicos nos casos que especifica - Impende o reconhecimento do direito do
servidor público eleito de ser afastado, sem prejuízo de seus vencimentos e
vantagens, para exercício do mandato classista - Princípio da Simetria
Estrutural - Ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus - Ação
procedente - Precedentes do Órgão Especial.”
(ADIN
nº0054993-76.2012.8.26.0000, Rel. Des. Walter de Almeida Guilherme, j. em 08.08.2012)
Dessa forma, houve deliberada ofensa ao
que dispõe a Carta Constitucional Bandeirante no artigo 125, § 1º, bem como ao
princípio da liberdade sindical, o qual deve ser observado, consoante
determina o artigo 144 do mesmo Diploma legal. Por tais razões, declara-se
inconstitucional o art.177 e seus parágrafos 1º e 2º da Lei Municipal nº195 de
28 de julho de 1999 com as alterações introduzidas pela Lei Municipal nº601 de
03 de abril de 2013, com efeitos 'ex tunc'.” (g.n.) (Tribunal de Justiça de São
Paulo, Órgão Especial, Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 0193184-67.2013.8.26.0000,
r. Desembargador Samuel Júnior, j. 02/04/2014)
21. Merece destaque decisão do Supremo
Tribunal Federal:
“A
Procuradoria-Geral do Estado do Rio Grande do Sul interpõe recurso
extraordinário contra acórdão proferido pelo Órgão Especial do Tribunal de
Justiça daquele Estado, assim ementado:
‘AÇÃO DIRETA
DE INCONSTITUCIONALIDADE. MUNICÍPIO DE SÃO PAULO DAS MISSÕES. SERVIDOR PÚBLICO.
DIREITO À LICENÇA PARA DESEMPENHO DE MANDATO
CLASSISTA. PREJUÍZO DA REMUNERAÇÃO. OFENSA AO ART. 27, II, DA CE/89.
INCONSTITUCIONALIDADE. DIREITO TAMBÉM PREVISTO NOS ARTS. 5°, XVII, 8° E 37, VI,
DA CF/88.
Afigura-se inconstitucional a expressão "sem qualquer
remuneração", constante do artigo 69, caput, da Lei Municipal n° 003/2007,
de São Paulo das Missões, porquanto, ex vi do art. 27, II, da Constituição do
Estado, é permitido ao servidor eleito para exercer mandato eletivo em entidade
de classe, o afastamento sem prejuízo de sua situação funcional e
remuneratória, salvo a promoção por merecimento. Direito fundamental e social também previsto nos artigos 5°, XVII. 8° e
37, VI, da CF/88, não se admitindo sua restrição, modo transverso, pela
legislação local, sob pena de afronta, ainda, ao principio federativo e seu
corolário da simetria estrutural (arts. 1° e 18 da CF/88 e 11 do ADCn.
Precedentes. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. UNÂNIME.’ Insurge-se, no apelo extremo,
fundado na alínea “a” do permissivo constitucional, contra suposta violação dos
artigos 8º, 30 e 37, VI, da Constituição Federal, consubstanciada pelo
reconhecimento da inconstitucionalidade da expressão “sem qualquer remuneração” constante do artigo 69,
caput, da Lei n° 3/07 do Município de São Paulo das Missões, que dispõe sobre a
remuneração de servidor eleito para o exercício de mandato classista.
(...)
A
irresignação, contudo, não merece prosperar.
A decisão recorrida considerou inválida
parte da referida norma legal, que dispunha que servidor público do Município
de São Paulo das Missões a que fosse eleito para desempenho de mandato
sindical, poderia licenciar-se, para tanto, mas ficaria sem remuneração, o que foi feito sob o fundamento de que seu
conteúdo estaria em desavença com a norma do artigo 27, inciso II, da Constituição
do Estado do Rio Grande do Sul.
De fato,
assim dispôs, sobre o tema, aquela decisão regional:
“Registre-se, de início, que a liberdade sindical, prevista no art. 8°
da CF/88 é uma forma de manifestação do direito fundamental da liberdade de associação
(art. 5°, XVII), sendo que, especificamente em relação ao servidor público, o
art. 37, inciso VI, da Carta Magna assegura o direito à livre associação
sindical.
A CE/89, por sua vez, assegura aos
servidores públicos estaduais o exercício de mandato sindical sem prejuízo da
remuneração do cargo ocupado, conforme se depreende de seu art. 27, inciso
II.
As
disposições referidas estão assim redigidas:
“Art. 5º
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
(...)
XVII - é
plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter
paramilitar;” (g.n.)
“Art. 8º
É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte:
I - a lei
não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato,
ressalvado o registro no órgão competente, vedadas ao Poder Público a
interferência e a intervenção na organização sindical;
II - é
vedada a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau,
representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base
territorial, que será definida pelos trabalhadores ou empregadores
interessados, não podendo ser inferior à área de um Município;
III - ao
sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da
categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas;
IV - a assembléia
geral fixará a contribuição que, em se tratando de categoria profissional, será
descontada em folha, para custeio do sistema confederativo da representação
sindical respectiva, independentemente da contribuição prevista em lei;
V -
ninguém será obrigado a filiar-se ou a manter-se filiado a sindicato;
VI - é
obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de
trabalho;
VII - o
aposentado filiado tem direito a votar e ser votado nas organizações sindicais;
VIII - é vedada
a dispensa do empregado sindicalizado a partir do registro da candidatura a
cargo de direção ou representação sindical e, se eleito, ainda que suplente,
até um ano após o final do mandato, salvo se cometer falta grave nos termos da lei.
Parágrafo
único. As disposições deste artigo aplicam-se à organização de sindicatos
rurais e de colônias de pescadores, atendidas as condições que a lei
estabelecer.”
“Art. 37.
A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
(...)
VI - é
garantido ao servidor público civil o direito à livre associação sindical;”
(g.n.)
“Art. 27
- É assegurado:
I - aos
sindicatos e associações dos servidores da administração direta ou indireta:
a)
participar das decisões de interesse da categoria;
b)
descontar em folha de pagamento as mensalidades de seus associados e demais
parcelas, a favor da entidade, desde que aprovadas em assembléia geral;
c) eleger
delegado sindical;
II - aos
representantes das entidades mencionadas no inciso anterior, nos casos
previstos em lei, o desempenho, com dispensa de suas atividades funcionais, de
mandato em confederação, federação, sindicato e associação de servidores
públicos, sem qualquer prejuízo para sua situação funcional ou remuneratória,
exceto promoção por merecimento;” (g.n.)
Resta claro que a referida disposição
municipal vai de encontro ao estabelecido na regra do art. 27, inciso II, da
Constituição Estadual, direito também estabelecido nos arts. 5º, XVII, 8º e 37,
VI, da Carta Federal.
Afinal, evidentemente que a
incompatibilidade vertical da norma municipal não pode servir para impedir,
modo transverso, o exercício efetivo de direitos e garantias fundamentais
expressamente consagrados na Constituição, seja Estadual, seja Federal, que
devem ser respeitadas”.
(...)
Com
efeito, para que seja admissível recurso extraordinário de ação direta de
inconstitucionalidade processada no âmbito do Tribunal local, é imprescindível
que o parâmetro de controle normativo local corresponda à norma de repetição
obrigatória da Constituição Federal. Confira-se precedente, assim dispondo:
“AGRAVO
REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
PERANTE O TRIBUNAL DE JUSTIÇA LOCAL. LEI MUNICIPAL. AUTORIZAÇÃO. EXAME MÉDICO
ANUAL. ALUNO DA REDE MUNICIPAL DE ENSINO. USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA DO PODER
EXECUTIVO. REPERCUSSÃO GERAL NÃO EXAMINADA. AUSÊNCIA DE QUESTÃO CONSTITUCIONAL.
ART. 323 DO RISTF C.C. ART. 102, III, § 3º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
PREQUESTIONAMENTO. INEXISTÊNCIA. CONTROLE ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE
ESTADUAL. LEI ESTADUAL OU MUNICIPAL EM FACE DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL. AUSÊNCIA
DE DEMONSTRAÇÃO DO PARÂMETRO DE CONTROLE NORMATIVO LOCAL QUE CORRESPONDE À
NORMA DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE OBSERVÂNCIA OBRIGATÓRIA PELOS DEMAIS ENTES INTEGRANTES
DA FEDERAÇÃO. INVIABILIDADE DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. (...) 5. Apenas se
admite recurso extraordinário de ação direta de inconstitucionalidade estadual
ou distrital quando o parâmetro de controle normativo local corresponder a
norma da Constituição Federal de observância obrigatória pelos demais entes
integrantes da Federação. Assim, é pressuposto de cabimento do recurso
extraordinário interposto contra acórdão prolatado em ação direta, a
demonstração de qual norma de repetição obrigatória inserida na Constituição
local foi violada, medida que, analisando a petição do apelo extremo (fls.
176/207), furtou-se o recorrente. (Precedentes: RCL n. 383, Relator o Ministro
Moreira Alves, Plenário, DJ de 21.5.93; RCL n. 596 - AgR, Relator o Ministro
Néri da Silveira, Plenário, DJ de 14.11.96; RE n. 353.350-AgR, Relator o
Ministro Carlos Velloso, 2ª Turma, DJ de 21.05.04; RE n. 445.903, Relator o
Ministro Carlos Britto, DJe de 05.02.10; RE n. 482.078, Relatora a Ministra
Cármen Lúcia, DJe 17.3.2010; RE n. 573.379, Relator o Ministro Cezar Peluso, DJ
de 26.03.10; RE n. 575.732, Relatora a Ministra Ellen Gracie, DJe de 01.06.11;
RE n. 562.018, Relator o Ministro Joaquim Barbosa, DJe de 03.10.11, entre
outros ). 6. In casu, o acórdão originariamente recorrido assentou: ‘EMENTA:
ADIN. LEI AUTORIZATIVA. NÃO USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA. Se a lei municipal, de
iniciativa do próprio Poder Legislativo, envolve apenas autorização para que o
administrador aja de certa maneira, não há de se falar em inconstitucionalidade
nem formal nem material.’ 7. Agravo regimental a que se nega provimento.” (RE
638.729/MG-AgR, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJ 21/5/12).
Verifica-se, portanto, que o art. 27, II,
da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, na parte em que, expressamente,
assegura “aos representantes das entidades mencionadas no inciso anterior, nos
casos previstos em lei, o desempenho, com dispensa de suas atividades
funcionais, de mandato em confederação, federação, sindicato e associação de
servidores públicos, sem qualquer prejuízo para sua situação funcional ou
remuneratória, exceto promoção por merecimento” não guarda correspondência com
a regulação da Constituição Federal sobre a matéria.
Em casos
similares como o presente: AI 676.275/RS, Rel. Min. Dias Toffoli, DJ de 5/10/11
e ARE 639.461/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe de 30/11/11, esta com decisão de
seguinte teor:
“RECURSO
EXTRAORDINÁRIO – VIOLAÇÃO INDIRETA – INTERPRETAÇÃO DE LEGISLAÇÃO
INFRACONSTITUCIONAL – FALTA DE PREQUESTIONAMENTO – INVIABILIDADE – AGRAVO
DESPROVIDO.
1. No
acórdão impugnado mediante o extraordinário declarou-se a inconstitucionalidade
de lei municipal em face do artigo 27, inciso II, da Constituição do Estado do
Rio Grande do Sul, no que assegura ao servidor público representante de
entidade sindical ou de associação de servidores da administração direta ou
indireta o direito à dispensa das atividades funcionais, sem qualquer prejuízo
da remuneração. Na decisão, fez-se referência aos artigos 5°, inciso XVII, 8° e
37, inciso VI, da Carta Federal.
Os
dispositivos da Constituição Federal mencionados pelo Tribunal de origem,
embora assegurem o direito à associação, não versam sobre o direito à percepção
de remuneração durante o afastamento da função pública para o desempenho do
mandato. Os argumentos articulados pelo agravante, desse modo, não evidenciam
violação direta ao texto constitucional.
A
alegação de descompasso entre a Constituição Estadual e o artigo 30 da Carta da
República, no qual prevista a competência do Município para legislar sobre
assuntos de interesse local, não foi objeto de debate pelo Tribunal local.
Revela-se, no ponto, ausente o prequestionamento.
2.
Conheço do agravo e o desprovejo.”
Ressalte-se, em arremate, que a pretensão do recorrente, no sentido de
que o fato de a Constituição Federal não
prever expressamente o direito ao recebimento de remuneração, por parte de
servidor público licenciado para o exercício de mandato classista, não
significa que tal direito possa ser suprimido, porque decorre, naturalmente, da
proteção constitucional dispensada a quem exerce mandato sindical, em que
avulta, por óbvio, o direito ao recebimento dos salários pelo período do
exercício do mandato. Correta, pois,
a decisão atacada, a não merecer reparos. Ante o exposto, nego seguimento ao
agravo de instrumento.” (g.n.) (STF, AI 846303/RS, Relator Min. Dias Toffoli,
publicada em 09/08/2012)
22. De outro lado, no que se refere ao § 1º do art. 131 da lei impugnada, o objetivo da lei ao limitar o afastamento de servidores para ocupar cargos em entidades é o de evitar afastamentos indiscriminados a bel prazer da forma organizativa e da quantidade de cargos das referidas entidades.
23. Ao cunhar sua redação, a norma parâmetro confere liberdade à lei para estabelecimento de condições e requisitos do afastamento, como o concernente à quantidade de associados da entidade que poderão ser licenciados para cargos de direção ou representação nas entidades (§ 1º do art. 131 da lei impugnada). Quando a Constituição emprega as locuções “nos termos da lei”, “na forma da lei”, “segundo a lei” etc. está delegando a regulação de determinada situação jurídica à instância normativa infraconstitucional, com dose de liberdade para, de acordo com a esfera de competência, ajustar o preceptivo constitucional às exigências que gravitam em torno, sem, no entanto, neutralizá-lo. Está-se diante de autêntica norma constitucional de eficácia limitada, not self executing, e não de eficácia contida (sujeita à limitação ulterior infraconstitucional), por depender sua aplicabilidade da regulação contida em lei.
24. O Supremo Tribunal Federal já decidiu pela constitucionalidade de norma que condiciona a licença para o desempenho de mandato classista por servidor público:
“DIREITO CONSTITUCIONAL. ORGANIZAÇÃO SINDICAL: INTERFERÊNCIA NA ATIVIDADE. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 34 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE MINAS GERAIS, INTRODUZIDO PELA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 8, DE 13 DE JULHO DE 1993, QUE LIMITA O NÚMERO DE SERVIDORES PÚBLICOS, AFASTÁVEIS DO SERVIÇO, PARA EXERCÍCIO DE MANDATO ELETIVO EM DIRETORIA DE ENTIDADE SINDICAL, PROPORCIONALMENTE AO NÚMERO DE FILIADOS A ELA, NESTES TERMOS: ‘Artigo 34 - É garantida a liberação do servidor de entidade sindical de mandato eletivo em diretoria de entidade sindical representativa de servidores públicos, de âmbito estadual, sem prejuízo da remuneração e dos demais direitos e vantagens do seu cargo. Parágrafo Único - Os servidores eleitos para cargos de direção ou de representação serão liberados, na seguinte proporção, para cada sindicato: I - de 1.000 (mil) a 3.000 (três mil) filiados, 1 (um) representante; II - de 3.001 (três mil e um) a 6.000 (seis mil) filiados, 2 (dois) representantes; III - de 6.001 (seis mil e um) a 10.000 (dez mil) filiados, 3 (três) representantes; IV - acima de 10.000 (dez mil) filiados, 4 (quatro) representantes’. (...) 2. Mérito: alegação de ofensa ao inciso I do art. 8°, ao VI do art. 37, ao inciso XXXVI do art. 5°, ao inciso XIX do art. 5°, todos da Constituição Federal, por interferência em entidade sindical. 3. Inocorrência dos vícios apontados. 4. Improcedência da A.D.I. 5. Plenário: decisão unânime” (g.n.) (STF, ADI 990-MG, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sydney Sanches, 06-02-2003, v.u., DJ 11-04-2003, p. 25)
25. Na relação entre o servidor público e a Administração Pública predomina a supremacia do interesse público abrangente da consideração das necessidades do serviço, influenciando também a gestão dos negócios públicos princípios como os de finalidade, interesse público, razoabilidade e proporcionalidade – explicitamente inscritos no art. 111 da Constituição do Estado de São Paulo.
26. Se a associação sindical é franqueada ao servidor público, podendo ser incentivada com os institutos da estabilidade sindical e do afastamento ou licença do exercício do cargo público, isso não justifica carrear ao poder público ônus excessivo pela indisponibilidade de seus recursos humanos em detrimento dos serviços que lhe compete prestar à população, gizados por princípios especiais como continuidade, obrigatoriedade, regularidade e eficiência, sob pena de insuportável primazia do interesse particular sobre o público.
27. A falta de critérios, parâmetros, condições e requisitos, enfim, expõe o poder público a riscos que não podem comprometer os desígnios desses dois valores absolutamente importantes – a supremacia do interesse público e a liberdade de associação sindical – e que se não merecem oposição, impõem conciliação.
28. Com efeito, urge o reconhecimento da constitucionalidade do § 1º do art. 131 da lei impugnada.
29. Posto isso, opino pela parcial
procedência da ação para declarar a inconstitucionalidade apenas do caput do art. 131 da Lei Complementar n.
04, de 26 de março de 2009, do Município de Fartura, por sua incompatibilidade
com as Constituições Estadual e Federal.
São Paulo, 10 de junho de 2014.
Nilo Spinola Salgado Filho
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
wpmj