Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão

 

 

Processo n. 0201013-02.2013.8.26.0000

Requerente: Federação dos Funcionários Públicos Municipais do Estado de São Paulo - FUPESP

Requeridos: Prefeito e Presidente da Câmara Municipal de Bocaina

 

 

 

 

 

 

 

Ementa: Constitucional. Administrativo. Ação de inconstitucionalidade por omissão. Servidor público municipal. Afastamento para o exercício de mandato classista. Lei Orgânica do Município de Bocaina. Regime jurídico do servidor público.  Lei de iniciativa reservada do Chefe do Poder Executivo. Inadmissibilidade de tratamento da matéria na Lei Orgânica do Município. 1. Conversão do julgamento em diligência 2. Arguição ex officio da ilegitimidade ativa do Prefeito Municipal: acusada omissão na Lei Orgânica do Município, o Chefe do Poder Executivo local não participa de qualquer fase de seu processo legislativo, não estando em mora no cumprimento do dever de legislar.. Não vinga alegação de mora ou omissão no dever de legislar tributada à Lei Orgânica do Município em matéria (afastamento remunerado de servidor público em mandato classista) que é da reserva de iniciativa do Chefe do Poder Executivo [regime jurídico dos servidores públicos (art. 24, § 2º, 4, CE/89), considerando-se que as normas sobre processo legislativo do âmbito federal (art. 61, § 1º, II, c, CF/88) constituem modelo de observância simétrica e reprodução obrigatória nos Estados. 3. Improcedência da ação.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Douto Relator,

Colendo Órgão Especial:

 

 

 

1.                Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade promovida pela Federação dos Funcionários Públicos Municipais do Estado de São Paulo – FUPESP em razão da omissão na Lei Orgânica do Município de Bocaina de previsão de afastamento de servidor público municipal eleito para o desempenho de mandato classista em sindicato da categoria, requerendo a supressão da omissão em 180 (cento e oitenta) dias, sob pena de aplicação supletiva do art. 125, § 1º, da Constituição Estadual (fls. 02/13).

2.                A douta Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato normativo impugnado (fls. 98/100). As informações do Prefeito Municipal não foram prestadas (fl. 110). A Câmara Municipal prestou informações (fls. 102/105).

3.                É o relatório.

4.                Preliminarmente, ao prestar informações, a Câmara Municipal informou que foi apresentado o Projeto de Lei nº 004/14, em 27 de janeiro de 2014, com intenção de sanar a apontada inconstitucionalidade, com a seguinte redação:

“Art. 1º - Inclui o artigo 60-A no Capítulo IV que fica assim disposto:

‘Artigo 60-A: Fica assegurado ao servidor público, eleito para ocupar cargo em sindicato de categoria, o direito de afastar-se de suas funções, durante o tempo que durar o mandato, recebendo seus vencimentos e vantagens, nos termos da Lei’.

Ar. 2º - Esta lei entra em vigor na data de sua publicação, revogando as disposições em contrário.”

5.                Com tal previsão, o projeto de lei uma vez votado, aprovado e publicado, observado o atendimento dos propósitos da presente ação, leva à extinção do processo sem a resolução do mérito, pela perda superveniente do objeto.

6.                Assim, tratando-se de questão prejudicial, vislumbra-se a necessidade de conversão do julgamento em diligência, para que a Câmara Municipal preste novas informações a respeito da eventual aprovação do referido projeto de lei.

7.                Ademais, ex officio, suscito a ilegitimidade ativa do Prefeito Municipal. De fato, a requerente acusa omissão na Lei Orgânica do Município e o Chefe do Poder Executivo local não participa de qualquer fase de seu processo legislativo, não estando, portanto, em mora no cumprimento do dever de legislar.

9.                Posto isso, opino pela conversão do julgamento em diligência e pela parcial extinção do processo sem resolução do mérito em face do Prefeito Municipal de Bocaina.

10.              No mérito, o art. 125, § 1º, da Constituição Estadual, assegura ao servidor público eleito para cargo em sindicato da categoria o afastamento remunerado de suas funções durante o mandato, nos termos da lei, e o colendo Órgão Especial deste egrégio Tribunal de Justiça vem reiteradamente sufragando o entendimento de aplicabilidade desse preceito aos Municípios.

11.              Porém, o pedido não pode ser acolhido.

12.              A petição inicial acusa omissão da Lei Orgânica Municipal no dever de legislar.

13.              Ocorre que o afastamento remunerado de servidor público para o exercício de mandato classista não é assunto próprio da Lei Orgânica do Município, senão matéria peculiar ao regime jurídico do funcionalismo, cuja iniciativa legislativa é reservada com exclusividade ao Executivo, ex vi do disposto no art. 24, § 2º, 4, da Constituição do Estado de São Paulo, reproduzindo o art. 61, § 1º, II, c, da Constituição da República Federativa do Brasil.

14.              Assim sendo, não está a Lei Orgânica Municipal em estado de mora no dever de legislar, pois, é pacífico no Supremo Tribunal Federal que não é dado à Constituição Estadual disciplinar o regime jurídico dos servidores públicos para além das normas de reprodução obrigatória da Constituição Federal:

“DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 71 DO ADCT DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DA PARAÍBA. VENCIMENTOS E PROVENTOS DE SERVIDORES PÚBLICOS. EQUIPARAÇÃO E VINCULAÇÃO. REGIME JURÍDICO: PODER DE INICIATIVA DE LEI. ALEGAÇÃO DE OFENSA AO INCISO XIII DO ART. 37 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PROPOSITURA DA ADI PELO PROCURADOR-GERAL DO ESTADO, COM POSTERIOR RATIFICAÇÃO PELO GOVERNADOR: LEGITIMIDADE ATIVA. 1. O texto impugnado assegura ao funcionário ativo e inativo da Secretaria das Finanças, que, na conformidade da legislação então vigente, tenha exercido as funções de Tesoureiro ou de Tesoureiro-auxiliar das Recebedorias de Rendas de João Pessoa ou de Campina Grande, até a data da promulgação da Constituição, os vencimentos ou proventos correspondentes aos atribuídos ao Agente Fiscal dos Tributos Estaduais, símbolo TAF-501.1. Trata-se de equiparação e vinculação proibidas pelo inciso XIII do art. 37 da Constituição Federal, mesmo com a nova redação dada pela E.C. n° 19/98. 2. Basta observar que, aumentados os vencimentos do cargo de Agente Fiscal dos Tributos Estaduais, símbolo TAF-501.1, estarão automaticamente aumentados os vencimentos e proventos dos servidores referidos na norma em questão. 3. Além disso, não pode a Constituição Estadual, segundo pacífica jurisprudência desta Corte, retirar do Governador do Estado sua competência privativa para iniciativa de leis que disponham sobre aumento de remuneração (art. 61, II, ‘a’, da C.F.) ou sobre regime jurídico dos servidores estaduais (art. 61, II, ‘c’). 4. Ação Direta julgada procedente, declarando-se a inconstitucionalidade do art. 71 do ADCT da Constituição Estadual da Paraíba. 5. Plenário. Decisão unânime” (STF, ADI 1.977-PB, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sydney Sanches, 19-03-2003, v.u., DJ 02-05-2003, p. 25).

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 78 DO ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. REGIME JURÍDICO DE SERVIDORES ESTADUAIS. VÍCIO DE INICIATIVA. Sendo os dispositivos impugnados relativos ao regime jurídico dos servidores públicos fluminenses, resulta caracterizada a violação à norma da alínea c do inciso II do § 1.º do art. 61 da Constituição Federal, que, sendo corolário do princípio da separação de poderes, é de observância obrigatória para os Estados, inclusive no exercício do poder constituinte decorrente. Ação julgada procedente” (STF, ADI 250-RJ, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ilmar Galvão, 15-08-2002, v.u., DJ 20-09-2002, p. 87).

“I. Processo legislativo: modelo federal: iniciativa legislativa reservada: aplicabilidade, em termos, ao poder constituinte dos Estados-membros. 1. As regras básicas do processo legislativo federal são de absorção compulsória pelos Estados-membros em tudo aquilo que diga respeito - como ocorre às que enumeram casos de iniciativa legislativa reservada - ao princípio fundamental de independência e harmonia dos poderes, como delineado na Constituição da República. 2. Essas orientação - malgrado circunscrita em princípio ao regime dos poderes constituídos do Estado-membro - é de aplicar- se em termos ao poder constituinte local, quando seu trato na Constituição estadual traduza fraude ou obstrução antecipada ao jogo, na legislação ordinária, das regras básicas do processo legislativo, a partir da área de iniciativa reservada do executivo ou do judiciário: é o que se dá quando se eleva ao nível constitucional do Estado-membro assuntos miúdos do regime jurídico dos servidores públicos, sem correspondência no modelo constitucional federal, a exemplo do que sucede na espécie com a disciplina de licença especial e particularmente do direito á sua conversão em dinheiro” (STF, ADI 276-AL, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 13-11-1997, v.u., DJ 19-12-1997, p. 40).

15.              Idêntico raciocínio se devota à Lei Orgânica do Município, até porque, como já registrado, não tem o Chefe do Poder Executivo participação em qualquer das fases de seu respectivo processo legislativo.

16.              Opino pela conversão do julgamento em diligência e pela decretação da parcial extinção do processo sem resolução do mérito em face do Prefeito Municipal de Bocaina (ilegitimidade ativa), e, no mérito, pela improcedência da ação.             

São Paulo, 24 de março de 2014.

 

 

 

 

Nilo Spinola Salgado Filho

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

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