Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo nº. 0201398-47.2013.8.26.0000

Requerente: Prefeito Municipal de Sorocaba

Ementa:

1)      Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Municipal nº 10.591, de 07 de outubro de 2013, de Sorocaba, fruto de iniciativa parlamentar que dispõe sobre a “Criação de protocolo ao pedido de vagas em pré-escolas e creches e dá outras providências”.

2)      Matéria tipicamente administrativa. Iniciativa parlamentar. Invasão da esfera da gestão administrativa, reservada ao Poder Executivo. Violação ao princípio da separação de poderes (art. 5º, art. 47, II e XIV, e art. 144 da Constituição do Estado). “Reserva de administração”. Precedentes do STF.

 

 

Colendo Órgão Especial

Senhor Desembargador Relator

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Senhor Prefeito Municipal de Sorocaba, tendo como alvo a Lei Municipal 10.591, de 07 de outubro de 2013, de Sorocaba, fruto de iniciativa parlamentar que dispõe sobre a “Criação de protocolo ao pedido de vagas em pré-escolas e creches e dá outras providências”.

Sustenta o autor a inconstitucionalidade, considerada a violação à regra da separação de poderes (invasão da esfera da gestão administrativa), bem como que a lei cria despesa sem indicar a fonte de receita.

Aponta o autor, portanto, a violação aos artigos 5º, 24, §§ 2º e 5º e 25 da Constituição Paulista, bem como a violação de dispositivos da Lei Orgânica do Município e da Constituição Federal.

Foi deferida a liminar, suspendendo-se a eficácia da norma impugnada (fls. 132/133).

A Presidência da Câmara Municipal interpôs agravo regimental contra a decisão que concedeu a liminar (fls. 142/154), tendo o Col. Órgão Especial mantido a decisão agravada (fls. 159/164).

O Senhor Procurador-Geral do Estado, citado, declinou da defesa do ato normativo (fls. 169, 171/173).

A Presidência da Câmara Municipal apresentou informações, sustentando a constitucionalidade do ato normativo (fls. 175/189).

É o relato do essencial.

PRELIMINAR: IMPOSSIBILIDADE DE EXAME DE PARÂMETROS INFRACONSTITUCIONAIS OU CONTIDOS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

O exame da inconstitucionalidade apontada na inicial restringe-se, na ação direta estadual, ao confronto entre o texto normativo impugnado e a Constituição do Estado, sendo inviável a utilização de parâmetros, para fins de reconhecimento da inconstitucionalidade apontada, que estejam assentados na Constituição Federal ou na legislação infraconstitucional.

Nesse sentido, confira-se o entendimento assente do STF nos seguintes precedentes, indicados exemplificativamente: ADI 2.551-MC-QO, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 2-4-2003, Plenário, DJ de 20-4-2006; RE 597.165, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 4-4-2011, DJE de 12-4-2011.

A análise a ser aqui realizada, portanto, deve ficar limitada ao exame da existência de incompatibilidade entre a norma impugnada e a Constituição do Estado de São Paulo.

MÉRITO

A Lei Municipal nº 10.591, de 07 de outubro de 2013, de Sorocaba, fruto de iniciativa parlamentar que dispõe sobre a “Criação de protocolo ao pedido de vagas em pré-escolas e creches e dá outras providências”, tem o seguinte teor:

“(...)

Art. 1º. Quando do ato de formalização do pedido de vagas em pré-escolas e creches a Administração Pública ficará obrigada a gerar um número de protocolo aos responsáveis legais através de formulário próprio, específico para esse fim.

Art. 2º. O Poder Executivo determinará, na devida regulamentação, os critérios a serem adotados para cumprir as disposições da presente lei.

Art. 3º. As despesas com a execução da presente lei correrão por conta de verba orçamentária própria.

Art. 4º. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

(...)”

Pois bem.

A ação deve ser julgada procedente, declarando-se a inconstitucionalidade da lei impugnada.

Note-se, inicialmente, que ao determinar que específica providência administrativa seja adotada pelo Poder Público local (geração de protocolo quando do pedido de vaga em creches ou pré-escolas, bem como especificação de critérios a serem adotados para tal fim pelo Executivo Municipal), o Poder Legislativo Municipal pretende regrar atividade que está inserida na esfera da gestão executiva.

Cabe exclusivamente ao Poder Executivo deliberar a respeito da organização dos seus serviços, inclusive, voltando a atenção para a hipótese em exame, sobre a existência de protocolo, o modo e o momento em que será emitido, e como ele será utilizado relativamente à definição de prioridade de atendimento no serviço a que ele se refere, ou seja, obtenção de vagas em creches e pré-escolas municipais.

Assim, quando o Poder Legislativo do Município edita lei adotando deliberação concreta que, a rigor, cumpre exclusivamente ao Poder Executivo adotar, isso significa invasão da esfera de gestão administrativa e, portanto, violação ao princípio da separação de poderes, assentado no art. 5º e no art. 47, II e XIV da Constituição Paulista.

Em suma, cabe nitidamente à Administração Pública, e não ao legislador, deliberar a respeito do tema, por tratar-se de hipótese da denominada “reserva de administração”.

Nesse sentido o posicionamento do STF, aplicável à hipótese mutatis mutandis:

“(...)

O princípio constitucional da reserva de administração impede a ingerência normativa do Poder Legislativo em matérias sujeitas à exclusiva competência administrativa do Poder Executivo. É que, em tais matérias, o Legislativo não se qualifica como instância de revisão dos atos administrativos emanados do Poder Executivo. (...) Não cabe, desse modo, ao Poder Legislativo, sob pena de grave desrespeito ao postulado da separação de poderes, desconstituir, por lei, atos de caráter administrativo que tenham sido editados pelo Poder Executivo, no estrito desempenho de suas privativas atribuições institucionais. Essa prática legislativa, quando efetivada, subverte a função primária da lei, transgride o princípio da divisão funcional do poder, representa comportamento heterodoxo da instituição parlamentar e importa em atuação ultra vires do Poder Legislativo, que não pode, em sua atuação político-jurídica, exorbitar dos limites que definem o exercício de suas prerrogativas institucionais. (RE 427.574-ED, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 13-12-2011, Segunda Turma, DJE de 13-2-2012.)

(...)

Ofende a denominada reserva de administração, decorrência do conteúdo nuclear do princípio da separação de poderes (CF, art. 2º), a proibição de cobrança de tarifa de assinatura básica no que concerne aos serviços de água e gás, em grande medida submetidos também à incidência de leis federais (CF, art. 22, IV), mormente quando constante de ato normativo emanado do Poder Legislativo fruto de iniciativa parlamentar, porquanto supressora da margem de apreciação do chefe do Poder Executivo Distrital na condução da administração pública, no que se inclui a formulação da política pública remuneratória do serviço público. (ADI 3.343, Rel. p/ o ac. Min. Luiz Fux, julgamento em 1º-9-2011, Plenário, DJE de 22-11-2011.)

(...)

 É ponto pacífico na doutrina, bem como na jurisprudência, que ao Poder Executivo cabe primordialmente a função de administrar, que se revela em atos de planejamento, organização, direção e execução de atividades inerentes ao Poder Público.

De outra banda, ao Poder Legislativo, de forma primacial, cabe a função de editar leis, ou seja, atos normativos revestidos de generalidade e abstração.

O diploma impugnado, na prática, invadiu a esfera da gestão administrativa, que cabe ao Poder Executivo, e envolve o planejamento, a direção, a organização e a execução de atos de governo. Isso equivale à prática de ato de administração, de sorte a malferir a separação dos poderes.

Deste modo, quando a pretexto de legislar, o Poder Legislativo administra, editando leis que equivalem na prática a verdadeiros atos de administração, viola a harmonia e independência que deve existir entre os poderes estatais.

Por último e não menos importante, o ato normativo impugnado não fornece elementos concretos, que permitam aferir se do seu cumprimento decorrerá ou não aumento de despesa.

Por essa razão não deverão ser adotados como fundamentos para a declaração da inconstitucionalidade o art. 24, § 5º e o art. 25 da Constituição do Estado.

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da procedência da ação, reconhecendo-se a inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 10.591, de 07 de outubro de 2013, de Sorocaba.

São Paulo, 02 de abril de 2014.

 

Nilo Spinola Salgado Filho

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

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