Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo n. 0202306-07.2013.8.26.0000

Requerente: Prefeito do Município de Ubarana

Requeridos: Prefeito e Câmara Municipal de Ubarana

 

Ementa: Constitucional. Administrativo. Financeiro. Processual Civil. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei Complementar n. 81, de 23 de novembro de 2012, do Município de Ubarana. Criação de cargos públicos de provimento efetivo. Limites com despesa de pessoal. Falta de interesse de agir por ofensa indireta e reflexa à Constituição e exame de questão de fato. Extinção do processo sem resolução do mérito. 1. Não cabe controle abstrato de constitucionalidade por violação de norma infraconstitucional interposta (LRF), sem ocorrência de ofensa direta à Constituição. 2. A pesquisa sobre a compatibilidade da lei ao limite de despesas de pessoal caracteriza questão de fato insuscetível de sindicância no contencioso de constitucionalidade. 3. Falta de interesse de agir. 4. Extinção do processo sem resolução do mérito. 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade promovida pelo Prefeito de Ubarana impugnando a Lei Complementar n. 81, de 23 de novembro de 2012, do Município de Ubarana, que cria cargos de provimento efetivo, por incompatibilidade com os arts. 144, 150 e 169 da Constituição Estadual (fls. 02/08).

Não foi concedida liminar (fl. 43).

Foram prestadas informações pela Câmara Municipal de Ubarana (fl. 48/112).

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 118/119).

É o relatório.

Falece interesse de agir para a propositura da ação declaratória de inconstitucionalidade.

O contencioso de constitucionalidade tem por objeto unicamente lei ou ato normativo e seu parâmetro exclusivo é a Constituição Estadual (art. 125, § 2º, Constituição Federal), ainda que ela remeta, reproduza ou imite a Constituição Federal.

Bem por isso não é dado nessa estreita via o exame de atos administrativos ou questões de fato ou o contraste de lei ou ato normativo com preceitos infraconstitucionais.

Se para apontar a inconstitucionalidade de lei torna-se necessário o exame de norma infraconstitucional, como a Lei de Responsabilidade Fiscal, o caso é de extinção do processo sem resolução do mérito por falta de interesse de agir.

Com efeito, o art. 169 da Constituição do Estado de São Paulo, reproduzindo o art. 169 da Constituição da República, sujeita a despesa de pessoal na Administração Pública aos limites estabelecidos em lei complementar.

É indevida no contencioso de constitucionalidade a análise do direito infraconstitucional por caracterizar afronta indireta à Constituição. Neste sentido, já se decidiu:

DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. ADI CONTRA LEI PARANAENSE 13.519, DE 8 DE ABRIL DE 2002, QUE ESTABELECE OBRIGATORIEDADE DE INFORMAÇÃO, CONFORME ESPECIFICA, NOS RÓTULOS DE EMBALAGENS DE CAFÉ COMERCIALIZADO NO PARANÁ. ALEGAÇÃO DE OFENSA AOS ARTS. 22, I e VIII, 170, CAPUT, IV, E PARÁGRAFO ÚNICO, E 174 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PROTEÇÃO AO CONSUMIDOR. OFENSA INDIRETA. AÇÃOJULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE. I - Não há usurpação de competência da União para legislar sobre direito comercial e comércio interestadual porque o ato normativo impugnado buscou, tão-somente, assegurar a proteção ao consumidor. II - Precedente deste Tribunal (ADI 1.980, Rel. Min. Sydney Sanches) no sentido de que não invade esfera de competência da União, para legislar sobre normas gerais, lei paranaense que assegura ao consumidor o direito de obter informações sobre produtos combustíveis. III - Afronta ao texto constitucional indireta na medida em que se mostra indispensável o exame de conteúdo de outras normas infraconstitucionais, no caso, o Código do Consumidor. IV - Inocorre delegação de poder de fiscalização a particulares quando se verifica que a norma impugnada estabelece que os selos de qualidade serão emitidos por entidades vinculadas à Administração Pública estadual. V - Ação julgada parcialmente procedente apenas no ponto em que a lei impugnada estende os seus efeitos a outras unidades da Federação” (RTJ 205/1107).

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 6.004, DE 14/04/98, DO ESTADO DE ALAGOAS. ALEGADA VIOLAÇÃO AOS ARTS. 150, § 6º; E 155, § 2º, XII, G, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. AUSÊNCIA DE CONFLITO DIRETO COM O TEXTO CONSTITUCIONAL. Não cabe controle abstrato de constitucionalidade por violação de norma infraconstitucional interposta, sem ocorrência de ofensa direta à Constituição Federal. Hipótese caracterizada nos autos, em que, para aferir a validade da lei alagoana sob enfoque frente aos dispositivos da Constituição Federal, seria necessário o exame do conteúdo da Lei Complementar nº 24/75 e do Convênio 134/97, inexistindo, no caso, conflito direto com o texto constitucional. Ação direta de inconstitucionalidade não conhecida” (STF, ADI 2.122-AL, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ilmar Galvão, 04-05-2000, m.v., DJ 16-06-2000, p. 31).

Carece interesse de agir, ainda, a ação na medida em que a pesquisa acerca da compatibilidade da lei local com o art. 169 da Constituição Estadual demanda a exploração de questão de fato dependente de prova, o que é inadmissível nesta específica via.

A ação direta de inconstitucionalidade não se presta ao exame de questões que dependam da verificação ou comprovação de matéria de fato, uma vez que é cingida à análise da incompatibilidade direta e frontal entre a lei ou ato normativo e dispositivo constitucional.

Neste sentido, e inclusive tendo em vista o art. 169 da Constituição Federal, já se decidiu:

“I. Despesas de pessoal: limite de fixação delegada pela Constituição à lei complementar (CF, art. 169), o que reduz sua eventual superação à questão de ilegalidade e só mediata ou reflexamente de inconstitucionalidade, a cuja verificação não se presta a ação direta; existência, ademais, no ponto, de controvérsia de fato para cujo deslinde igualmente é inadequada a via do controle abstrato de constitucionalidade. II. Despesas de pessoal: aumento subordinado à existência de dotação orçamentária suficiente e de autorização específica na lei de diretrizes orçamentárias (CF, art. 169, parág. único, I e II): além de a sua verificação em concreto depender da solução de controvérsia de fato sobre a suficiência da dotação orçamentária e da interpretação da LDO, inclina-se a jurisprudência no STF no sentido de que a inobservância por determinada lei das mencionadas restrições constitucionais não induz à sua inconstitucionalidade, impedindo apenas a sua execução no exercício financeiro respectivo: precedentes” (STF, ADI 1.585-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 19-12-1997, v.u., DJ 03-04-1998, p. 01).

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 10.168/96, DO ESTADO DE SANTA CATARINA E RESOLUÇÃO Nº 76, DO SENADO FEDERAL. EMISSÃO DE TÍTULOS DE DÍVIDA PÚBLICA PARA PAGAMENTO DE PRECATÓRIOS. LETRAS FINANCEIRAS DO TESOURO EM VALOR SUPERIOR AOS PRECATÓRIOS PENDENTES DE PAGAMENTO À ÉPOCA DA PROMULGAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL: PRETENSÃO DE REEMBOLSO DOS VALORES JÁ EXPENDIDOS. AFRONTA AO ART. 33 DO ADCT-CF/88. MATÉRIA DE FATO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. AÇÃO DIRETA NÃO CONHECIDA. 1. Há impossibilidade de controle abstrato da constitucionalidade de lei, quando, para o deslinde da questão, se mostra indispensável o exame do conteúdo de outras normas jurídicas infraconstitucionais de lei ou matéria de fato. Precedentes. 2. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Violação ao art. 33 do ADCT/CF-1988 e ao art. 5º da EC nº 3/93. Alegação fundada em elementos que reclamam dilação probatória. Inadequação da via eleita para exame da matéria fática. 3. Ato de efeito concreto, despido de normatividade, é insuscetível de ser apreciado pelo controle concentrado. Ação direta não conhecida” (STF, ADI 1.527-SC, Tribunal Pleno, Rel. Min. Maurício Corrêa, 05-11-1997, v.u., DJ 18-05-2000, p. 430).

Aliás, na ação direta de inconstitucionalidade nº 0266323-86.2012.8.26.0000, ajuizada pelo ajuizada pelo Partido Progressista-PP, em face da mesma lei ora impugnada, assim decidiu este Egrégio Órgão Especial:

“Sem prejuízo da ilegitimidade do diretório municipal do partido político, a ação estaria fadada ao insucesso, sendo de todo inviável o seu conhecimento. Com efeito, a aferição da conformidade da lei com as normas constitucionais é feita a partir do balizamento do que se entende como parâmetro do controle abstrato de constitucionalidade. Sobre o tema, o culto Juliano Taveira Bernardes preleciona que "o problema da identificação do parâmetro de controle de constitucionalidade divide-se em dois planos. No plano temporal, depara-se  com a contenda relativa à vigência dos modelos constitucionais que serão usados no contraste com os comportamentos impugnados. No plano material, a questão está em saber diante de quais padrões normativos o controle pode ser implementado" Na hipótese dos autos, busca-se a declaração de inconstitucionalidade da Lei complementar municipal n. 82/2012, por suposta ofensa ao art 169, da Constituição Bandeirante que estabelece que "A despesa de pessoal ativo e inativo ficará sujeita aos limites estabelecidos na lei complementar a que se refere o artigo 169 da Constituição Federal". A lei complementar em questão é a  Lei n. 101/2000, que cuida da Responsabilidade Fiscal.  Em síntese, o autor aponta ofensa art. 20, III, b, da Lei Complementar 101/2000, que fixa, ao  Poder Executivo, o limite de despesa com pessoal no percentual de 54% da receita corrente líquida, sob pena de incidência das restrições previstas no art. 22, par. ún., II, do mesmo diploma legal. Assim, importa verificar se, na espécie, o parâmetro invocado na exordial (art. 169, CE c.c. Lei Complementar n. 101/2000) permite o juízo abstrato de constitucionalidade. Discorrendo sobre a questão, o i. Juliano Taveira Bernardes esclarece que "a jurisprudência o STF adota perfil restritivo ao conceito de inconstitucionalidade, resumindo-o, para fins de controle (tanto concreto quanto abstrato), somente ao descompasso direto e frontal da norma impugnada em face da Constituição Federal. Em razão desse raciocínio, a lei não pode ser utilizada  como parâmetro indireto no controle de constitucionalidade do ato que a regulamenta. A  questão, obviamente, diz respeito também ao objeto do controle." Delineia-se, portanto, óbice quanto à admissibilidade da ação direta de inconstitucionalidade, pois o vício não decorre de ofensa direta ao texto constitucional, mas de contratação entre a lei municipal e a Lei de Responsabilidade Fiscal, com vulneração indireta ao art. 169,da Constituição Bandeirante.”

 

Diante do exposto, requer-se a extinção do processo sem resolução do mérito em face da falta de interesse processual.

                  

São Paulo, 08 de abril de 2014.

 

 

        Nilo Spinola Salgado Filho

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

 

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