Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo n. 0203844-23.2013.8.26.0000

Requerente: APAS – Associação Paulista de Supermercados

Requeridos: Prefeito e Presidente da Câmara Municipal de São José dos Campos

 

 

 

 

 

Constitucional. Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n. 8.796, de 25 de setembro de 2012, do Município de São José dos Campos. Fomento. Atendimento preferencial aos doadores de sangue. Competência normativa. Princípios de igualdade, razoabilidade e proporcionalidade. Benefício exclusivamente concedido aos munícipes. Parcial procedência da ação.  1. Lei municipal que assegura aos doadores de sangue, residentes em São José dos Campos, atendimento preferencial no grande comércio e em eventos culturais e estabelecimentos de prestação de serviços bancários e lotéricos, atua no círculo da competência municipal sobre saúde, sendo válido instrumento de fomento, sem padecer de afronta aos princípios de igualdade, proporcionalidade, razoabilidade, salvo no tocante à expressão “residentes no Município”. 2. Procedência parcial da ação para declarar a inconstitucionalidade dessa expressão.   

 

 

Colendo Órgão Especial:

 

 

 

1.                Cuida-se de ação direta de inconstitucionalidade impugnando a Lei n. 8.796, de 25 de setembro de 2012, do Município de São José dos Campos, que assegura aos doadores de sangue, residentes na comuna, atendimento preferencial em estabelecimentos comerciais, supermercados, bancos, eventos culturais, hipermercados e lotéricas, alegando conflito com a Lei n. 10.205/01 editada nos termos do art. 199, § 4º, da Constituição Federal, e que demonstra sua incompatibilidade com o art. 144 da Constituição Estadual na medida em que extrapola a competência assinalada no art. 30, I e II, da Carta Magna, além de violação aos princípios de isonomia, razoabilidade e proporcionalidade, contidos no art. 111 da Constituição Estadual (fls. 02/16). Negada a liminar (fl. 66), o douto Procurador-Geral de Justiça declinou da defesa da lei (fls. 80/82) e as informações foram prestadas tendendo à improcedência da ação (fls. 87/101, 104/106).

2.                É o relatório.

3.                O fomento à doação de sangue pela instituição de situações de vantagem jurídica não é tido como ofensivo ao § 4º do art. 199 da Constituição da República. A concessão de redução de valor para o desfrute de cultura, esporte e lazer por lei, por exemplo, não foi reputada inconstitucional e afasta a arguição de violação à competência normativa, como decidido:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N. 7.737/2004, DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. GARANTIA DE MEIA ENTRADA AOS DOADORES REGULARES DE SANGUE. ACESSO A LOCAIS PÚBLICOS DE CULTURA ESPORTE E LAZER. COMPETÊNCIA CONCORRENTE ENTRE A UNIÃO, ESTADOS-MEMBROS E O DISTRITO FEDERAL PARA LEGISLAR SOBRE DIREITO ECONÔMICO. CONTROLE DAS DOAÇÕES DE SANGUE E COMPROVANTE DA REGULARIDADE. SECRETARIA DE ESTADO DA SAÚDE. CONSTITUCIONALIDADE. LIVRE INICIATIVA E ORDEM ECONÔMICA. MERCADO. INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ECONOMIA. ARTIGOS 1º, 3º, 170 E 199, § 4º DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. É certo que a ordem econômica na Constituição de 1.988 define opção por um sistema no qual joga um papel primordial a livre iniciativa. Essa circunstância não legitima, no entanto, a assertiva de que o Estado só intervirá na economia em situações excepcionais. Muito ao contrário. 2. Mais do que simples instrumento de governo, a nossa Constituição enuncia diretrizes, programas e fins a serem realizados pelo Estado e pela sociedade. Postula um plano de ação global normativo para o Estado e para a sociedade, informado pelos preceitos veiculados pelos seus artigos 1º, 3º e 170. 3. A livre iniciativa é expressão de liberdade titulada não apenas pela empresa, mas também pelo trabalho. Por isso a Constituição, ao contemplá-la, cogita também da ‘iniciativa do Estado’; não a privilegia, portanto, como bem pertinente apenas à empresa. 4. A Constituição do Brasil em seu artigo 199, § 4º, veda todo tipo de comercialização de sangue, entretanto estabelece que a lei infraconstitucional disporá sobre as condições e requisitos que facilitem a coleta de sangue. 5. O ato normativo estadual não determina recompensa financeira à doação ou estimula a comercialização de sangue. 6. Na composição entre o princípio da livre iniciativa e o direito à vida há de ser preservado o interesse da coletividade, interesse público primário. 7. Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente” (RTJ 199/209).

4.                Tem o Município competência normativa sobre o assunto desde que não contrarie a legislação federal ou estadual (arts. 23, II, 194, 196 e 198, Constituição Federal).

5.                Tampouco se verifica ofensa aos princípios de igualdade, razoabilidade ou proporcionalidade.

6.                A lei não afronta o bom senso nem a racionalidade e confere tratamento privilegiado que não é vedado pelo ordenamento jurídico em medida que se afigura adequada, necessária e proporcional.

7.                Ressalvo dessa compreensão, todavia, a expressão “residentes no Município” contida no caput do art. 1º da Lei n. 8.796/12, pois, não há razão lógica e jurídica para dispensa de tratamento privilegiado em razão do domicílio.

8.                Opino pela procedência parcial da ação para declarar-se a inconstitucionalidade da expressão “residentes no Município” contida no caput do art. 1º da Lei n. 8.796/12 de São José dos Campos.

                   São Paulo, 26 de março de 2014.

 

 

Nilo Spinola Salgado Filho

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

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