Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo nº 0204846-62.2012.8.26.0000

Requerente: Prefeita Municipal da Estância de Socorro

Requerido: Presidente da Câmara Municipal da Estância de Socorro

 

Ementa:

1) Ação direta de inconstitucionalidade, proposta pelo Chefe do Poder Executivo, em face do inciso V do art. 41 da Lei Complementar nº 59/2001, do Município de Socorro, decorrente de iniciativa parlamentar, que prevê a isenção do imposto predial territorial urbano – IPTU, para aposentados que preencherem determinadas condições.

2) Alegada usurpação da competência privativa do Chefe do Poder Executivo, violação de princípios constitucionais das finanças públicas e da vulneração do princípio do equilíbrio orçamentário.

3) Precedentes do Supremo Tribunal Federal no sentido de que, em matéria tributária, a iniciativa das leis, inclusive benéficas, é concorrente.

4) Parecer pela improcedência do pedido.

 

Colendo Órgão Especial,

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente:

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pela Prefeita Municipal da Estância de Socorro em face do inciso V, do art. 41, da Lei Complementar nº 59/2001, do Município de Socorro, decorrente de iniciativa parlamentar, que prevê a isenção do imposto predial territorial urbano – IPTU, para aposentados proprietários que preencherem determinadas condições.

Sustenta a autora que o dispositivo legal, cuja redação decorreu da Lei Complementar nº 180/2012, de iniciativa parlamentar, invade a  seara privativa do Poder Executivo Municipal, por tratar de matéria tributária e provocar modificação do orçamento com a redução de receitas sem indicação de contrapartida necessária. Daí, apontar a violação dos arts. 5º e 144, da Constituição Estadual.

Citado regularmente a fl. 64, o Procurador Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 66/67).

Notificado a fl. 68, o Presidente da Câmara Municipal prestou informações às fls. 70/72.

É a síntese do ocorrido nos autos.

A Lei Complementar nº 180, de 05 de março de 2012, do Município de Socorro, de iniciativa parlamentar, promulgada pelo Presidente da Assembleia Legislativa, depois de rejeitado o veto do Prefeito, deu nova redação ao inciso V, do art. 41, da Lei Complementar nº 59/2001, estabelecendo a isenção do Imposto Predial Territorial Urbano – IPTU para os aposentados proprietários de um único imóvel residencial que recebam até 02 (dois) salários mínimos da previdência social e que tenham renda familiar até 03 (três) salários mínimos.

O dispositivo legal impugnado, como se vê, tem a natureza de norma tributária benéfica, porque amplia isenções de IPTU para a hipótese nele contemplada.

De forma majoritária, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo tem declarado a inconstitucionalidade de leis de iniciativa parlamentar que instituem benefícios fiscais.

Tem prevalecido o entendimento de que as normas de tal espécie, porque diminuem a receita, somente poderiam ser concebidas pelo Poder Executivo, que é o encarregado da execução do orçamento.

Colhe-se, em recente acórdão, a comprovação dessa assertiva:

DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Lei n° 3.334, de 13 de fevereiro de 2012, do Município de Itapeva, que excluiu da tabela anexa e integrante da lei n. 2.090/2.003, denominada Lista de Serviços / Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza - ISSQN, itens ns. 33.00 e 33.01, as alíquotas a que alude o art. 29, sobre a prestação de serviços previstos na lista constante do art. 37, ambos da lei n. 1.102/97 – Código Tributário do Município de Itapeva, notadamente, após a rejeição do veto, as relativas aos de desembaraço aduaneiro, dos comissários, despachantes e congêneres (v. fls. 40), pois deixaram de incidir sobre o preço do serviço para serem substituídas por valor fixo de lançamento do tributo. Matéria tributária relativa a benefício que afeta o orçamento do Município, por implicar em pretensa renúncia de receita fiscal. Iniciativa de lei reservada ao chefe do Poder Executivo, por se tratar de lei benéfica. Precedentes deste Órgão Especial. Lei autorizativa. Possibilidade de edição apenas nos casos expressos na Constituição Estadual, não cabendo em matérias de iniciativa exclusiva do Poder Executivo. Inconstitucionalidade manifesta. Afronta aos artigos 5o, 144 e 174, todos da Constituição do Estado de São Paulo. Ação julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade da lei impugnada. (ADIN nº 0064434-81.2012.8.26.0000, Relator Des. Alves Bevilacqua, julgado em 03/10/2012).

Essa orientação tem apoio em Roque Antonio Carraza que depois de anotar que a iniciativa das leis que criam e aumentam tributos é ampla, cabendo, portanto, a qualquer membro do Legislativo, ao chefe do Executivo, aos cidadãos etc., afirma que o raciocínio não vale para as leis benéficas, cuja iniciativa está reservada ao Chefe do Poder Executivo (Presidente, Governador, Prefeito). Leis benéficas, segundo seu entendimento, são aquelas que, quando aplicadas, acarretam diminuição de receita, como as que concedem isenções tributárias, parcelam débitos fiscais, aumentem prazos para o normal recolhimento de tributos, etc. (Curso de Direito Constitucional Brasileiro. 23a ed , 2007, São Paulo: Malheiros Editores, p. 303-304).

A orientação contrária, no entanto, apoia-se no fato de que, em matéria tributária, a competência legislativa é concorrente (art. 61 da CF e art. 24 da CE).

Desse modo, não haveria inconstitucionalidade por vício de iniciativa na lei que institui incentivo fiscal, pois a norma não estaria versando sobre matéria orçamentária, nem aumentando a despesa do Município.

Esse Colendo Órgão Especial vem acolhendo tal tese, alterando a anterior posição majoritária, conforme as ementas de recentes julgados:

Lei n° 2.040, de 1º de dezembro de 2009, do Município de Itapecerica da Serra, que altera os incisos II e III da Lei Municipal n° 639, de 19 de dezembro de 1990, que institui o Código Tributário do Município de Itapecerica da Serra. Arguição de inconstitucionalidade. Redução de alíquotas da taxa de funcionamento. Iniciativa parlamentar. Rejeição de veto e promulgação pelo Presidente da Câmara Municipal. Competência comum e concorrente (arí. 61 da CF e art. 24 da CE). Inexistência de aumento de despesas. Preservação da independência e harmonia dos Poderes. Constitucionalidade reconhecida. Ação improcedente. (ADIN nº 0282214-84.2011.8.26.0000, Relator Des. Luiz Pantaleão, julgada em 03/10/2012).

Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei complementar municipal que altera o Código Tributário Municipal e concede o parcelamento do pagamento do ITBI a pessoa física. Ausência de vício de iniciativa. Precedentes do STF e do Órgão Especial. Ação ajuizada pelo Município e não pelo Prefeito. Ilegitimidade ativa reconhecida. Ação julgada extinta, sem apreciação do mérito. (ADIN nº 0133374-35.2011.8.26.0000, Relator Des. Cauduru Padin, julgada em 12/09/2012).

Ação direta de inconstitucionalidade de lei - Lei Complementar Municipal n° 205/2011, do Município de Suzano - Vício de iniciativa - Inocorrência - Matéria tributária, artigos 61 da Constituição Federal e 24 da Constituição Bandeirante - Precedentes do STF- Ação improcedente. (ADIN nº 0003307-45.2012.8.26.0000, Relator Des. Ademir Benedito, julgada em 01/08/2012).

Ademais, essa é a tese que prevalece no Supremo Tribunal Federal. Em acórdão, da lavra do em. Ministro Eros Grau, ficou consignado:

“O texto normativo impugnado dispõe sobre matéria de caráter tributário, isenções, matéria que, segundo entendimento dessa Corte, é de iniciativa comum ou concorrente; não há, no caso, iniciativa [parlamentar] reservada ao Chefe do Poder Executivo. Tem-se por superado, nesta Corte, o debate a propósito de vício de iniciativa referente à matéria tributária” (ADI 3.809/ES, j. 14.6.07. Disponível em www.stf.gov.br. Acesso em 15 out. 2008, g.n.).

Os seguintes julgados (citados no v. acórdão destacado) comprovam essa assertiva:

“EMENTA: I. Ação direta de inconstitucionalidade: L. est. 2.207/00, do Estado do Mato Grosso do Sul (redação do art. 1º da L. est. 2.417/02), que isenta os aposentados e pensionistas do antigo sistema estadual de previdência da contribuição destinada ao custeio de plano de saúde dos servidores Estado: inconstitucionalidade declarada. II. Ação direta de inconstitucionalidade: conhecimento. 1. À vista do modelo dúplice de controle de constitucionalidade por nós adotado, a admissibilidade da ação direta não está condicionada à inviabilidade do controle difuso. 2. A norma impugnada é dotada de generalidade, abstração e impessoalidade, bem como é independente do restante da lei. III. Processo legislativo: matéria tributária: inexistência de reserva de iniciativa do Executivo, sendo impertinente a invocação do art. 61, § 1º, II, b, da Constituição, que diz respeito exclusivamente aos Territórios Federais. IV. Seguridade social: norma que concede benefício: necessidade de previsão legal de fonte de custeio, inexistente no caso (CF, art. 195, § 5º): precedentes (ADI 3205/MS - Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Julgamento: 19/10/2006, Órgão Julgador: Tribunal Pleno, Publicação DJ 17-11-2006 PP-00047)

EMENTA: CONSTITUCIONAL. LEI DE ORIGEM PARLAMENTAR QUE FIXA MULTA AOS ESTABELECIMENTOS QUE NÃO INSTALAREM OU NÃO UTILIZAREM EQUIPAMENTO EMISSOR DE CUPOM FISCAL. PREVISÃO DE REDUÇÃO E ISENÇÃO DAS MULTAS EM SITUAÇÕES PRÉ-DEFINIDAS. ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA NÃO LEGISLOU SOBRE ORÇAMENTO, MAS SOBRE MATÉRIA TRIBUTÁRIA CUJA ALEGAÇÃO DE VÍCIO DE INICIATIVA ENCONTRA-SE SUPERADA. MATÉRIA DE INICIATIVA COMUM OU CONCORRENTE. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE (ADI 2659/SC - Min. NELSON JOBIM, Julgamento: 03/12/2003, Publicação DJ 06-02-2004 PP-00022)

É inequívoco que, ao estabelecer isenção no Imposto Predial Territorial Urbano – IPTU, haverá diminuição de receita, com impacto no orçamento.  Toda política pública, entretanto, tem impacto no orçamento, realidade que não pode ser levada em conta para caracterizar como orçamentária a norma que a estabelece.

Desse modo, curvando-me à orientação do Supremo Tribunal Federal, não vislumbro a inconstitucionalidade do dispositivo legal impugnado.

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da improcedência desta ação direta de inconstitucionalidade.

 

São Paulo, 14 de fevereiro de 2013.

       

 

 

Sérgio Turra Sobrane

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

 

 

aca