Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo nº 0204856-09.2012.8.26.0000

Requerente: Prefeita Municipal da Estância de Socorro

Objeto: Lei nº 3.638, de 17 de abril de 2012, da Estância de Socorro.

 

 

Ementa:

1.      Ação direta de inconstitucionalidade. Iniciativa parlamentar. Lei nº 3.638/2012, de 17 de abril de 2012, da Estância de Socorro que incluiu o § 3° ao art. 1° da Lei Municipal nº 3.036/2004, estendendo o auxílio alimentação aos servidores em gozo de auxílio doença.

2.      Processo objetivo. Causa de pedir aberta. Possibilidade de reconhecimento da inconstitucionalidade por fundamento não apontado na inicial.

3.      Inicial não assinada pela Prefeita Municipal, embora tenha rubricado as demais páginas. Necessidade de regularização da inicial nos termos do art. 284 do Código de Processo Penal.

4.      Mérito. A disciplina do gozo de vantagem (auxílio alimentação) devida aos servidores públicos é matéria inserida na reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo. Aumento de despesa sem a indicação da respectiva fonte de custeio. Violação dos art. 24, § 2º, 1 e 4, e art. 25 da Constituição Estadual.

5.      O auxílio alimentação é vantagem pecuniária de natureza indenizatória, não incorporável, só integra os vencimentos do servidor municipal no exercício do cargo.

6.      O afastamento para tratamento de saúde (gozo do auxílio doença) implica a suspensão temporária do exercício das funções do cargo, sendo incompatível com alguns direitos fundados no exercício do cargo que não admitem ficção legal acerca do efetivo exercício, hauridos por interpretação sistemática que não conduza a disfunções exegéticas e, sobretudo, não crie situações de conflitualidade com o ordenamento jurídico inteiro e, mormente, com os princípios de moralidade, razoabilidade e proporcionalidade ou com a natureza do acréscimo pecuniário.  Jurisprudência do STF e do STJ que refuta a percepção dessa vantagem pecuniária indenizatória por aqueles afastados da carreira, inativos ou que não se encontrem no efetivo exercício do cargo. Violação dos arts. 111 e 128 da Constituição Federal.

7.      Inconstitucionalidade reconhecida.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pela Prefeita Municipal da Estância de Socorro, tendo por objeto a Lei nº 3.638/2012, de 17 de abril de 2012, daquele Município, que incluiu o § 3° ao art. 1° da Lei Municipal nº 3.036/2004, estendendo o auxílio alimentação aos servidores em gozo de auxílio doença.

Sustenta a autora que o ato normativo impugnado é inconstitucional porque contém vício de iniciativa, uma vez que disciplina questão referente à organização administrativa, em especial sobre pessoal da administração, de competência privativa do Executivo, nos termos do art. 39, IV da Lei Orgânica Municipal. Afirma, ainda, violação dos princípios constitucionais das finanças públicas, por criação de despesas sem o devido estudo de impacto orçamentário e indicação da fonte de recursos. Daí a alegação de violação dos arts. 5º, 25 e 144 e da Constituição Estadual.

Citado regularmente a fl. 41, o Procurador Geral do Estado declinou de manifestar sob o fundamento de que se trata de matéria exclusivamente local (fls. 44/45).

Notificado (fl. 42), o Presidente da Câmara Municipal não prestou informações.

É a síntese do que consta dos autos.

PRELIMINARMENTE

A inicial deve ser regularizada, uma vez que não se encontra assinada pela Prefeita Municipal, não obstante ter rubricado as demais folhas.

Ainda que tenha sido assinada por advogados, não consta nos autos procuração firmada pela autora.

Assim, tratando-se, evidentemente, de mero descuido, nos termos do art. 284 do Código de Processo Penal,  r. seja a autora intimada para regularização da inicial, sob pena de indeferimento.

NO MÉRITO

Em relação à alegação de que o ato normativo viola o art. 39, IV da Lei Orgânica Municipal, que em simetria com o art. 61, § 1º, b da Constituição Federal, estabelece que é de iniciativa privativa do Poder Executivo leis que disponham sobre a organização administrativa,  forçoso consignar que a propositura de ação direta de inconstitucionalidade não se mostra como meio viável ao controle concentrado na norma, pois não se verifica contrariedade direta à norma constitucional Estadual.

A ativação da jurisdição constitucional só se instaura para o confronto da espécie normativa objeto de controle em face da Constituição Estadual. 

De qualquer forma, passa-se a análise do mérito exclusivamente no que se refere à afirmação de contrariedade ao princípio da independência dos poderes previsto no art. 5º da Constituição Estadual e a outros princípios da Constituição Federal, que, por força do art. 144 da Carta Paulista, vinculam o legislador estadual e municipal.

O ato normativo impugnado, fruto de iniciativa parlamentar, cujo veto do Executivo foi derrubado pela Câmara Municipal, apresenta vício de inconstitucionalidade formal por disciplinar matéria inserida na reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo (art. 24, § 2º, 1 e 4, Constituição Estadual). Viola também o art. 25, da Constituição do Estado, por implicar aumento de despesa pública sem a indicação dos recursos disponíveis. De outro lado, há contrariedade aos arts. 111 e 128 da Constituição Estadual, por depender o auxílio alimentação do efetivo exercício do cargo, sendo incompatível sua concessão aos servidores em gozo de auxílio doença.

DO VÍCIO FORMAL DE INICIATIVA

O processo legislativo, compreendido o conjunto de atos (iniciativa, emenda, votação, sanção e veto) realizados para a formação das leis, é objeto de minuciosa previsão na Constituição Federal, para que se constitua em meio garantidor da independência e harmonia dos Poderes.

O desrespeito às normas do processo legislativo, cujas linhas mestras estão traçadas na Constituição da República, conduz à inconstitucionalidade formal do ato produzido, que poderá sofrer o controle repressivo, difuso ou concentrado, por parte do Poder Judiciário.

A iniciativa, ato que deflagra o processo legislativo, pode ser geral ou reservada (ou privativa).

O ato normativo impugnado, de iniciativa parlamentar, acrescentou o § 3º ao art. 1º da Lei nº 3.036, de 16 de abril de 2004, do Município de Socorro, estendendo o benefício do auxílio alimentação aos servidores em gozo de auxílio doença.

Trata-se de matéria relativa à remuneração de servidores públicos e aspectos integrantes de seu regime jurídico, cuja iniciativa cabe ao Chefe do Executivo.

A propósito, a Constituição Estadual estabelece que cabe exclusivamente ao Governador a iniciativa das leis que disponham sobre fixação da remuneração dos cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica, bem como sobre servidores públicos e seu regime jurídico (CE, art. 24, § 2°, 1 e 4).

Tal regramento deve ser observado pelos Municípios por força do princípio da simetria previsto no art. 144 da Constituição Paulista.

Assim, quando o Poder Legislativo do Município edita lei disciplinando matéria relativa a servidores públicos e regime remuneratório, como ocorre, no caso em exame, em função da extensão do auxílio alimentação aos servidores em gozo do auxílio doença, invade, indevidamente, esfera que é própria da atividade do Administrador Público, violando o princípio da separação de poderes.

A previsão de vantagens remuneratórias aos servidores públicos é atividade nitidamente administrativa, representativa de ato de gestão, de escolha política para a satisfação das necessidades essenciais coletivas, vinculadas aos direitos fundamentais. Assim, é privativa do Poder Executivo.

É pacífico na doutrina, bem como na jurisprudência, que ao Poder Executivo cabe, primordialmente, a função de administrar, que se revela em atos de planejamento, organização, direção e execução de atividades inerentes ao Poder Público.

De outra banda, ao Poder Legislativo, de forma primacial, cabe a função de editar leis, ou seja, atos normativos revestidos de generalidade e abstração.

O diploma impugnado, na prática, invadiu a esfera da gestão administrativa, que cabe ao Poder Executivo e envolve o planejamento, a direção, a organização e a execução de atos de governo, no caso em análise representados pela previsão de vantagens remuneratórias a servidores públicos. A atuação legislativa impugnada equivale à prática de ato de administração, de sorte a violar a garantia constitucional da separação dos poderes.

Cumpre recordar aqui o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que “a Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar. (...) O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que residem a harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional (art.2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante”. Sintetiza, ademais, que “todo ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art. 2º c/c o art. 31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito municipal brasileiro, 15. ed., atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo, Malheiros, 2006, p. 708 e 712).

Deste modo, quando a pretexto de legislar, o Poder Legislativo administra, editando leis que equivalem na prática a verdadeiros atos de administração, viola a harmonia e independência que deve existir entre os poderes estatais.

A inconstitucionalidade, portanto, decorre da violação da reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo, prevista na Constituição Paulista e aplicável aos Municípios (arts. 24, § 2°, 1 e 4 e 144).

Neste sentido, é o entendimento do Supremo Tribunal Federal, senão vejamos:

“INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Lei nº 740/2003, do Estado do Amapá. Competência legislativa. Servidor Público. Regime jurídico. Vencimentos. Acréscimo de vantagem pecuniária. Adicional de Desempenho a certa classe de servidores. Inadmissibilidade. Matéria de iniciativa exclusiva do Governador do Estado, Chefe do Poder Executivo. Usurpação caracterizada. Inconstitucionalidade formal reconhecida. Ofensa ao art. 61, § 1º, II, alínea ‘a’, da CF, aplicáveis aos estados. Ação julgada procedente. Precedentes. É inconstitucional a lei que, de iniciativa parlamentar, conceda ou autorize conceder vantagem pecuniária a certa classe de servidores públicos” (STF, ADI 3.176-AP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Cezar Peluso, 30-06-2011, v.u., DJe 05-08-2011).

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE. CONCESSÃO DE VANTAGENS PECUNIÁRIAS A SERVIDORES PÚBLICOS. SIMETRIA. VÍCIO DE INICIATIVA. 1. As regras de processo legislativo previstas na Carta Federal aplicam-se aos Estados-membros, inclusive para criar ou revisar as respectivas Constituições. Incidência do princípio da simetria a limitar o Poder Constituinte Estadual decorrente. 2. Compete exclusivamente ao Chefe do Poder Executivo a iniciativa de leis, lato sensu, que cuidem do regime jurídico e da remuneração dos servidores públicos (CF artigo 61, § 1º, II, ‘a’ e ‘c’ c/c artigos 2º e 25). Precedentes. Inconstitucionalidade do § 4º do artigo 28 da Constituição do Estado do Rio Grande do Norte. Ação procedente” (STF, ADI 1.353-RN, Tribunal Pleno, Rel. Min. Maurício Corrêa, 20-03-2003, v.u., DJ 16-05-2003, p. 89).

A propósito, convém destacar a seguinte decisão desse Colendo Órgão Especial:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. VICIO DE INICIATIVA. Lei municipal de  autoria de membro do Poder  Legislativo que  dispõe sobre a concessão de  auxílio-alimentação  aos servidores. Matéria  inserida na reserva de iniciativa do Chefe do  Executivo.  Separação dos Poderes. Ofensa aos art. 5º, "caput", da CESP, e  a 2° da CF/88. Caracterização de vício de iniciativa. Inconstitucionalidade formal subjetiva. Ação julgada procedente. (ADI nº 0269127-61.2011.8.26.0000, Rel. Des. Roberto Mac Cracken, j. 21 de março de 2012)

DA VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA MORALIDADE, E RAZOABILIDADE

Não bastasse a inconstitucionalidade formal apontada, o ato normativo também não resiste a uma análise à luz de preceitos e fundamentos constitucionais estaduais não mencionados na petição inicial.

 Oportuno consignar que a ação direta estadual é processo objetivo de verificação da incompatibilidade entre a lei e a Constituição do Estado. A causa de pedir consiste na violação a Constituição Estadual, razão pela qual tem sido denominada como causa de pedir aberta possibilitando no controle concentrado de constitucionalidade o acolhimento por fundamento ou parâmetro não apontado na inicial.

A propósito, anota Juliano Taveira Bernardes que no processo objetivo, “Segundo o STF, o âmbito de cognoscibilidade da questão constitucional não se adstringe aos fundamentos constitucionais invocados pelo requerente, pois abarca todas as normas que compõe a Constituição Federal. Daí, a fundamentação dada pelo requerente pode ser desconsiderada e suprida por outra encontrada pela Corte” (Controle abstrato de constitucionalidade, São Paulo, Saraiva, 2004, p. 436).

Assim vem decidindo o Col. STF:

“(...)

Ementa: constitucional. (...). 'Causa petendi' aberta, que permite examinar a questão por fundamento diverso daquele alegado pelo requerente. (...) (ADI 1749/DF, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI, Rel. p. acórdão Min. NELSON JOBIM, j. 25/11/1999, Tribunal Pleno , DJ 15-04-2005, PP-00005, EMENT VOL-02187-01, PP-00094, g.n.).

Fixada esta premissa, necessário verificar se o ato normativo impugnado, que traz uma vantagem pecuniária ao servidor público, atende aos princípios que regem a administração pública e aos limites fixados no art. 128 da Constituição Estadual que estabelece que:

Artigo 128 - As vantagens de qualquer natureza só poderão ser instituídas por lei e quando atendam efetivamente ao interesse público e às exigências do serviço.

A necessidade de verificar a vantagem pecuniária atende efetivamente ao interesse público e às exigências do serviço, está motivada pela sobriedade e prudência que os Municípios devem ter em relação à gestão do dinheiro público. Não se desconsidera a importância dos pleitos salariais dos servidores, muitas vezes defasados: apenas entende-se que tais demandas não podem ser atendidas se, com isso, forem editadas normas que infrinjam os princípios orientadores da Administração Pública, constitucionalmente previstos.

A instituição de vantagens pecuniárias para servidores públicos só se mostra legítima se realizada em conformidade com o interesse público e com as exigências do serviço, nos termos do art. 128 da Constituição do Estado, aplicável aos municípios por força do art. 144 da mesma Carta.

A extensão do denominado “auxílio-alimentação” aos servidores públicos afastados por motivo de saúde não atende a nenhum interesse público, e tampouco às exigências do serviço, servindo apenas como mecanismo destinado a beneficiar interesses exclusivamente privados dos agentes públicos.

Ademais, o ato normativo impugnado que o instituiu contraria o princípio da razoabilidade, que deve nortear a Administração Pública e a atividade legislativa e tem assento no art. 111 da Constituição do Estado, aplicável aos Municípios por força do art. 144 da mesma Carta.

Por força desse princípio é necessário que a norma passe pelo denominado “teste” de razoabilidade, ou seja, que ela seja: (a) necessária (a partir da perspectiva dos anseios da Administração Pública); (b) adequada (considerando os fins públicos que com a norma se pretende alcançar); e (c) proporcional em sentido estrito (que as restrições, imposições ou ônus dela decorrentes não sejam excessivos ou incompatíveis com os resultados a alcançar).

O auxílio alimentação garantido aos servidores em gozo de auxílio doença não passa por nenhum dos critérios do teste de razoabilidade: (a) não atende a nenhuma necessidade da Administração Pública, vindo em benefício exclusivamente da conveniência dos servidores públicos beneficiados por essa vantagem pecuniária; (b) é, por consequência, inadequada na perspectiva do interesse público; (c) é desproporcional em sentido estrito, pois cria ônus financeiros que naturalmente se mostram excessivos e inadmissíveis, tendo em vista que não acarretarão benefício algum para a Administração Pública.

Manifesta-se claramente o desrespeito ao princípio da razoabilidade, pela desnecessidade de previsão normativa e por sua inadequação do ponto de vista do Poder Público, bem ainda pela falta de proporcionalidade em sentido estrito, ao criar encargos que não se justificam: não se pode efetuar o pagamento de verba indenizatória a inativos, nestes incluídos aqueles afastados temporariamente, e pensionistas (recorde-se mais uma vez o caráter indenizatório do auxílio-alimentação), sem que haja razão legítima para tal reparação.

A ofensa ao princípio da razoabilidade tem servido, em julgados desse E. Tribunal de Justiça, ao reconhecimento da inconstitucionalidade de leis que criam ônus excessivos e desnecessários para seus destinatários ou para o próprio Poder Público. Senão vejamos:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEIS DO MUNICÍPIO DE BARRA BONITA QUE INSTITUEM "ABONO ANIVERSÁRIO" E "AUXÍLIO ALIMENTAÇÃO" ESTENDIDO  AOS SERVIDORES INATIVOS - ALEGADA INFRINGÊNCIA AO ART. 128 DA CONSTITUIÇÃO BANDEIRANTE ADMISSIBILIDADE - NORMAS QUE, DEMAIS, VULNERAM OS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE, APLICÁVEIS À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. (ADI n° 0136976-34.2011.8.26.0000, Rel. Des. Renato Nalini, j. 16 de novembro de 2011)

Confira-se: ADI 152.442-0/1-00, j. 07.05.08, v.u., rel. des. Penteado Navarro; ADI 150.574-0/9-00, j. 07.05.08, v.u., rel; des. Debatin Cardoso.

De outro lado, o “auxílio-alimentação”, previsto em leis que tratam do regime remuneratório de servidores públicos, tem natureza indenizatória.

Hely Lopes Meirelles, (Direito Administrativo Brasileiro, 34. Ed., São Paulo, Malheiros, 2008, p. 504), a propósito das indenizações concedidas aos servidores públicos recorda que:

“(...)

São previstas em lei e destinam-se a indenizar o servidor por gastos em razão da função. Seus valores podem ser fixados em lei ou em decreto, se aquela permitir. Tendo natureza jurídica indenizatória, não se incorporam à remuneração não repercutem no cálculo dos benefícios previdenciários e não estão sujeitas ao imposto de renda. Normalmente, recebem as seguintes denominações: ajuda de custo (...) diárias (...) auxílio-transporte (...)

Outras podem ser previstas pela lei, desde que tenham natureza indenizatória.

(...)”

Nesse sentido, ainda, Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, 25. Ed., São Paulo, Malheiros, 2008, p. 308.

Tratando-se de verba de caráter indenizatório, só se mostra legítima sua concessão aos servidores em atividade, não aos inativos ou àqueles temporariamente afastados.

Esse entendimento encontra-se, inclusive, assentado na súmula 680 do Col. STF, cujo verbete tem a seguinte redação:

“(...)

Súmula 680: O direito ao auxílio-alimentação não se estende aos servidores inativos.

(...)”

Além disso, em inúmeros julgados o Col. STF explicitou as razões da impossibilidade de extensão da referida vantagem pecuniária aos inativos e pensionistas.  Nesse sentido confira-se, a título exemplificativo:

“(...)

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. AUXÍLIO-ALIMENTAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE EXTENSÃO AOS INATIVOS: NATUREZA INDENIZATÓRIA. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. AI 668.391 AgR/SC, 1ª T., rel. Min. Cármen Lúcia, j. 26/05/2009, DJe 118, 25-06-2009:

“O auxílio-alimentação é vantagem pecuniária pro labore faciendo e tem seu contorno jurídico estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal como direito que depende do efetivo exercício e que ‘não se estende aos inativos e pensionistas, vez que se trata de verba indenizatória destinada a cobrir os custos de refeição devida exclusivamente ao servidor que se encontrar no exercício de suas funções, não se incorporando à remuneração nem aos proventos de aposentadoria’ (STF, AgR-AI 586.615-PR, 2ª Turma, Rel. Min. Eros Grau, 08-08-2006, v.u., DJ 01-09-2006, p. 37)” (Protocolado n. 50.897/12 – fls. 345/346).

 (...)”

 “- Auxílio-alimentação. - Esta Corte tem entendido que o direito ao vale-alimentação ou auxílio-alimentação não se estende aos inativos por força do § 4º do artigo 40 da Constituição Federal, porquanto se trata, em verdade, de verba indenizatória destinada a cobrir os custos de refeição devida exclusivamente ao servidor que se encontrar no exercício de suas funções, não se incorporando à remuneração nem aos proventos de aposentadoria (assim, a título exemplificativo, nos RREE 220.713, 220.048, 228.083, 237.362 e 227.036). Dessa orientação divergiu o acórdão recorrido. Recurso extraordinário conhecido e provido” (STF, RE 332.445-RS, 1ª Turma, Rel. Min. Moreira Alves, 16-04-2002, v.u., DJ 24-05-2002, p. 67).

Importante ressaltar que embora não trazida aos autos normatização acerca do regime jurídico dos servidores municipais da cidade de Socorro, nos termos da legislação trabalhista o segurado em gozo de auxílio-doença considerado pelo seu empregador como licenciado (art. 80 Regulamento da Previdência Social). Ainda pela CLT (art. 476), a interrupção do trabalho em tal circunstância se transforma em suspensão do contrato de trabalho, ou, usando a expressão da lei: "licença não remunerada."

A indenização a que se refere o “auxílio-alimentação” está estritamente relacionada ao desempenho funcional, considerado o reembolso por despesas realizadas pelo servidor em atividade, e que, naturalmente, não ocorrem quando se trata de pensionista ou inativo.

Pelos mesmos motivos, não se justifica a extensão de tal vantagem aos servidores afastados para tratamento de saúde, uma vez que permanecendo temporariamente inativos ou licenciado, utilizando a terminologia da legislação trabalhista e previdenciárias, não se mostra razoável e nem informado pelo interesse público a destinação de verba para cobrir despesas extraordinárias com alimentação, já que permanecendo na própria residência, não há gastos daquela natureza.

Assim, extensão do auxílio-alimentação aos servidores em gozo de auxílio-doença também não encontra apoio no interesse público e nas exigências do serviço, contrariando os arts. 111 e 128 da Constituição Paulista, aplicáveis aos Municípios por força do art. 144 da mesma Carta.

DA VIOLAÇÃO AO ART. 25 DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL 

O ato normativo impugnado também viola o art. 25 da Constituição Paulista por gerar aumento de despesa sem a indicação da respectiva fonte de custeio.

A extensão do auxílio alimentação aos servidores públicos em gozo de auxílio doença importará aumento das despesas públicas, o que impõe necessidade de planejamento e previsão orçamentária, razão da atribuição de iniciativa privativa ao Executivo e da limitação imposta pelo art. 25 da Constituição Estadual.

Diante do exposto, o pedido deve ser julgado procedente reconhecendo-se a inconstitucionalidade da Lei nº 3.638, de 17 de abril de 2012, da Estância de Socorro.

 

                             São Paulo, 23 de janeiro de 2013.

 

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

 

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