Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo nº0205167-63.2013.8.26.0000

Requerente: Prefeito Municipal de Cosmópolis

Requerido: Presidente da Câmara Municipal de Cosmópolis

 

Ementa:

1) Ação direta de inconstitucionalidade, ajuizada por Prefeito, em face das Emendas ns. 43/2013, 30/2005 e 25/2003 à Lei Orgânica do Município de Cosmópolis, que deram nova redação ao art. 243 da referida lei. Reembolsos mensais das mensalidades que o Poder Público deverá efetuar aos servidores públicos municipais efetivos e comissionados, que cursem escolas de nível superior fora do Município em percentual maior do que o inicialmente fixado. Alegação de que referidas normas geram despesa não prevista no projeto original e que, por tal motivo, configura usurpação das atribuições do Prefeito.

2) Processo objetivo. Causa de pedir aberta. Possibilidade de reconhecimento da inconstitucionalidade por fundamento não apontado na inicial.

3) Violação dos arts. 5°, 24, § 2°, 1 e 4, 111, 128 e 144 da Constituição do Estado.

4) Parecer pela procedência da ação para que seja declarada a inconstitucionalidade do art. 243 da Lei Orgânica do Município de Cosmópolis e das Emendas ns. 43/2013, 30/2005 e 25/2003 à Lei Orgânica do Município de Cosmópolis, que modificaram a sua redação.

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

1. Relatório.

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de Cosmópolis, em face das Emendas ns. 43/2013, 30/2005 e 25/2003 à Lei Orgânica do Município de Cosmópolis, que deram nova redação ao art. 243 da referida lei.

Sustenta o autor, em síntese, que as emendas impugnadas são inconstitucionais por ferirem o princípio da separação dos poderes e por gerarem aumento de despesa sem indicação de recursos.

Daí porque aponta como violados os arts. 5º, 47, II e XV, da Constituição Estadual, o art. 63 da Constituição Federal e o art. 46 da Lei Orgânica Municipal.

O pedido de medida liminar foi indeferido (fls. 28/31).

 A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa da norma impugnada, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 39/40).

O Presidente da Câmara Municipal prestou informações em defesa da norma impugnada (fls. 43/45).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

2. Dos atos normativos impugnados.

Inicialmente, oportuno consignar que a ação direta estadual é processo objetivo de verificação da incompatibilidade entre a lei e a Constituição do Estado. Por essa razão é possível aferir-se a ilegitimidade constitucional do ato normativo impugnado à luz de preceitos e fundamentos constitucionais estaduais não mencionados na petição inicial.

A causa de pedir consiste na violação à Constituição Estadual, razão pela qual tem sido denominada como causa de pedir aberta, possibilitando no controle concentrado de constitucionalidade o acolhimento por fundamento ou parâmetro não apontado na inicial.

A propósito, anota Juliano Taveira Bernardes que, no processo objetivo, “Segundo o STF, o âmbito de cognoscibilidade da questão constitucional não se adstringe aos fundamentos constitucionais invocados pelo requerente, pois abarca todas as normas que compõe a Constituição Federal. Daí, a fundamentação dada pelo requerente pode ser desconsiderada e suprida por outra encontrada pela Corte” (Controle abstrato de constitucionalidade, São Paulo, Saraiva, 2004, p. 436).

Assim vem decidindo o Col. Supremo Tribunal Federal:

 “(...)

 Ementa: constitucional. (...). 'Causa petendi' aberta, que permite examinar a questão por fundamento diverso daquele alegado pelo requerente. (...) (ADI 1749/DF, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI, Rel. p. acórdão Min. NELSON JOBIM, j. 25/11/1999, Tribunal Pleno , DJ 15-04-2005, PP-00005, EMENT VOL-02187-01, PP-00094, g.n.).

 (...)”

 Confira-se ainda, nesse mesmo sentido: ADI 3576/RS, Rel. Min. ELLEN GRACIE, j. 22/11/2006, Tribunal Pleno, DJ 02-02-2007, PP-00071, EMENT VOL-02262-02, PP-00376.

Oportuno consignar, também, que o parâmetro exclusivo do controle de constitucionalidade pela via abstrata, concentrada e direta de lei ou ato normativo municipal é a Constituição Estadual (art. 125, § 2º, CF), razão pela qual se afigura inidôneo o seu contraste com normas da Lei Orgânica Municipal.

Por este motivo, passa-se a análise tão só de eventual contraste dos atos normativos impugnados com da Constituição Estadual.

Com efeito, a redação inicial do art. 243 da Lei Orgânica do Município de Cosmópolis, assim dispõe:

“Art. 243 – O Poder Público Municipal deverá reembolsar mensalmente os servidores públicos que cursem escolas de nível superior em outros Municípios, no mínimo, 30% (trinta por cento) das suas mensalidades”.

Referido dispositivo foi alterado pelas Emendas impugnadas.

A Emenda n. 43/2013 à Lei Orgânica do Município apresenta a seguinte redação:

“Art. 1º - Dá nova redação ao art. 243 da Lei Orgânica do Município de Cosmópolis, suprimindo o §1º e dando nova redação ao §2º renumerando-o como parágrafo único:

Art. 243- O Poder Público Municipal deverá reembolsar mensalmente, no mínimo 30% (trinta por cento) e no máximo 70% (setenta por cento) das mensalidades aos servidores públicos municipais efetivos e comissionados, que cursem escolas de nível superior, localizadas fora deste Município.

Parágrafo Único – O dispositivo neste artigo somente se aplicará aos servidores públicos municipais que vierem requerer o benefício a partir da vigência desta Emenda”.

Art. 2º - Esta Emenda entra em vigor na data de sua publicação”.

         Já a Emenda n. 30/2005 à Lei Orgânica do Munícipio de Cosmópolis, assim dispõe:

“Art. 1º - Dá nova redação ao art. 243 da Lei Orgânica do Município:

Art. 243- O Poder Público Municipal deverá reembolsar mensalmente no mínimo 30% (trinta por cento) e no máximo 70% (setenta por cento) das mensalidades, aos servidores públicos municipais efetivos e comissionados que cursem escolas de nível superior, localizadas fora deste Município, cujo curso esteja diretamente ligado a função exercida pelo servidor junto a Administração Pública, desde que o servidor, tenha, no mínimo, dois anos de serviço prestado dentro da Administração.

Art. 2º - Esta Emenda entra em vigor na data da sua publicação, revogadas as disposições em contrário.”

Por fim, a Emenda n. 25/2003 à Lei Orgânica do Município de Cosmópolis é do seguinte teor:

Art. 1º- Dá nova redação ao art.243 da Lei Orgânica do Município de Cosmópolis e parágrafo único, com a seguinte redação:

“Artigo 243 – O Poder Público Municipal deverá reembolsar mensalmente, no mínimo, (trinta por cento) e no máximo (setenta por cento) das mensalidades, aos servidores públicos municipais, efetivos, que cursem escolas de nível superior, localizada fora deste Município, cujo curso esteja diretamente ligado a função exercida pelo servidor junto a Administração Pública”.

§1º - O servidor público municipal beneficiado deverá se manter no emprego, no mínimo, 02 (dois) anos após ter se formado, sob pena de reembolsar os valores das mensalidade pagas pela Administração Pública.

§2º - O disposto neste artigo somente se aplicará aos servidores públicos municipais que vierem a requerer o benefício a partir da vigência desta Emenda.

Art. 2º - Esta Emenda entra em vigor na data de sua publicação”.

3. Da fundamentação.

Basta uma leitura atenta à redação original do art. 243 da Lei Orgânica do Município de Cosmópolis para concluir-se por sua inconstitucionalidade e das emendas à Lei Orgânica.

Note-se que a análise literal do mesmo nos permite concluir que o reembolso mensal das mensalidades seria no mínimo de 30% (trinta por cento).

  Como citado ato normativo só estabeleceu o limite mínimo do reembolso mensal e nada mencionou quanto ao limite máximo, conclui-se que este por não ter sido fixado, simplesmente não existia, podendo desta feita, atingir até 100% (cem por cento) do valor das mensalidades, caso assim desejasse o Chefe do Poder Executivo.

Se olharmos sob esse prisma, as emendas modificativas impugnadas não geraram aumento de despesa na medida em o percentual de 100% (cem por cento), que poderia ser atingindo para fins de reembolso mensal de mensalidade por ausência de previsão de limite máximo ficou reduzido para 70% (setenta por cento), circunstância essa que em tese implica em redução de despesa.

Entretanto, a redação original do art. 243 da Lei Orgânica do Município de Cosmópolis contraria frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31, da Constituição Federal.

Os preceitos da Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios por força de seu art. 144, que assim estabelece:

“Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

As regras jurídicas contestadas são incompatíveis com os seguintes preceitos da Constituição Estadual:

“Art. 5º - São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

 

§ 1º - É vedado a qualquer dos Poderes delegar atribuições.

(...)

Art. 24 - A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Assembléia Legislativa, ao Governador do Estado, ao Tribunal de Justiça, ao Procurador-Geral de Justiça e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

 

(...)

 

§ 2º - Compete, exclusivamente, ao Governador do Estado a iniciativa das leis que disponham sobre:

 

1 - criação e extinção de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica, bem como a fixação da respectiva remuneração;

 

4 - servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;

(...)

Artigo 111 – A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

(...)

Artigo 128 – As vantagens de qualquer natureza só poderão ser instituídas por lei e quando atendam efetivamente ao interesse público e às exigências do serviço.

(...)”

Ressalte-se que Lei Orgânica Municipal não pode conter disposições referentes a regime jurídico nem à remuneração de servidor, matérias estas inseridas na reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo.

Neste sentido, a matéria é sujeita à iniciativa legislativa reservada ao Chefe do Poder Executivo, pois, tanto se refere à remuneração de servidores públicos quanto a aspectos integrantes de seu regime jurídico, nos termos do art. 24, § 2º, 1 e 4, da Constituição Estadual.

Ainda, a instituição de vantagem pecuniária e sua disciplina, devida aos servidores públicos, é matéria inserida na reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo (art. 24, § 2º, 1 e 4, Constituição Estadual).

Ademais, em virtude do desrespeito da reserva de iniciativa do chefe do Poder Executivo, restou violado o princípio da separação dos poderes.

Nesse sentido, é a pronúncia da jurisprudência:

“INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Lei nº 740/2003, do Estado do Amapá. Competência legislativa. Servidor Público. Regime jurídico. Vencimentos. Acréscimo de vantagem pecuniária. Adicional de Desempenho a certa classe de servidores. Inadmissibilidade. Matéria de iniciativa exclusiva do Governador do Estado, Chefe do Poder Executivo. Usurpação caracterizada. Inconstitucionalidade formal reconhecida. Ofensa ao art. 61, § 1º, II, alínea ‘a’, da CF, aplicáveis aos estados. Ação julgada procedente. Precedentes. É inconstitucional a lei que, de iniciativa parlamentar, conceda ou autorize conceder vantagem pecuniária a certa classe de servidores públicos” (STF, ADI 3.176-AP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Cezar Peluso, 30-06-2011, v.u., DJe 05-08-2011).

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE. CONCESSÃO DE VANTAGENS PECUNIÁRIAS A SERVIDORES PÚBLICOS. SIMETRIA. VÍCIO DE INICIATIVA. 1. As regras de processo legislativo previstas na Carta Federal aplicam-se aos Estados-membros, inclusive para criar ou revisar as respectivas Constituições. Incidência do princípio da simetria a limitar o Poder Constituinte Estadual decorrente. 2. Compete exclusivamente ao Chefe do Poder Executivo a iniciativa de leis, lato sensu, que cuidem do regime jurídico e da remuneração dos servidores públicos (CF artigo 61, § 1º, II, ‘a’ e ‘c’ c/c artigos 2º e 25). Precedentes. Inconstitucionalidade do § 4º do artigo 28 da Constituição do Estado do Rio Grande do Norte. Ação procedente” (STF, ADI 1.353-RN, Tribunal Pleno, Rel. Min. Maurício Corrêa, 20-03-2003, v.u., DJ 16-05-2003, p. 89).

Observe-se que o reembolso mensal das mensalidades aos servidores públicos municipais efetivos e comissionados, que cursem escolas de nível superior, localizadas fora do Município, sem sombras de dúvida constitui uma espécie de vantagem pecuniária, que compreende adicionais e gratificações.

         O adicional significa recompensa ao tempo de serviço (ex facto temporis) ou retribuição ligada a determinados cargos ou funções que, para serem bem desempenhados, exigem um regime especial de trabalho, uma particular dedicação ou uma especial habilitação de seus titulares (ex facto officii). (Hely Lopes Meirelles. Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 2001, 26ª ed., p. 449; Diógenes Gasparini. Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2008, 13ª ed., p. 233; Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2008, 3ª ed., p. 760).

         A doutrina assinala que “o que caracteriza o adicional e o distingue da gratificação é o ser aquele uma recompensa ao tempo do serviço do servidor, ou uma retribuição pelo desempenho de funções especiais que fogem da rotina burocrática, e esta, uma compensação por serviços comuns executados em condições anormais para o servidor, ou uma ajuda pessoal em face de certas situações que agravam o orçamento do servidor” (Hely Lopes Meirelles. Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 2001, 26ª ed., p. 452).

         Os adicionais são compensatórios dos encargos decorrentes de funções especiais apartadas da atividade administrativa ordinária e as gratificações dos riscos ou ônus de serviços comuns realizados em condições extraordinárias. Com efeito, “se o adicional de função (ex facto officii) tem em mira a retribuição de uma função especial exercida em condições comuns, a gratificação de serviço (propter laborem) colima a retribuição do serviço comum prestado em condições especiais” (Wallace Paiva Martins Junior. Remuneração dos agentes públicos, São Paulo: Saraiva, 2009, p. 85). 

         Ademais, oportuno ressaltar que “as vantagens pecuniárias, sejam adicionais, sejam gratificações, não são meios para majorar a remuneração dos servidores, nem são meras liberalidades da Administração Pública. São acréscimos remuneratórios que se justificam nos fatos e situações de interesse da Administração Pública” (Diógenes Gasparini. Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2008, 13ª ed., p. 233).  

A Constituição do Estado de São Paulo subordina a previsão de vantagens pecuniárias à concorrência de dois requisitos; devem atender ao interesse público (e não somente o do servidor) e às exigências do serviço.

Diante destas considerações, verifica-se incompatibilidade constitucional do reembolso mensal aos servidores públicos municipais nos moldes estabelecidos pelos atos normativos impugnados.

Note-se que o reembolso mensal pode ser concedido indistintamente a todos os servidores municipais, bastando apenas que o servidor público municipal pura e simplesmente esteja cursando uma escola de nível superior localizada fora do município.

Ademais, o reembolso mensal não decorre do caráter técnico específico exigido para o exercício de determinadas atividades da Administração.

Cabe ressaltar que a moralidade administrativa está intimamente ligada ao conceito do “bom administrador”. Quando se trata da gestão do patrimônio público, todas as condutas devem concorrer para a criação do bem comum, e, para tanto, devem observar não somente o que é lícito ou ilícito, o justo ou injusto, mas atender a critérios morais que hoje dão valor jurídico à vontade psicológica do administrador. A gestão do dinheiro público exige do administrador prudência muito maior do que aquela que empregamos na gestão dos nossos bens.

Hoje a moralidade administrativa foi erigida em fator de legalidade não só do ato administrativo, mas também da produção normativa.

Assim, não basta a conformação do emprego e disponibilidade do dinheiro público à lei, mas também à moral administrativa e ao interesse coletivo.

A instituição do reembolso para todos os servidores públicos, o que inclui, também, os ocupantes de cargo para os quais a escolaridade superior seja requisito de seu próprio provimento não se coaduna com a moral administrativa e com o interesse público.

A necessidade de verificar a vantagem pecuniária atende efetivamente ao interesse público e às exigências do serviço, está motivada pela sobriedade e prudência que os Municípios devem ter em relação à gestão do dinheiro público. Não se desconsidera a importância e necessidade de bem remunerar os servidores públicos, no entanto, devem ser observados os princípios orientadores da Administração Pública, constitucionalmente previstos.

Acrescente, ainda, o valor do reembolso mensal é excessivo na medida em que pode ser concedido entre 30% (trinta por cento)  e 70% (setenta por cento) e no caso da redação original do art. 243 da Lei Orgânica do Município, pode chegar até 100% (cem por cento), devido a ausência de fixação de limite máximo para a devolução do reembolso  do valor da mensalidade do curso de nível superior, o que ofende o princípio da moralidade administrativa e não se afigura razoável e nem atende ao interesse público, e tampouco às exigências do serviço na medida em que justamente por ser concedido indistintamente a todos os servidores públicos que estejam cursando escolas de nível superior localizadas fora do Município, servindo apenas como mecanismo destinado a beneficiar interesses exclusivamente privados dos agentes públicos.

Desta feita, os atos normativos impugnados que instituem o reembolso mensal contrariam o princípio da razoabilidade e moralidade, que devem nortear a Administração Pública e a atividade legislativa e tem assento no art. 111 da Constituição do Estado, aplicável aos Municípios por força do art. 144 da mesma Carta.

Por força desse princípio, é necessário que a norma passe pelo denominado “teste” de razoabilidade, ou seja, que ela seja: (a) necessária (a partir da perspectiva dos anseios da Administração Pública); (b) adequada (considerando os fins públicos que com a norma se pretende alcançar); e (c) proporcional em sentido estrito (que as restrições, imposições ou ônus dela decorrentes não sejam excessivos ou incompatíveis com os resultados a alcançar).

O reembolso mensal nos moldes em que foi instituído não passa por nenhum dos critérios do teste de razoabilidade: (a) como já mencionado anteriormente não atende a nenhuma necessidade da Administração Pública, vindo em benefício exclusivamente da conveniência dos servidores públicos beneficiados por essa vantagem pecuniária; (b) é, por consequência, inadequada na perspectiva do interesse público; (c) é desproporcional em sentido estrito, pois cria ônus financeiros que naturalmente se mostram excessivos e inadmissíveis, tendo em vista que não acarretarão benefício algum para a Administração Pública.

Manifesta-se claramente o desrespeito ao princípio da razoabilidade, pela desnecessidade de previsão normativa e por sua inadequação do ponto de vista do Poder Público, bem ainda pela falta de proporcionalidade em sentido estrito, ao criar encargos que não se justificam.

A ofensa ao princípio da razoabilidade tem servido, em julgados desse C. Órgão Especial, ao reconhecimento da inconstitucionalidade de leis que criam ônus excessivos e desnecessários para seus destinatários ou para o próprio Poder Público. Confira-se: ADI 0136976-34.2011.8.26.0000, Rel. Des. Renato Nalini, j. 16 de novembro de 2011, ADI 152.442-0/1-00, j. 07.05.08, v.u., rel. des. Penteado Navarro; ADI 150.574-0/9-00, j. 07.05.08, v.u., rel; des. Debatin Cardoso.

Em casos análogos, essa Corte tem reconhecido a inconstitucionalidade das normas que instituem tais vantagens, firme no entendimento de que são violadoras da moralidade administrativa, princípio de assento constitucional, como demonstra o seguinte excerto de julgado:

“[A] Constituição do Estado, em seu artigo 111, preceitua que a Administração direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, deve obedecer aos princípios de legalidade, moralidade, impessoalidade, razoabilidade, finalidade, motivação e interesse público e, ainda, no seu artigo 128, só autoriza o pagamento de vantagens pecuniárias que atendam ao interesse público e às exigências do serviço, o que, no caso em tela, não aconteceu.

É evidente que o pagamento de adicional de nível universitário a servidores efetivos que exerçam funções para as quais não se exige, como pré-requisito o curso superior, não atende as exigências do serviço como tampouco satisfaz o interesse público, visando, portanto, favorecer somente um grupo de servidores privilegiados que preencheram um dado absolutamente incidental - ter curso superior -, o que se constitui em uma verdadeira liberalidade ilegítima, às expensas do erário, como foi oportunamente lembrado pela douta Procuradoria.

(...)

Diante disso, a promulgação, pela Câmara Municipal, da Resolução impugnada, afronta os artigos 111, 128 e 144, todos da Constituição do Estado” (ADIN nº 064.382-0/0-00, rel. Sinésio de Souza, j. 19 Set. 2001).

Restando caracterizada a violação de preceitos contidos na Constituição do Estado de São Paulo, a saber, aos arts. 5°, 24, § 2°, 1 e 4, 111, 128 e 144, a redação original do art. 243 da Leio Orgânica do Município de Cosmópolis, bem como as emendas modificativas impugnadas devem ser extirpadas do mundo jurídico.

Ante o exposto, aguardo que seja julgada procedente a presente ação para que seja declarada a inconstitucionalidade do art. 243 da Leio Orgânica do Município de Cosmópolis e das Emendas ns. 43/2013, 30/2005 e 25/2003 à Lei Orgânica do Município de Cosmópolis, que modificaram a sua redação.

São Paulo, 05 de março de 2014.

 

 

        Nilo Spinola Salgado Filho

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

vlcb