Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo nº 0205452-56.2013.8.26.0000

Requerente: Prefeito Municipal de Lucélia

Requerido: Presidente da Câmara Municipal de Lucélia

 

 

 

Ementa:

1)      Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Municipal que cria a gratificação “área da educação” para os servidores municipais que prestam serviços na referida área.

2)      Ofensa ao princípio da razoabilidade. Benefício que não atende ao interesse público e às exigências do serviço (arts. 111 e 128 da Constituição Paulista, aplicáveis aos Municípios por força do art. 144 da Constituição do Estado).

 

 

Colendo Órgão Especial,

Excelentíssimo Desembargador Relator:

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Prefeito Municipal de Lucélia, tendo como alvo a Lei nº 3.877, de 17 de janeiro de 2008, que cria a gratificação “área da educação” para os servidores municipais que prestam serviços na referida área.

Sustenta o autor que a lei impugnada viola o art. 5, § 1°, o art. 37, incisos X e XV, da Constituição Federal e o art. 115, inciso XI e o art. 124, § 1°, da Constituição Paulista.

Não foi concedida a liminar (fls. 15, 57-60).

Citado, o Senhor Procurador-Geral do Estado declinou de defender os atos normativos questionados na ação (fls. 23/25).

A Presidência da Câmara Municipal prestou informações (fls. 62/66), não vislumbrando qualquer inconstitucionalidade, sobretudo por se tratar de lei de iniciativa do Chefe do Poder Executivo.

É uma breve síntese.

A ação direta deverá ser julgada procedente.

O exame da inconstitucionalidade apontada na inicial restringe-se, na ação direta estadual, ao confronto entre o texto normativo impugnado e a Constituição do Estado, sendo inviável a utilização de parâmetros, para fins de reconhecimento da inconstitucionalidade apontada, que estejam assentados na Constituição Federal ou na legislação infraconstitucional.

Nesse sentido, confira-se o entendimento assente do STF nos seguintes precedentes, indicados exemplificativamente: ADI 2.551-MC-QO, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 2-4-2003, Plenário, DJ de 20-4-2006; RE 597.165, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 4-4-2011, DJE de 12-4-2011.

A análise a ser aqui realizada, portanto, deve ficar limitada ao exame da existência de incompatibilidade entre a norma impugnada e a Constituição do Estado de São Paulo.

O diploma normativo impugnado assim dispõe:

“LEI MUNICIPAL Nº. 3.877, DE 17 DE  JANEIRO  DE  2008

‘Dispõe sobre a concessão de ‘gratificação área da educação’ para os servidores municipais que especifica e dá providências correlatas’.

O Prefeito Municipal:

Faço saber que a Câmara Municipal de Lucélia, Estado de São Paulo, “Decreta” em Sessão Extraordinária do dia 17.01.2008, e Eu Sanciono e Promulgo a seguinte Lei:

Art. 1º. - Fica o Chefe do Poder Executivo autorizado a conceder “gratificação área da educação” aos servidores municipais que prestam serviços na referida área, exceto aos servidores do quadro do magistério.

Parágrafo Único: Consideram-se servidores da área da educação aqueles em exercício nas unidades escolares, no Setor Municipal de Educação e nos transporte escolar.

Art. 2º. - A gratificação prevista no artigo anterior será de 30% (trinta por cento), calculada sobre o padrão de vencimento do servidor.

Art. 3º. - O servidor só fará jus ao recebimento da gratificação enquanto estiver em exercício na área da educação, não sendo o exercício descaracterizado por eventuais afastamentos temporários previstos em lei, com ônus para a Administração, que não implique em rompimento da relação jurídica existente.

Art. 4º. - A gratificação de que trata esta Lei:

I – não será incorporada ao vencimento do servidor;

I – será computada unicamente para fins de décimo terceiro salário e um terço de férias;

II – terá incidência de descontos previdenciários.

Art. 5º. - As despesas decorrentes da execução desta Lei correrão por conta de dotações próprios consignadas no orçamento, suplementadas, se necessário.

Art. 6º. - Esta Lei entrará em vigor em 01 de janeiro de 2008, revogadas as disposições em contrário.

Paço Municipal ‘Arnaldo Pozzetti’, aos 17 dias do mês de janeiro de 2008.

JOÃO PEDRO MORANDI

PREFEITO MUNICIPAL”.

Como se vê, apesar de não haver vício de iniciativa, o fundamento da gratificação não decorre do interesse público ou das exigências do serviço.

Ocorre que a gratificação, pura e simplesmente, incide em relação a todos os servidores municipais que prestam serviços na área de educação, excluindo os servidores do quadro do magistério.

Se não bastasse, há incidência da gratificação aos servidores temporários (art. 3º).

As premissas ou fundamentos concretos para a concessão do benefício acima mencionado servem apenas como mecanismo destinado a beneficiar interesses exclusivamente privados dos agentes públicos.

Bem observa Wellington Pacheco Barros, destacado Professor e Desembargador:

“Comungo com o pensamento político moderno de que uma das causas do inchaço da despesa pública é a remuneração com pessoal, que não raramente inviabiliza a tomada de decisões do agente político sobre investimentos de obras públicas de caráter benéfico à população. E uma das causas da despesa pública com pessoal é a atribuição indiscriminada pelo legislador de vantagens pecuniárias a servidor público sem que haja uma contraprestação de serviço e, o que é pior, com o rótulo de permanente e de efeito incorporador ao vencimento, elitizando a administração de existência de remunerações desproporcionais entre o maior e o menor vencimento de um cargo público” (O município e seus agentes, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 128).

Acrescenta o citado jurista, que gratificação é “a vantagem pecuniária, de conteúdo precário, concedida ao servidor público como forma de contraprestação pelo exercício a mais daquele que lhe é atribuído pelo seu cargo” – g.n.

No caso em tela não há qualquer contraprestação para que haja incidência da gratificação.

Viola-se, pois, a regra da razoabilidade.

A inconstitucionalidade, portanto, decorre da contrariedade ao art. 128 da Constituição do Estado, aplicável aos Municípios em razão do art. 144 da mesma Carta.

Não bastasse isso, como consignamos anteriormente, as disposições legais que o instituíram e mantiveram contrariam o princípio da razoabilidade, que deve nortear a Administração Pública e a atividade legislativa, e tem assento no art. 111 da Constituição do Estado, aplicável aos Municípios por força do art. 144 da mesma Carta.

Por força desse princípio é necessário que a norma passe pelo denominado “teste” de razoabilidade, vale dizer, que ela seja: (a) necessária (a partir da perspectiva dos anseios da Administração Pública); (b) adequada (considerando os fins públicos que com a norma se pretende alcançar); e (c) proporcional em sentido estrito (que as restrições, imposições ou ônus dela decorrentes não sejam excessivos ou incompatíveis com os resultados a alcançar).

O gratificação ora questionada não passa por nenhum dos critérios do teste de razoabilidade: (a) não atende a nenhuma necessidade da Administração Pública, vindo em benefício exclusivamente da conveniência dos servidores públicos beneficiados por essa vantagem pecuniária; (b) é, por consequência, inadequada na perspectiva do interesse público; (c) é desproporcional em sentido estrito, pois cria ônus financeiros que naturalmente se mostram excessivos e inadmissíveis, tendo em vista que não acarretarão benefício algum para a Administração Pública.

Inconstitucional, portanto, a Lei nº 3.877, de 17 de janeiro de 2008, do Município de Lucélia, por contrariedade aos art. 111 e 128 da Constituição Paulista, aplicáveis aos Municípios por força do art. 144 da mesma Carta.

Posto isso, pugna-se pela procedência da presente ação direta de inconstitucionalidade.

São Paulo, 08 de abril de 2014.

 

Nilo Spinola Salgado Filho

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

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