Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 0205758-25.2013.8.26.0000

Requerente: Prefeito Municipal de Serrana

Requerido: Presidente da Câmara Municipal de Serrana

 

 

Ementa:

1)      Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Complementar Municipal, de iniciativa parlamentar, que cria o abono por assiduidade aos servidores públicos municipais.

2)      Inconstitucionalidade. Violação aos arts. 5º, 24, § 2º, 4, e 25, Constituição do Estado de São Paulo. Cláusula de iniciativa legislativa reservada que projeta em regra o princípio da separação dos poderes. A disciplina normativa pertinente ao regime jurídico dos servidores públicos, nela encerrada matéria pertinente a benefícios ao funcionalismo público, traduz matéria que se insere, por efeito de sua natureza mesma, na esfera de exclusiva iniciativa do Chefe do Poder Executivo.

3)      Ofensa ao princípio da razoabilidade. Benefício que não atende ao interesse público e às exigências do serviço (art. 111 e 128 da Constituição Paulista, aplicáveis aos Municípios por força do art. 144 da Constituição do Estado).

 

 

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Desembargador Relator

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Prefeito Municipal de Serrana, tendo como alvo a Lei Complementar nº 346/2013, de iniciativa parlamentar, que cria o abono por assiduidade aos servidores públicos municipais.

Foi concedida a liminar (fl. 88).

Citado, o Senhor Procurador-Geral do Estado declinou de defender os atos normativos questionados na ação (fls. 98/99).

A Presidência da Câmara Municipal não prestou informações (fl. 101).

É uma breve síntese.

A ação direta deverá ser julgada procedente.

De início, cumpre destacar o vício de iniciativa e a consequente ofensa aos arts. 5º, 24, § 2º, 4, e 25, da Constituição do Estado de São Paulo.

A lei local disciplina matéria cuja iniciativa legislativa é reservada ao Chefe do Poder Executivo, nos termos do art. 24, § 2º, “4”, da Constituição Estadual, que, em essência, projeta em regra o princípio da separação dos poderes constante do art. 5º da Carta Bandeirante, disposições aplicáveis no âmbito municipal por obra de seu art. 144.

Destarte, a disciplina normativa pertinente ao regime jurídico dos servidores públicos, nela encerrada matéria pertinente a benefícios ao funcionalismo público, traduz matéria que se insere, por efeito de sua natureza mesma, na esfera de exclusiva iniciativa do Chefe do Poder Executivo, o que é respaldado por cediça jurisprudência da Suprema Corte:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 6.065, DE 30 DE DEZEMBRO DE 1999, DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO, QUE DÁ NOVA REDAÇÃO À LEI 4.861, DE 31 DE DEZEMBRO DE 1993. ART. 4º E TABELA X QUE ALTERAM OS VALORES DOS VENCIMENTOS DE CARGOS DO QUADRO PERMANENTE DO PESSOAL DA POLÍCIA CIVIL. INADMISSIBILIDADE. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL RECONHECIDA. OFENSA AO ART. 61, § 1º, II, A e C, da CF. OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA SIMETRIA. ADI JULGADA PROCEDENTE. I - É da iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo lei de criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração, bem como que disponha sobre regime jurídico e provimento de cargos dos servidores públicos. II - Afronta, na espécie, ao disposto no art. 61, § 1º, II, a e c, da Constituição de 1988, o qual se aplica aos Estados-membros, em razão do princípio simetria. III - Ação julgada procedente” (STF, ADI 2.192-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 04-06-2008, v.u.).

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI COMPLEMENTAR N. 792, DO ESTADO DE SÃO PAULO. ATO NORMATIVO QUE ALTERA PRECEITO DO ESTATUTO DOS SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS ESTADUAIS. OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS NO PROCESSO LEGISLATIVO ESTADUAL. PROJETO DE LEI VETADO PELO GOVERNADOR. DERRUBADA DE VETO. USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA EXCLUSIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. AFRONTA AO DISPOSTO NO ARTIGO 61, § 1º, II, C, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. A Constituição do Brasil, ao conferir aos Estados-membros a capacidade de auto-organização e de autogoverno [artigo 25, caput], impõe a observância obrigatória de vários princípios, entre os quais o pertinente ao processo legislativo, de modo que o legislador estadual não pode validamente dispor sobre as matérias reservadas à iniciativa privativa do Chefe do Executivo. Precedentes. 2. O ato impugnado versa sobre matéria concernente a servidores públicos estaduais, modifica o Estatuto dos Servidores e fixa prazo máximo para a concessão de adicional por tempo de serviço. 3. A proposição legislativa converteu-se em lei não obstante o veto aposto pelo Governador. O acréscimo legislativo consubstancia alteração no regime jurídico dos servidores estaduais. 4. Vício formal insanável, eis que configurada manifesta usurpação da competência exclusiva do Chefe do Poder Executivo [artigo 61, § 1º, inciso II, alínea ‘c’, da Constituição do Brasil]. Precedentes. 5. Ação direta julgada procedente para declarar inconstitucional a Lei Complementar n. 792, do Estado de São Paulo” (STF, ADI 3.167-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Eros Grau, 18-06-2007, v.u., DJ 06-09-2007, p. 36).

 

Há, ainda, outro fundamento que justifica a procedência do pedido. A regra do art. 25 da Constituição do Estado, incidente por força do art. 144 da Carta Magna Bandeirante, é fortemente influenciada pela noção de responsabilidade fiscal. Exige que projeto de lei contenha previsão de recursos disponíveis para atendimento de novos encargos quando implique criação ou aumento de despesa pública. No caso, é intuitivo que do benefício criado serão geradas despesas no plano do funcionalismo público municipal e a lei não contém nenhum elemento indicador de sua provisão.

Se não bastasse, o fundamento do abono não decorre nem mesmo indiretamente do interesse público ou exigências do serviço, mas sim do interesse estritamente particular do servidor.

As premissas ou fundamentos concretos para a concessão do benefício acima mencionado servem apenas como mecanismo destinado a beneficiar interesses exclusivamente privados dos agentes públicos.

A inconstitucionalidade, portanto, decorre da contrariedade ao art. 128 da Constituição do Estado, aplicável aos Municípios em razão do art. 144 da mesma Carta.

Não bastasse isso, como consignamos anteriormente, as disposições legais que o instituíram e mantiveram contrariam o princípio da razoabilidade, que deve nortear a Administração Pública e a atividade legislativa, e tem assento no art. 111 da Constituição do Estado, aplicável aos Municípios por força do art. 144 da mesma Carta.

Por força desse princípio é necessário que a norma passe pelo denominado “teste” de razoabilidade, vale dizer, que ela seja: (a) necessária (a partir da perspectiva dos anseios da Administração Pública); (b) adequada (considerando os fins públicos que com a norma se pretende alcançar); e (c) proporcional em sentido estrito (que as restrições, imposições ou ônus dela decorrentes não sejam excessivos ou incompatíveis com os resultados a alcançar).

O abono impugnado não passa por nenhum dos critérios do teste de razoabilidade: (a) não atende a nenhuma necessidade da Administração Pública, vindo em benefício exclusivamente da conveniência dos servidores públicos beneficiados por essa vantagem pecuniária; (b) é, por consequência, inadequada na perspectiva do interesse público; (c) é desproporcional em sentido estrito, pois cria ônus financeiros que naturalmente se mostram excessivos e inadmissíveis, tendo em vista que não acarretarão benefício algum para a Administração Pública.

Inconstitucionais, portanto, as previsões a respeito do “abono aniversário”, por contrariedade aos art. 111 e 128 da Constituição Paulista, aplicáveis aos Municípios por força do art. 144 da mesma Carta.

Posto isso, pugna-se pela procedência da presente ação direta de inconstitucionalidade.

São Paulo, 02 de abril de 2014.

 

Nilo Spinola Salgado Filho

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

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