Parecer
Processo n. 0205759-10.2013.8.26.0000
Requerente: Prefeito do Município de Serrana
Requerida: Câmara Municipal de Serrana
Constitucional. Administrativo. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei Complementar n. 1.596, de 11 de novembro de 2013, do Município de Serrana. Horário de funcionamento de creches públicas. Iniciativa Parlamentar. Separação de poderes. Reserva de iniciativa legislativa. Reserva da Administração. Remanejamento de servidores públicos. Contratação por tempo determinado. Procedência da ação. 1. A iniciativa parlamentar de lei local que disciplina o horário de funcionamento de creches municipais - com permissão de remanejamento de servidores municipais para atendimento da demanda, inclusive mediante contratação por tempo determinado - é incompatível com o princípio da separação de poderes, sem olvidar desafio à acessibilidade de cargo ou emprego público e à excepcionalidade da admissão temporária (arts. 5º, 25, 24, § 2º, 1, 2 e 4, 47, II, XIV, e XIX, a, 115, I, II e X, e 174, III, CE/89). 2. Procedência da ação.
Colendo Órgão Especial:
1. Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade
ajuizada pelo Prefeito do Município de Serrana impugnando a Lei Complementar n.
1.596, de 11 de novembro de 2013, do Município de Serrana, que autoriza o Poder
Executivo à extensão do horário de funcionamento das creches municipais,
inclusive com permissão de remanejamento de servidores públicos para
atendimento da demanda ainda que mediante contratação temporária, de iniciativa
parlamentar, suscitando sua incompatibilidade com os arts. 5º, 24, § 2º, 4, e
47, II e XIV, da Constituição Estadual (fls. 02/10).
2. Negada a liminar (fls. 27/28), a douta
Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa da lei vergastada (fls. 37/39),
decorrendo in albis o prazo para
informações da Câmara Municipal de Serrana (fl. 40).
3. É
o relatório.
4. A
ação é procedente.
5. A inconstitucionalidade decorre
da iniciativa parlamentar, agressiva da separação de poderes, porque seu objeto
é típico ato de administração ordinária, reservado exclusivamente ao Poder
Executivo e imune da interferência do Poder Legislativo, como se capta dos
arts. 5º e 47, II, XIV e XIX, a, da
Constituição Estadual.
6. Postulado
básico da organização do Estado é o princípio da separação dos poderes,
constante do art. 5º da Constituição do Estado de São Paulo, norma de
observância obrigatória nos Municípios conforme estabelece o art. 144 da mesma
Carta Estadual.
7. Este dispositivo é tradicional pedra fundamental do Estado de Direito assentado na ideia de que as funções estatais são divididas e entregues a órgãos ou poderes que as exercem com independência e harmonia, vedando interferências indevidas de um sobre o outro.
8. A Constituição Estadual, perfilhando as diretrizes da
Constituição Federal, comete a um Poder competências próprias, insuscetíveis de
invasão por outro. Assim, ao Poder Executivo são outorgadas atribuições típicas
e ordinárias da função administrativa. Em essência, a separação ou divisão de
poderes:
“consiste um confiar cada uma das funções governamentais (legislativa, executiva e jurisdicional) a órgãos diferentes (...) A divisão de Poderes fundamenta-se, pois, em dois elementos: (a) especialização funcional, significando que cada órgão é especializado no exercício de uma função (...); (b) independência orgânica, significando que, além da especialização funcional, é necessário que cada órgão seja efetivamente independente dos outros, o que postula ausência de meios de subordinação” (José Afonso da Silva. Comentário contextual à Constituição, São Paulo: Malheiros, 2006, 2ª ed., p. 44).
9. Se, em princípio, a competência normativa é do domínio
do Poder Legislativo, certas matérias por caracterizarem assuntos de natureza
eminentemente administrativa são reservadas ao Poder Executivo (arts. 47, II,
XIV e XIX, a, Constituição Estadual)
em espaço que é denominado reserva da Administração. Neste sentido, enuncia a
jurisprudência:
“RESERVA DE
ADMINISTRAÇÃO E SEPARAÇÃO DE PODERES. - O princípio constitucional da reserva
de administração impede a ingerência normativa do Poder Legislativo em matérias
sujeitas à exclusiva competência administrativa do Poder Executivo. (...)”
(STF, ADI-MC 2.364-AL, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 01-08-2001, DJ
14-12-2001, p. 23).
10. No caso, foi violentada a reserva
da Administração Pública, pois, compete ao Poder Executivo o exercício de sua
direção superior, a prática de atos de administração típica e ordinária, a
edição de normas e a disciplina de sua organização e de seu funcionamento,
imune a qualquer ingerência do Poder Legislativo (art. 47, II, XIV e XIX, a, da Constituição Estadual).
11. A decisão sobre o horário de
funcionamento de creches municipais é da inerência da típica gestão ordinária
da administração, cujas linhas mestras são reservadas privativamente ao Chefe
do Poder Executivo, alforriado da interferência do Poder Legislativo, no
espectro de sua atribuição de governo do Chefe do Poder Executivo.
12. Não bastasse, ainda que a matéria
demandasse lei formal, também padeceria de inconstitucionalidade a lei local
por sua iniciativa parlamentar.
13. Em se tratando de processo
legislativo é princípio que as normas do modelo federal são aplicáveis e
extensíveis por simetria às demais órbitas federativas. Neste sentido pronuncia
a jurisprudência:
“as regras do processo legislativo federal, especialmente as que dizem respeito à iniciativa reservada, são normas de observância obrigatória pelos Estados-membros” (STF, ADI 2.719-1-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, 20-03-2003, v.u.).
“(...) I. - As regras básicas do processo legislativo federal são de observância obrigatória pelos Estados-membros e Municípios. (...)” (STF, ADI 2.731-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, 02-03-2003, v.u., DJ 25-04-2003, p. 33).
“(...) 2. A Constituição do Brasil, ao conferir aos Estados-membros a capacidade de auto-organização e de autogoverno --- artigo 25, caput ---, impõe a obrigatória observância de vários princípios, entre os quais o pertinente ao processo legislativo. O legislador estadual não pode usurpar a iniciativa legislativa do Chefe do Executivo, dispondo sobre as matérias reservadas a essa iniciativa privativa. (...)” (STF, ADI 1.594-RN, Tribunal Pleno, Rel. Min. Eros Grau, 04-06-2008, v.u., DJe 22-08-2008).
“(...) I. - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que as regras básicas do processo legislativo da Constituição Federal, entre as quais as que estabelecem reserva de iniciativa legislativa, são de observância obrigatória pelos estados-membros. (...)” (RT 850/180).
“(...) 1. A Constituição do Brasil, ao conferir aos Estados-membros a capacidade de auto-organização e de autogoverno (artigo 25, caput), impõe a obrigatória observância de vários princípios, entre os quais o pertinente ao processo legislativo, de modo que o legislador estadual não pode validamente dispor sobre as matérias reservadas à iniciativa privativa do Chefe do Executivo. (...)” (RTJ 193/832).
14. Decorre
do mencionado princípio da separação de poderes, e à vista dos mecanismos
de controle recíprocos de um sobre o outro para evitar abusos e disfunções, a
participação do Poder Executivo no processo legislativo. Como observa a
doutrina:
“É a esse arranjo, mediante o qual, pela distribuição de competências, pela participação parcial de certos órgãos estatais controlam-se e limitam-se reciprocamente, que os ingleses denominavam, já anteriormente a Montesquieu, sistema de ‘freios recíprocos’, ‘controles recíprocos’, ‘reservas’, ‘freios e contrapesos’ (checks and controls, checks and balances), tudo isso visando um verdadeiro ‘equilíbrio dos poderes’ (equilibrium of powers)” (J. H. Meirelles Teixeira. Curso de Direito Constitucional, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, pp. 581, 592-593).
15. A reserva de iniciativa legislativa se inclui nestes
mecanismos, em especial para organização e funcionamento da Administração
(entidades e órgãos do Poder Executivo), e outorga de respectivas atribuições,
quando houver criação ou extinção de órgãos públicos ou aumento de despesa,
segundo se colhe da leitura conjugada dos arts. 24, § 2º, 2 e 47, XIX, a, da Constituição do Estado. Neste
sentido:
“É indispensável a iniciativa do Chefe do Poder Executivo (mediante projeto de lei ou mesmo, após a EC 32/01, por meio de decreto) na elaboração de normas que de alguma forma remodelem as atribuições de órgão pertencente à estrutura administrativa de determinada unidade da Federação” (STF, ADI 3.254-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, 16-11-2005, v.u., DJ 02-12-2005, p. 02).
“À luz do
princípio da simetria, são de iniciativa do Chefe do Poder Executivo estadual
as leis que versem sobre a organização administrativa do Estado, podendo a
questão referente à organização e funcionamento da Administração Estadual,
quando não importar aumento de despesa, ser regulamentada por meio de Decreto
do Chefe do Poder Executivo (art. 61, § 1º, II, e e art. 84, VI, a da
Constituição federal)” (STF, ADI 2.857-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Joaquim
Barbosa, 30-08-2007, v.u., DJe 30-11-2007).
16. É inegável que a extensão do horário de funcionamento de creche pública implica sobrecarga de ônus financeiro, o que demandaria a observância da iniciativa legislativa reservada do Chefe do Poder Executivo.
17. Quando lei de iniciativa
parlamentar cria ou fornece atribuição ao Poder Executivo ou seus órgãos
demandando diretamente a realização de despesa pública não prevista no
orçamento para atendimento de novos encargos, com ou sem indicação de sua fonte
de cobertura inclusive para os exercícios seguintes, ela também padece de
inconstitucionalidade por incompatibilidade com os arts. 25 e 174, III, da
Constituição Estadual, seja porque aquele exige a indicação de recursos para
atendimento das novas despesas seja porque este reserva ao Chefe do Poder
Executivo iniciativa legislativa sobre o orçamento anual, conforme pronuncia o
Supremo Tribunal Federal:
“Ação direta de inconstitucionalidade. 2. Lei do
Estado do Amapá. 3. Organização, estrutura e atribuições de Secretaria
Estadual. Matéria de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo.
Precedentes. 4. Exigência de consignação de dotação orçamentária para execução
da lei. Matéria de iniciativa do Poder Executivo. Precedentes. 5. Ação julgada
procedente” (LEXSTF v. 29, n. 341, p. 35).
“Ação Direta de Inconstitucionalidade. 2. Lei Do
Estado do Rio Grande do Sul. Instituição do Pólo Estadual da Música Erudita. 3.
Estrutura e atribuições de órgãos e Secretarias da Administração Pública. 4.
Matéria de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo. 5. Precedentes. 6.
Exigência de consignação de dotação orçamentária para execução da lei. 7.
Matéria de iniciativa do Poder Executivo. 8. Ação julgada procedente” (LEXSTF
v. 29, n. 338, p. 46).
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N.
10.238/94 DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. INSTITUIÇÃO DO PROGRAMA ESTADUAL DE
ILUMINAÇÃO PÚBLICA, DESTINADO AOS MUNICÍPIOS. CRIAÇÃO DE UM CONSELHO PARA
ADMIUNISTRAR O PROGRAMA. LEI DE INICIATIVA PARLAMENTAR. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 61,
§ 1º, INCISO II, ALÍNEA ‘E’, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. Vício de iniciativa,
vez que o projeto de lei foi apresentado por um parlamentar, embora trate de
matéria típica de Administração. 2. O texto normativo criou novo órgão na
Administração Pública estadual, o Conselho de Administração, composto, entre
outros, por dois Secretários de Estado, além de acarretar ônus para o
Estado-membro. Afronta ao disposto no artigo 61, § 1º, inciso II, alínea ‘e’ da
Constituição do Brasil. 3. O texto normativo, ao cercear a iniciativa para a
elaboração da lei orçamentária, colide com o disposto no artigo 165, inciso
III, da Constituição de 1988. 4. A declaração de inconstitucionalidade dos
artigos 2º e 3º da lei atacada implica seu esvaziamento. A declaração de inconstitucionalidade
dos seus demais preceitos dá-se por arrastamento. 5. Pedido julgado procedente
para declarar a inconstitucionalidade da Lei n. 10.238/94 do Estado do Rio
Grande do Sul” (RTJ 200/1065).
20. O colendo Órgão Especial deste
egrégio Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de apreciar situação similar
em venerando acórdão relatado pelo eminente Desembargador Roberto Mac Cracken,
assim ementado:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Cuida-se de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pela Douta e Nobre Prefeita do Município de Guarujá/SP, visando à declaração de inconstitucionalidade da Lei Municipal n° 3.703, de 28 de novembro de 2008, que dispõe sobre o funcionamento de creches no horário noturno e adota outras providências - INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL - Matéria de competência privativa do Chefe do Poder Executivo local - Presença de vício de inconstitucionalidade formal na produção da norma impugnada.
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE PROCEDENTE” (ADI 0151911-11.2013.8.26.0000, Rel. Des. Roberto Mac Cracken, v.u., 27-11-2013).
21. Esse
julgado se apoiou em precedentes do colendo Órgão Especial (ADI
0129730-16.2013.8.26.0000, Rel. Des. Luis Soares de Mello, 23-10-2013; ADI
135.527-0/5-00, Rel. Des. Carlos Stroppa, 03-10-2007).
22. Por outro lado, a permissão de
remanejamento de servidores públicos para atendimento da demanda, agregada à
contratação temporária, não se alinha ao disposto no art. 115, I, II e X, da
Constituição Federal, pela potencialidade de alocação de recursos humanos em
cargo ou emprego públicos diferentes gerando incremento remuneratório, bem como
por não se caracterizar necessidade temporária de excepcional interesse público
a legitimar admissão por tempo determinado.
23. Ora, a corroborar, em tais
hipóteses, a iniciativa legislativa é expressamente reservada ao Chefe do Poder
Executivo, nos termos do disposto no art. 24, § 2º, 1 e 4, da Constituição
Estadual, pois, como julgado:
“(...) II. -
Leis relativas à remuneração do servidor público, que digam respeito ao regime jurídico
destes, que criam ou extingam órgãos da administração pública, são de iniciativa privativa do Chefe do Executivo. C.F.,
art. 61, § 1º, II, a, c e e. (...)” (STF, ADI 2.569-CE, Tribunal Pleno, Rel.
Min. Carlos Velloso, 19-03-2003, v.u., DJ 02-05-2003, p. 26).
24. Esta convicção não é abalada pela
natureza autorizativa da lei.
25. A autorização legislativa não se
confunde com lei autorizativa, devendo aquela primar pela observância da
reserva de iniciativa. Ainda que a lei contenha autorização (lei autorizativa)
ou permissão (norma permissiva), padece de inconstitucionalidade porque sua
iniciativa é da alçada exclusiva do Chefe do Poder Executivo, cuja prerrogativa
de análise da conveniência e da oportunidade das providências previstas na lei
foi violada.
26. Lição
doutrinária abalizada, analisando a natureza das intrigantes
leis autorizativas, especialmente quando votadas contra a vontade de quem
poderia solicitar a autorização, ensina que:
“(...) insistente na prática legislativa brasileira, a ‘lei’ autorizativa constitui um expediente, usado por parlamentares, para granjear o crédito político pela realização de obras ou serviços em campos materiais nos quais não têm iniciativa das leis, em geral matérias administrativas. Mediante esse tipo de ‘leis’, passam eles, de autores do projeto de lei, a co-autores da obra ou serviço autorizado. Os constituintes consideraram tais obras e serviços como estranhos aos legisladores e, por isso, os subtraíram da iniciativa parlamentar das leis. Para compensar essa perda, realmente exagerada, surgiu ‘lei’ autorizativa, praticada cada vez mais exageradamente autorizativa é a ‘lei’ que - por não poder determinar - limita-se a autorizar o Poder Executivo a executar atos que já lhe estão autorizados pela Constituição, pois estão dentro da competência constitucional desse Poder. O texto da ‘lei’ começa por uma expressão que se tornou padrão: ‘Fica o Poder Executivo autorizado a...’ O objeto da autorização - por já ser de competência constitucional do Executivo - não poderia ser ‘determinado’, mas é apenas ‘autorizado’ pelo Legislativo, tais ‘leis’, óbvio, são sempre de iniciativa parlamentar, pois jamais teria cabimento o Executivo se autorizar a si próprio, muito menos onde já o autoriza a própria Constituição. Elas constituem um vício patente" (Sérgio Resende de Barros. “Leis Autorizativas”, in Revista da Instituição Toledo de Ensino, Bauru, ago/nov 2000, p. 262).
27. A lei que autoriza o Poder Executivo
a agir em matérias de sua iniciativa privativa implica, em verdade, uma
determinação, sendo, portanto, inconstitucional. Assim vem julgando este
egrégio Tribunal, afirmando a inconstitucionalidade das leis autorizativas,
forte no entendimento de que essas “autorizações” são mero eufemismo de
“determinações” e, por isso, usurpam a competência material do Poder Executivo:
“LEIS AUTORIZATIVAS – INCONSTITUCIONALIDADE - Se uma lei fixa o que é próprio da Constituição fixar, pretendendo determinar ou autorizar um Poder constituído no âmbito de sua competência constitucional, essa lei e inconstitucional. — não só inócua ou rebarbativa, — porque estatui o que só o Constituinte pode estatuir O poder de autorizar implica o de não autorizar, sendo, ambos, frente e verso da mesma competência - As leis autorizativas são inconstitucionais por vicio formal de iniciativa, por usurparem a competência material do Poder Executivo e por ferirem o principio constitucional da separação de poderes.
VÍCIO DE INICIATIVA QUE NÃO MAIS PODE SER CONSIDERADO SANADO PELA SANÇÃO DO PREFEITO - Cancelamento da Súmula 5, do Colendo Supremo Tribunal Federal.
LEI MUNICIPAL QUE, DEMAIS IMPÕE INDEVIDO AUMENTO DE DESPESA PÚBLICA SEM A INDICAÇÃO DOS RECURSOS DISPONÍVEIS, PRÓPRIOS PARA ATENDER AOS NOVOS ENCARGOS (CE, ART 25). COMPROMETENDO A ATUAÇÃO DO EXECUTIVO NA EXECUÇÃO DO ORÇAMENTO - ARTIGO 176, INCISO I, DA REFERIDA CONSTITUIÇÃO, QUE VEDA O INÍCIO DE PROGRAMAS. PROJETOS E ATIVIDADES NÃO INCLUÍDOS NA LEI ORÇAMENTÁRIA ANUAL (TJSP, ADI 142.519-0/5-00, Rel. Des. Mohamed Amaro, 15-08-2007).
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALÍDADE -
LEI N° 2.057/09, DO MUNICÍPIO DE LOUVEIRA - AUTORIZA O PODER EXECUTIVO A
COMUNICAR O CONTRIBUINTE DEVEDOR DAS CONTAS VENCIDAS E NÃO PAGAS DE ÁGUA, IPTU,
ALVARÁ A ISS, NO PRAZO MÁXIMO DE 60 DIAS APÓS O VENCIMENTO – INCONSTITUCIONALÍDADE
FORMAL E MATERIAL - VÍCIO DE INICIATIVA E VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO
DOS PODERES - INVASÃO DE COMPETÊNCIA DO PODER EXECUTIVO - AÇÃO PROCEDENTE.
A lei inquinada originou-se de projeto
de autoria de vereador e procura criar, a pretexto de ser meramente
autorizativa, obrigações e deveres para a Administração Municipal, o que
redunda em vício de iniciativa e usurpação de competência do Poder Executivo.
Ademais, a Administração Pública não necessita de autorização para desempenhar
funções das quais já está imbuída por força de mandamentos constitucionais”
(TJSP, ADI 994.09.223993-1, Rel. Des. Artur Marques, v.u., 19-05-2010).
“Ação Direta de Inconstitucionalidade.
Lei Municipal n° 2.531, de 25 de novembro de 2009, do Município de Andradina,
'autorizando' o Poder Executivo Municipal a conceder a todos os alunos das
escolas municipais auxílio pecuniário para aquisição de material escolar,
através de vale-educação no comércio local. Lei de iniciativa da edilidade, mas
que versa sobre matéria reservada à iniciativa do Chefe do Executivo. Violação
aos arts. 5º, 25 e 144 da Constituição do Estado. Não obstante com caráter
apenas 'autorizativo', lei da espécie usurpa a competência material do Chefe do
Executivo. Ação procedente” (TJSP, ADI 994.09.229479-7, Rel. Des. José Santana,
v.u., 14-07-2010).
28. A
argumentação da natureza autorizativa da norma e da inércia na execução da lei
não elide a conclusão de sua inconstitucionalidade, como já decidido:
“5. Não é tolerável, com efeito, que, como está prestes a ocorrer neste caso, o Governador do Estado, à mercê das veleidades legislativas, permaneça durante tempo imprevisível com uma lei inconstitucional a tiracolo, ou, o que o seria ainda pior, seja compelido a transmiti-la a seu sucessor, com as consequências de ordem política daí derivadas” (STF, ADI-MC 2.367-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Maurício Corrêa, 05-04-2001, v.u., DJ 05-03-2004, p. 13).
29. A Administração Pública está
vinculada positivamente ao princípio da legalidade (art. 37, Constituição
Federal; art. 111, Constituição Estadual) e, atento à consideração (essencial)
do cancelamento da Súmula 05 do Supremo Tribunal Federal, afigura-se impossível
ao Chefe do Poder Executivo (vetando ou não a lei de iniciativa parlamentar que
disciplina a matéria) cumpri-la (ou seja, atender à autorização nela contida),
pois, a inconstitucionalidade a tisna desde seu nascedouro, e a dimensão do
princípio da legalidade (rectius:
juridicidade) requer a conformidade dos atos da Administração com o ordenamento
jurídico inteiro – inclusive as normas constitucionais.
30. Face ao exposto, opino pela
procedência da ação para declarar a incompatibilidade da Lei Complementar n.
1.596, de 11 de novembro de 2013, do Município de Serrana, com os arts. 5º, 25, 24, § 2º, 1, 2 e 4, 47, II, XIV, e XIX, a, 115, I, II e X, e 174, III, da Constituição Estadual.
São
Paulo, 07 de março de 2014.
Nilo Spinola Salgado Filho
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
wpmj