Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo nº 0219272-79.2012.8.26.0000

Requerente: Prefeito Municipal de Américo Brasiliense

Requerido: Presidente da Câmara Municipal de Américo Brasiliense

 

 

 

Ementa:

 

1)      Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Complementar nº 128, de 13 de setembro de 2012, do Município de Américo Brasiliense, fruto de iniciativa parlamentar, que Dá nova redação ao artigo 31, e acrescenta os incisos I, II e III, a Lei Complementar nº 027 de 08 de Agosto de 2000.

2)      A concessão de isenção ao pagamento de preço público (tarifa) pela prestação de serviço público comercial ou industrial, executado direta ou indiretamente, é matéria reservada ao Poder Executivo (art. 120, Constituição Estadual).

3)      O parâmetro constitucional ao prever a competência do órgão executivo competente para fixação da tarifa inclui alterações, isenções etc., e, portanto, a outorga de isenção por ato normativo do Poder Legislativo, de iniciativa parlamentar, viola a cláusula da separação de poderes constante do art. 5º da Constituição Estadual. Procedência da ação.

 

 

Colendo Órgão Especial

Senhor Desembargador Relator

 

Tratam estes autos de ação direta de inconstitucionalidade, tendo como alvo a Lei Complementar nº 128, de 13 de setembro de 2012, do Município de Américo Brasiliense, fruto de iniciativa parlamentar, que Dá nova redação ao artigo 31, e acrescenta os incisos I, II e III, a Lei Complementar nº 027 de 08 de Agosto de 2000.

Sustenta o requerente que a lei é inconstitucional por usurpar competência reservada ao chefe do Poder Executivo e gerar despesa sem previsão da respectiva fonte de custeio. Daí, a afirmação de ofensa ao disposto nos arts. 2º, 5º, 25, 47, II e XIV e 159, parágrafo único, da Constituição Estadual.

Foi deferida a liminar (fl. 32), com suspensão da eficácia do ato normativo impugnado.

Citado regularmente (fls. 44), o Senhor Procurador-Geral do Estado declinou de realizar a defesa do ato normativo impugnado, afirmando tratar de matéria de interesse exclusivamente local (fls. 46/47).

Notificada, a Presidência da Câmara Municipal prestou informações defendendo a validade do ato normativo impugnado (fls. 49/52).

É o breve relato do ocorrido nos autos.

PRELIMINARMENTE

Observo que o diploma legal impugnado alude à modificação de redação e acréscimos de incisos ao artigo 31 da Lei Complementar nº 27/2000 do Município de Américo Brasiliense.

Ocorre que foi juntada aos autos a Lei Complementar nº 009/2000, que segundo consta das informações da Câmara Municipal teve a numeração reestruturada para nº 27/2000).

Junta-se a presente manifestação cópia da Lei Complementar nº 11/2011 que alterou e estruturou a numeração da Leis Complementares do Município de Américo Brasiliense.

NO MÉRITO

A Lei Complementar nº 128, de 13 de setembro de 2012, do Município de Américo Brasiliense, fruto de iniciativa parlamentar, que deu nova redação ao artigo 31 e acrescentou os incisos I, II e III ao artigo citado da Lei Complementar nº 027, de 08 de Agosto de 2000, do mesmo município, estabelece a isenção do pagamento de tarifa no Serviço de Transporte Coletivo de Passageiros no Município às pessoas portadoras de deficiência intelectual ou física, permanente ou temporária.

Os incisos I, II e III acrescidos ao art. 31 da Lei Complementar nº 27/2000, trazem rol das espécies de deficiência, bem como definem deficiência permanente e temporária.

A matéria versada na lei impugnada não é de iniciativa legislativa reservada ao Executivo, pois não está contemplada no rol do art. 24, § 2º, 1 a 6, da Constituição Paulista (que reproduz, de modo geral, o disposto no art. 61, § 1º, da CR), inexistindo, por esse aspecto, qualquer inconstitucionalidade a ser declarada em razão do impulso parlamentar dado ao projeto que culminou com a edição do ato normativo em epígrafe.

No entanto, há violação ao postulado constitucional da independência e harmonia entre os Poderes.

 A concessão de isenção ao pagamento de preço público (tarifa) pela prestação de serviço público comercial ou industrial, executado direta ou indiretamente, é matéria reservada ao Poder Executivo, nos termos do que dispõe o art. 120 da Constituição Estadual.

Com efeito, ao prever a competência do órgão executivo competente para fixação da tarifa, tal inclui alterações, isenções etc., e, portanto, a outorga de isenção por ato normativo do Poder Legislativo, de iniciativa parlamentar, viola a cláusula da separação de poderes constante do art. 5º da Constituição Estadual.

O Executivo não deve sofrer indevida interferência em sua primacial função de administrar (planejamento, direção, organização e execução das atividades da Administração).

Assim, quando o Poder Legislativo edita lei estabelecendo hipóteses de isenção tarifária no transporte urbano coletivo, como ocorre, no caso em exame, invade, indevidamente, esfera que é própria da atividade do Administrador Público, violando o princípio da separação de poderes.

É pacífico na doutrina, bem como na jurisprudência, que ao Poder Executivo cabe primordialmente a função de administrar, que se revela em atos de planejamento, organização, direção e execução de atividades inerentes ao Poder Público.

De outra banda, ao Poder Legislativo, de forma primacial, cabe a função de editar leis, ou seja, atos normativos revestidos de generalidade e abstração.

O diploma impugnado invadiu a esfera da gestão administrativa, que cabe ao Poder Executivo, pois envolve o planejamento, a direção, a organização e a execução de atos de governo, no caso em análise representados pela concessão de isenção tarifária nos serviços de transporte urbano coletivo. A atuação legislativa impugnada, equivale à prática de ato de administração, de sorte a violar a garantia constitucional da separação dos poderes.

Cumpre recordar aqui o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que “a Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar. (...) O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que residem a harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional (art.2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante”. Sintetiza, ademais, que “todo ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art. 2º c/c o art. 31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito municipal brasileiro, 15. ed., atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo, Malheiros, 2006, p. 708 e 712).

A importância da reserva da Administração é bem aquilatada pelo Supremo Tribunal Federal:

 “RESERVA DE ADMINISTRAÇÃO E SEPARAÇÃO DE PODERES. - O princípio constitucional da reserva de administração impede a ingerência normativa do Poder Legislativo em matérias sujeitas à exclusiva competência administrativa do Poder Executivo. É que, em tais matérias, o Legislativo não se qualifica como instância de revisão dos atos administrativos emanados do Poder Executivo. Precedentes. Não cabe, desse modo, ao Poder Legislativo, sob pena de grave desrespeito ao postulado da separação de poderes, desconstituir, por lei, atos de caráter administrativo que tenham sido editados pelo Poder Executivo, no estrito desempenho de suas privativas atribuições institucionais. Essa prática legislativa, quando efetivada, subverte a função primária da lei, transgride o princípio da divisão funcional do poder, representa comportamento heterodoxo da instituição parlamentar e importa em atuação ultra vires do Poder Legislativo, que não pode, em sua atuação político-jurídica, exorbitar dos limites que definem o exercício de suas prerrogativas institucionais” (STF, ADI-MC 2.364-AL, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 01-08-2001, DJ 14-12-2001, p. 23).

Em caso similar, este egrégio Órgão Especial declarou a inconstitucionalidade de lei de iniciativa parlamentar:

“Ação direta de inconstitucionalidade - Lei do Município de Andradina, de iniciativa parlamentar, que concedeu isenção de tarifa de água e esgoto a aposentados - Violação à separação de Poderes - Matéria referente à tarifa e preço público pela remuneração dos serviços que é de competência do Executivo (art. 120, da CE) - Vício de iniciativa caracterizado - Ação procedente, para reconhecer a inconstitucionalidade da Lei 2.733, de 19 de setembro de 2011, do Município de Andradina. (TJSP, ADI 0256692-55.2011.8.26.0000, Rel. Des. Enio Zuliani, v.u., 23-05-2012).

Diante do exposto, aguarda-se a procedência do pedido, reconhecendo-se a inconstitucionalidade da Lei Complementar nº 128, de 13 de setembro de 2012, do Município de Américo Brasiliense.

 

São Paulo, 11 de março de 2013.

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

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