Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

 

Processo nº. 0221846-75.2012.8.26.0000

Requerente: Prefeito do Município de Guarulhos

Requerido: Presidente da Câmara Municipal de Guarulhos

 

 

 

Ementa: 1) Ação direta de inconstitucionalidade, movida por Prefeito. Lei nº 7.067 de 13 de setembro de 2012, do Município de Guarulhos, que: a) reduziu as alíquotas do Imposto Sobre Serviço dos serviços de consórcio; e b) isentou do referido imposto os artistas e produtores, prestadores de serviços culturais. Lei tributária benéfica.  Emenda parlamentar ao projeto de lei. Alegada usurpação da competência privativa do Chefe do Poder Executivo. Precedentes do Supremo Tribunal Federal no sentido de que, em matéria tributária, a iniciativa das leis, inclusive das benéficas, é concorrente.  2) Na ação direta de inconstitucionalidade, legitimado ativo é o Prefeito do Município (art. 90, II, CE) e considerando a envergadura política dessa legitimidade ativa “ad causam”, englobante da capacidade postulatória, é razoável assentar que, embora dispensável a representação por causídico, sua existência, todavia, importa a necessidade de, no mínimo, subscrição conjunta da petição inicial e consequente inadmissibilidade da forma isolada, tão somente pelo procurador, sem poderes especiais. Parecer pela improcedência da ação.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de Guarulhos, tendo por objeto a Lei nº 7.067 de 13 de setembro de 2012, daquele Município, que 1) reduziu as alíquotas do Imposto Sobre Serviço dos serviços de consórcio; e 2) isentou do referido imposto os artistas e produtores, prestadores de serviços culturais.

Sustenta o autor que o Chefe do Poder Executivo enviou à Câmara Municipal Projeto de Lei substitutivo à Lei nº 3.536/12 que dispõe sobre alterações à Lei Municipal nº 5.986 de 29 de dezembro de 2003, que trata sobre o lançamento, arrecadação e fiscalização do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza.

Referido Projeto de Lei foi alvo de Emendas que, aprovadas pelo Plenário da Câmara, recebeu o nº 7.067 de 13 de setembro de 2012, e promoveu: 1) redução das alíquotas de 5% para 2% para os serviços de consórcio; e 2) isenção do imposto para os artistas e produtores, prestadores de serviços culturais.

Por se tratar de Emendas Parlamentares, haveria ofensa ao princípio da tripartição dos poderes e vício de iniciativa.

A Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 80/81).

O Presidente da Câmara Municipal prestou informações, em defesa da norma impugnada (fls. 95/105).

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 92/93).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

Preliminarmente, observo que a petição inicial é subscrita apenas por douto advogado público (fl. 22), acompanhada de instrumento de mandato, sem poderes especiais (fl. 78).

A legitimidade ativa pertence ao Prefeito do Município (art. 90, II, Constituição Estadual), bem como a capacidade postulatória, como decidido pelo Supremo Tribunal Federal:

“O Governador do Estado de Pernambuco ajuíza ação direta de inconstitucionalidade, na qual alega que a decisão 123/98 do Tribunal de Contas da União, ao exigir autorização prévia e individual do Senado Federal para as operações de crédito entre os Estados e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES, teria afrontado as disposições dos artigos 1º e 52, incisos V e VII, da Constituição Federal.

 2. Entende possuir legitimidade para a ação, em face dos reflexos do ato impugnado sobre o Estado.

3. É a síntese do necessário.

4. Decido.

5. Verifico que a ação, embora aparentemente proposta pelo Chefe do Poder Executivo estadual, está apenas assinada pelo Procurador-Geral do Estado. De plano, resulta claro que o signatário da inicial atuou na estrita condição de representante legal do ente federado (CPC, artigo 12, I), e não do Governador, pessoas que não se confundem.

6. A medida constitucional utilizada revela instituto de natureza excepcional, em que se pede ao Supremo Tribunal Federal que examine a lei ou ato normativo federal ou estadual, em tese, para que se proceda ao controle normativo abstrato do ato impugnado em face da Constituição.

7. Com efeito, cuida ela de processo objetivo sujeito à disciplina processual própria, traçada pela Carta Federal e pela legislação específica - Lei 9.896/99. Inaplicáveis, assim, as regras instrumentais destinadas aos procedimentos de natureza subjetiva.

8. O Governador de Estado é detentor de capacidade postulatória intuitu personae para propor ação direta, segundo a definição prevista no artigo 103 da Constituição Federal. A legitimação é, assim, destinada exclusivamente à pessoa do Chefe do Poder Executivo estadual, e não ao Estado enquanto pessoa jurídica de direito público interno, que sequer pode intervir em feitos da espécie (ADI(AgRg)1.797-PE, DJ de 23.2.01; ADI (AgRg) 2.130-SC, Celso de Mello, j. de 3.10.01, Informativo 244; ADI (EMBS.) 1.105-DF, Maurício Corrêa, j. de 23.8.01).

9. Por essa razão, inclusive, reconhece-se à referida autoridade, independentemente de sua formação, aptidão processual plena ordinariamente destinada apenas aos advogados (ADIMC 127-AL, Celso de Mello, DJ 04.12.92), constituindo-se verdadeira hipótese excepcional de jus postulandi.

 10. No caso concreto, em que pese a invocação do nome do Governador como sendo autor da ação (fl.2), a alegada representação pelo signatário não restou demonstrada. Indiscutível, é que a medida foi efetivamente ajuizada pelo Estado, na pessoa de seu Procurador-Geral, que nesta condição assinou a peça inicial.

 11. Ante essas circunstâncias, com fundamento no artigo 21, § 1º do RISTF, bem como nos artigos 3º, parágrafo único e 4º da Lei 9.868/99, não conheço da ação” (STF, ADI 1814-DF, Rel. Min. Maurício Corrêa, 13-11-2001, DJ 12-12-2001, p. 40).

Consoante explica a doutrina, “os legitimados para a ação direta referidos nos itens I a VII do art. 103 da CF dispõem de capacidade postulatória plena, podendo atuar no âmbito da ação direta sem o concurso de advogado” (Ives Gandra da Silva Martins e Gilmar Ferreira Mendes. Controle concentrado de constitucionalidade, São Paulo: Saraiva, 2007, 2ª ed., p. 246).

Logo, considerando a envergadura política dessa legitimidade ativa ad causam, englobante da capacidade postulatória, é razoável assentar que, embora dispensável a representação por causídico, sua existência, todavia, importa a necessidade de, no mínimo, subscrição conjunta da petição inicial e consequente inadmissibilidade da forma isolada, tão somente pelo procurador.

Ademais, há decisão registrando que:

“É de exigir-se, em ação direta de inconstitucionalidade, a apresentação, pelo proponente, de instrumento de procuração ao advogado subscritor da inicial, com poderes específicos para atacar a norma impugnada” (STF, ADI-QO 2187-BA, Tribunal Pleno, Rel. Min. Octavio Gallotti, 24-05-2000, m.v., DJ 12-12-2003, p. 62).

Esse entendimento foi direcionado também para os integrantes da advocacia pública.

Assim sendo, opino, preliminarmente, pela intimação do autor para regularização e subscrição da petição inicial, no prazo legal, sob pena de indeferimento, aviando, desde já, nas hipóteses de inércia ou recusa, a extinção sem resolução do mérito, conforme já decidido por este colendo Órgão Especial (ADI 0030396-43.2012.8.26.0000, Rel. Des. Guerrieri Rezende, v.u., 17-10-2012).

No mérito, a ação é improcedente.

 

A lei impugnada assim se encontra redigida:

         "Art. 1º O item 15.01 da lista de serviços integrante do art. 3º da Lei nº 7.067 de 13 de julho de 2012, passa a vigorar com a seguinte redação:

 

Item

          

           Descrição

         

Alíquota

15.01

Administração de fundos quaisquer, de consórcios, de cartão de crédito ou débito e congêneres, de carteira de clientes, de cheques pré-datados e congêneres.

 

 

15.01.01 Administração de cartão de crédito ou débito e congênere

 

2%

 

15.01.02 Administração de consórcio

 

2%

 

15.01.03 Administração de fundos quaisquer, de carteira de clientes, de cheques pré-datados e congêneres

 

5%

 

 

 

 

Art. 4º Fica incluído na Lei nº 5986/03, o seguinte artigo 38-A:

         ‘Art. 38-A. Ficam isentos do pagamento do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISSQN, os artistas e produtores, prestadores de serviços culturais na qualidade de pessoas físicas, domiciliados no Município, que exerçam atividade de forma não estabelecida.

         § 1º A isenção prevista do caput deste artigo é restrita à prestação de serviços culturais praticada de maneira habitual ou não, pelos artistas e produtores prestadores de serviços já inscritos, bem como aos que efetivarem sua inscrição no Cadastro Fiscal Mobiliário.

         § 2º A isenção referida no caput não se aplica às pessoas físicas que exercem atividade econômica de forma estabelecida.

         § 3º A isenção de que trata este artigo não exime as pessoas físicas, domiciliadas no Município, que exerçam atividade de forma não estabelecida, de maneira habitual ou não, de procederem a sua inscrição e atualização de seus dados no Cadastro Fiscal Mobiliário e do cumprimento das demais obrigações acessórias.’

         Art. 3º Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação.”

O ato impugnado, como se vê, tem a natureza de norma tributária benéfica, porque culmina por reduzir a alíquota do ISSQN incidente sobre o serviço de Administração de Consórcio e isentar do mesmo imposto os artistas e produtores, prestadores de serviços culturais.

De forma majoritária, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo tem declarado a inconstitucionalidade de leis de iniciativa parlamentar que instituem benefícios fiscais.

Tem prevalecido o entendimento de que as normas da espécie, porque diminuem a receita, somente poderiam ser concebidas pelo Poder Executivo, que é o encarregado da execução do Orçamento.

Colhe-se, em recente Acórdão, a comprovação dessa assertiva:

“Este Órgão Especial, na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 144.748.0/4-00, julgada em 12 de setembro de 2007, sendo relator o Des. MARCO CÉSAR, à unanimidade reconheceu a inconstitucionalidade por vício de iniciativa de lei tributária benéfica de Ribeirão Preto, que instituiu incentivo fiscal para apoio de projetos culturais. Também na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 135.071.0/3-00, julgada em 26 de setembro de 2007, sendo relator o Des. MOHAMED AMARO, contra os votos dos Des. ROBERTO VALLIM BELLOCCHI e IVAN SARTORI reconheceu a inconstitucionalidade por vício de iniciativa de lei que instituiu a isenção tributária aos portadores de deficiência ou seus responsáveis, no Município de Jundiaí. E mais recentemente, na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 148.312.4/0-00, julgada em 3 de outubro de 2007, sendo relator o des. MARCO CÉSAR, também contra os votos dos Des. ROBERTO VALLIM BELLOCCHI e IVAN SARTORI reconheceu a inconstitucionalidade por vício de iniciativa de lei que isentou do pagamento de taxas entidades beneficiadas pela imunidade” (ADIN nº 149.269-0/4-00, de 20 de fevereiro de 2008, r. Des. Boris Kauffmann).

Essa orientação tem apoio em Carraza.

A inciativa concorrente não valeria para as leis benéficas, cuja iniciativa está reservada ao chefe do Executivo (Presidente, Governador, Prefeito). Leis benéficas, de acordo com este entendimento, são aquelas que, quando aplicadas, acarretam diminuição de receita, como as que concedem isenções tributárias, parcelam débitos fiscais, aumentam prazos para o normal recolhimento de tributos, etc. (Roque Antonio Carrazza. Curso de Direito Constitucional Brasileiro. 23a ed , 2007, São Paulo: Malheiros Editores, p. 303-304).

A orientação contrária, no entanto, apóia-se no fato de que, em matéria tributária, a competência legislativa é concorrente (art. 61 da CF e art. 24 da CE).

Desse modo, não haveria inconstitucionalidade por vício de iniciativa, nem violação ao princípio da tripartição dos poderes, na lei que institui benefício fiscal, pois a norma não estaria versando sobre matéria orçamentária, nem aumentando a despesa do Município.

E essa é a tese que prevalece no Supremo Tribunal Federal. Em recente Acórdão, da lavra do em. Ministro Eros Grau, ficou consignado:

“O texto normativo impugnado dispõe sobre matéria de caráter tributário, isenções, matéria que, segundo entendimento dessa Corte, é de iniciativa comum ou concorrente; não há, no caso, iniciativa [parlamentar] reservada ao Chefe do Poder Executivo. Tem-se por superado, nesta Corte, o debate a propósito de vício de iniciativa referente à matéria tributária” (ADI 3.809/ES, j. 14.6.07. Disponível em www.stf.gov.br. Acesso em 15 out. 2008, g.n.).

Os seguintes julgados (citados no v. Acórdão destacado) comprovam essa assertiva:

“EMENTA: I. Ação direta de inconstitucionalidade: L. est. 2.207/00, do Estado do Mato Grosso do Sul (redação do art. 1º da L. est. 2.417/02), que isenta os aposentados e pensionistas do antigo sistema estadual de previdência da contribuição destinada ao custeio de plano de saúde dos servidores Estado: inconstitucionalidade declarada. II. Ação direta de inconstitucionalidade: conhecimento. 1. À vista do modelo dúplice de controle de constitucionalidade por nós adotado, a admissibilidade da ação direta não está condicionada à inviabilidade do controle difuso. 2. A norma impugnada é dotada de generalidade, abstração e impessoalidade, bem como é independente do restante da lei. III. Processo legislativo: matéria tributária: inexistência de reserva de iniciativa do Executivo, sendo impertinente a invocação do art. 61, § 1º, II, b, da Constituição, que diz respeito exclusivamente aos Territórios Federais. IV. Seguridade social: norma que concede benefício: necessidade de previsão legal de fonte de custeio, inexistente no caso” (CF, art. 195, § 5º): precedentes (ADI 3205/MS - Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Julgamento: 19/10/2006, Órgão Julgador: Tribunal Pleno, Publicação DJ 17-11-2006 PP-00047)

“EMENTA: CONSTITUCIONAL. LEI DE ORIGEM PARLAMENTAR QUE FIXA MULTA AOS ESTABELECIMENTOS QUE NÃO INSTALAREM OU NÃO UTILIZAREM EQUIPAMENTO EMISSOR DE CUPOM FISCAL. PREVISÃO DE REDUÇÃO E ISENÇÃO DAS MULTAS EM SITUAÇÕES PRÉ-DEFINIDAS. ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA NÃO LEGISLOU SOBRE ORÇAMENTO, MAS SOBRE MATÉRIA TRIBUTÁRIA CUJA ALEGAÇÃO DE VÍCIO DE INICIATIVA ENCONTRA-SE SUPERADA. MATÉRIA DE INICIATIVA COMUM OU CONCORRENTE. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE” (ADI 2659/SC - Min. NELSON JOBIM, Julgamento: 03/12/2003, Publicação DJ 06-02-2004 PP-00022)

É inequívoco que ao reduzir a alíquota do ISSQN incidente sobre o serviço de Administração de Consórcio e isentar do mesmo imposto os artistas e produtores, prestadores de serviços culturais, a lei impugnada, fruto de emenda parlamentar, redimensionou para menos a receita.

Toda política pública, entretanto, tem impacto no orçamento, realidade que não pode ser levada em conta para caracterizar como orçamentária a norma que a estabelece.

Desse modo, curvando-me à orientação do Supremo Tribunal Federal, não vislumbro a inconstitucionalidade da lei impugnada.

Opino, pois, pela intimação do autor para regularização e subscrição da petição inicial, no prazo legal, sob pena de indeferimento, e, no mérito, pela improcedência da ação.

São Paulo, 28 de fevereiro de 2013.

 

 

        Sérgio Turra Sobrane

        Subprocurador-Geral de Justiça

     Jurídico

fjyd