Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

 

Processo nº 0224716-93.2012.8.26.0000

Requerente: Associação Paulista de Supermercados (APAS)

Requeridos: Prefeito e Câmara do Município de Sorocaba

 

Ementa:

Constitucional. Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Municipal nº 10.287, de 26 de setembro de 2012, de Sorocaba, que, nos termos da respectiva rubrica: “Obriga os centros comerciais, hipermercados, supermercados e estabelecimentos congêneres de grande porte a prestarem os primeiros socorros médicos, nos casos de urgência ou emergência, aos que se encontrarem em suas dependências, e dá outras providências”. Inocorrência de reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo ou de invasão da reserva da Administração. Inexistência de ofensa aos princípios de isonomia, razoabilidade e proporcionalidade. Invasão da competência normativa federal. Inconstitucionalidade da norma por obrigar os referidos estabelecimentos à contratação de pessoal especializado, matéria que é da competência normativa federal (arts. 22, I, CF/88). Procedência da ação.

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pela Associação Paulista de Supermercados (APAS), tendo como alvo a Lei Municipal nº 10.287, de 26 de setembro de 2012, de Sorocaba, que, conforme respectiva rubrica “Obriga os centros comerciais, hipermercados, supermercados e estabelecimentos congêneres de grande porte a prestarem os primeiros socorros médicos, nos casos de urgência ou emergência, aos que se encontrarem em suas dependências, e dá outras providências”.

Sustenta a autora que: 1) há vício de iniciativa, porque a Lei em questão é de origem parlamentar e viola o princípio da separação dos poderes; 2) a objurgada norma viola competência exclusiva da União para legislar sobre Direito do Trabalho e Comercial; e 3) viola os princípios da isonomia, da livre iniciativa, da legalidade e da razoabilidade.

A liminar foi concedida suspendendo-se a eficácia da lei impugnada (fls. 68/69).

Contra tal decisão interpôs a Câmara Municipal de Sorocaba agravo regimental (fls. 78/92), ao qual foi negado provimento (fls. 183/186).

Citado regularmente, o Procurador Geral do Estado afirmou tratar de matéria de interesse exclusivamente local, declinando de realizar a defesa do ato normativo impugnado (fls. 204/206).

Notificado, o Prefeito Municipal de Sorocaba apresentou informações às fls. 228/232, sustentando a constitucionalidade da lei impugnada.

A Câmara Municipal de Sorocaba, em suas informações de fls. 208/226 também defendeu a constitucionalidade do ato normativo impugnado.

É a síntese do ocorrido nos autos.

A Lei n. 10.287, de 26 de setembro de 2012, de Sorocaba, conta com a seguinte redação:

“Art. 1º Os centros comerciais, hipermercados, supermercados e estabelecimentos congêneres de grande porte que atuam no varejo, com mais de 20 (vinte) caixas, ficam obrigados a dispor, permanentemente, de uma equipe de primeiros socorros médicos, destinados ao público consumidor, trabalhadores, prestadores de serviços e visitantes que se encontrem em suas dependências nos casos de urgência ou emergência.

Art. 2º Os estabelecimentos referidos nesta Lei devem manter, durante todo o horário de funcionamento, em escala de plantão, equipe de socorro, remédios e instrumentos próprios, necessários à assistência de casos urgentes ou emergentes e ambulâncias para remoção dos pacientes, quando necessário.

§ 1º A equipe médica deverá ser composta por profissionais capacitados em prontos socorros.

§ 2º Os estabelecimentos referidos nesta Lei destinarão área física suficiente para a instalação e funcionamento de local de apoio para atendimento de primeiros socorros emergenciais, a qual deverá estar equipada, entre outros, com aparelho DEA Desfibrilador, medidor de pressão arterial, balão de oxigênio e maca para transporte.

§ 3º Os serviços prestados ao paciente, ainda que por terceiros contratados, serão gratuitos, inclusive os de remoção, quando houver, até a efetiva internação em clínica ou estabelecimento hospitalar.

§ 4º Na ocorrência de caso grave, que exija tratamento continuado, todas as providências posteriores ao atendimento emergencial serão de responsabilidade do próprio paciente.

Art. 3º O descumprimento da presente Lei acarretará ao estabelecimento infrator aplicadas sucessivamente as seguintes penalidades:

a)     advertência;

b)     multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), aplicada em dobro no caso de reincidência;

c)      cassação do alvará de funcionamento no caso de segunda reincidência;

Parágrafo único. Os valores da multa aqui estipulada serão corrigidos nas mesmas épocas e pelos mesmos índices e critérios utilizados pela legislação tributária em vigor.

Art. 4º Os centros comerciais e as empresas referidos no art. 1º desta lei terão o prazo de 90 (noventa) dias para se enquadrarem nos seus ditames, a contar da data da sua publicação.

Art. 5º As despesas com a execução da presente Lei correrão por conta de verba própria consignada no orçamento.

Art. 6º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.”

 

DA ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES – VÍCIO DE INICIATIVA

Deve-se ressaltar, inicialmente, que a lei não tratou de nenhuma matéria cuja iniciativa legislativa seja reservada ao chefe do Poder Executivo, e tampouco houve violação ao princípio da separação de poderes por invasão da esfera da gestão administrativa.

A matéria sujeita à iniciativa reservada do chefe do Poder Executivo, por ser direito estrito, deve ser interpretada restritivamente.

Nesse sentido é o entendimento pacífico do Colendo Supremo Tribunal Federal, ao interpretar o art. 61, § 1º, da Constituição Federal, como se infere dos precedentes a seguir:

“(...)

As hipóteses de limitação da iniciativa parlamentar estão previstas, em numerus clausus, no art. 61 da Constituição do Brasil – matérias relativas ao funcionamento da administração pública, notadamente no que se refere a servidores e órgãos do Poder Executivo. Precedentes. (ADI 3.394, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 2-4-2007, Plenário, DJE de 15-8-2008.)

(...)

iniciativa reservada, por constituir matéria de direito estrito, não se presume e nem comporta interpretação ampliativa, na medida em que, por implicar limitação ao poder de instauração do processo legislativo, deve necessariamente derivar de norma constitucional explícita e inequívoca. (...) (ADI 724-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 7-5-1992, Plenário, DJ de 27-4-2001, g.n.)

(...)”

No mesmo sentido, os seguintes julgados: ADI 3.205, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 19-10-2006, Plenário, DJ de 17-11-2006; RE 328.896, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 9-10-2009, DJE de 5-11-2009; ADI 2.392-MC, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 28-3-2001, Plenário, DJ de 1º-8-2003; ADI 2.474, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 19-3-2003, Plenário, DJ de 25-4-2003; ADI 2.638, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 15-2-2006, Plenário, DJ de 9-6-2006.

As matérias em que há iniciativa legislativa reservada ao chefe do Poder Executivo, em conformidade com o ordenamento constitucional, são indicadas taxativamente: (a) criação e extinção de cargos e funções na administração direta ou indireta autárquica, bem como a fixação da respectiva remuneração; (b) criação de órgãos públicos; (c) organização da Procuradoria-Geral do Estado e da Defensoria Pública; (d) servidores públicos e seu regime jurídico; (e) regime jurídico dos servidores militares, e (e) criação, alteração e supressão de cartórios.

Isso decorre dos itens 1, 2, 3, 4, 5 e 6 do § 2º do art. 24 da Constituição do Estado, aplicáveis aos municípios por força do art. 144 da própria Carta Estadual, configurando reprodução das diretrizes contidas no art. 61, § 1º, da Constituição Federal.

A leitura da lei impugnada permite ver claramente que ela não trata de nenhum desses assuntos.

Não há, no caso, qualquer vestígio, nem mesmo tênue, de desrespeito ao princípio da separação de poderes, estabelecido no art. 5º da Constituição do Estado, que reproduz o art. 2º da Constituição Federal.

Seria possível afirmar a ocorrência de quebra da separação de poderes, caso a lei interferisse diretamente na gestão administrativa.

Há interferência direta do legislador na atividade do administrador em casos de leis de iniciativa parlamentar que, por exemplo: (a) criam programas de governo a serem seguidos pelo Poder Executivo; (b) impõem ou vedam a prática de atos administrativos (contratos, permissões, concessões, autorizações, etc.); (c) concedem nomes a prédios públicos, praças ou vias públicas; (d) impõem a inserção de informações em comunicados enviados aos munícipes relativos ao lançamento de impostos; (e) criam sistemas de controle orçamentário, com imposição de envio periódico de informações do Executivo ao Legislativo, sem que haja correspondência com o modelo previsto na Constituição da República, aplicável no plano municipal e estadual por força do princípio constitucional da simetria; entre outros.

Em síntese: é possível identificar a ocorrência da quebra do princípio da separação de poderes quando da lei resulta interferência direta por parte do legislador na atividade do administrador.

Não é isso o que se verifica no caso em exame.

A Lei Municipal nº 10.287, de 26 de setembro de 2012, de Sorocaba, impôs obrigações aos comerciantes que explorem seus negócios em centros comerciais, supermercados, hipermercados e estabelecimentos congêneres de grande porte, e não ao município.

Se, para fiscalizar o seu cumprimento, será ou não necessária criação de novos cargos de fiscalização, ou mesmo se será ou não necessária atividade suplementar de servidores municipais, e se isso provocará ou não maiores gastos por parte do Poder Público, é algo que dependerá essencialmente da opção político-administrativa, calcada na esfera da conveniência e oportunidade administrativa, a cargo do chefe do Poder Executivo Municipal.

E essa avaliação e decisão ocorrerão no âmbito administrativo, não decorrendo diretamente da lei impugnada.

Nada assegura que, para a realização da fiscalização quanto ao cumprimento da lei impugnada, será mesmo imprescindível, como sustentou a requerente, a criação de cargos, órgãos públicos, ou mesmo a realização de despesas complementares cuja fonte de receita não foi prevista.

Em suma, a Lei Municipal nº 20.287, de 26 de setembro de 2012, de Sorocaba, não cria diretamente cargos, órgãos, ou encargos para a Administração Pública, nem regula diretamente a prestação de serviços pelo Poder Público, e tampouco gera diretamente qualquer despesa para a Administração Pública.

Conclui-se, portanto, pela inexistência de violação ao princípio da separação de poderes e, consequentemente, do vício de iniciativa.

 

DA ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO DA COMPETÊNCIA EXCLUSIVA DA UNIÃO PARA LEGISLAR SOBRE A MATÉRIA (ART. 22, I, DA CF)

A ação só merece conhecimento no tocante ao contraste da lei local com preceitos da Constituição Estadual (ou da Constituição Federal reproduzidos naquela), nos termos do art. 125, § 2º, da Constituição Federal, alijando da sindicância eventual incompatibilidade com normas infraconstitucionais ou com a lei orgânica municipal.

Contudo, é cabível o contraste da lei local com a Constituição Federal a partir da norma remissiva contida no art. 144 da Constituição Estadual - que reproduz o art. 29 caput da Constituição Federal – e que determina a observância na esfera municipal, além das regras da Constituição Estadual, dos princípios da Constituição Federal, sendo denominado “norma estadual de caráter remissivo, na medida em que, para a disciplina dos limites da autonomia municipal, remete para as disposições constantes da Constituição Federal”, como averbou o Supremo Tribunal Federal ao credenciar o controle concentrado de constitucionalidade de lei municipal por esse ângulo (STF, Rcl 10.406-GO, Rel. Min. Gilmar Mendes, 31-08-2010, DJe 06-09-2010; STF, Rcl 10.500-SP, Rel. Min. Celso de Mello, 18-10-2010, DJe 26-10-2010).

Daí decorre a possibilidade de contraste da lei local com o art. 144 da Constituição Estadual, por sua remissão à Constituição Federal e, em especial, a seus arts. 22, I, e 24, V, que conferem atribuição normativa a outras esferas no esquema de repartição de competências entre os entes federados e que atende ao princípio federativo.

A norma local impugnada efetivamente extrapola os limites da autonomia municipal radicados nos incisos I e II do art. 30 da Constituição Federal e invade a competência legislativa alheia contida nos arts. 22, I, e 24, V, da Constituição Federal.

Ora, a determinação da prestação dos serviços de atendimento médico de emergência afeta o Direito de Trabalho, pois, em outras palavras, a lei local contém determinação da necessidade de o estabelecimento comercial estar aparelhado de recursos humanos suficientes (especializados) para o correlato atendimento ao público, além de instalações adequadas, equipamentos, inclusive meio de remoção para unidade hospitalar, quando se fizer necessário.

Leis similares já foram examinadas pelo Supremo Tribunal Federal com prognóstico desfavorável de sua constitucionalidade. Neste sentido:

“Argüição de inconstitucionalidade de norma estadual que obriga ‘as organizações de supermercados e congêneres a manterem pelo menos um funcionário, por cada máquina registradora, cuja atribuição seja o acondicionamento de compras ali efetuadas’ (Lei n. 1.914-91, do Rio de Janeiro). Relevância da fundamentação do pedido, deduzida perante os artigos 22, I e paragrafo único e 24, parágrafo 3., da Constituição Federal. Perigo da demora caracterizado pelo elevado montante da multa estipulada para o caso de descumprimento da obrigação” (RTJ 141/80).

Vistos.

FEDERAÇÃO DO COMÉRCIO DE BENS E DE SERVIÇOS DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL interpõe recurso extraordinário (folhas 128 a 148) contra acórdão proferido pelo Pleno do Tribunal de Justiça daquele Estado, assim ementado:

‘AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N. 4428/2001, DE SANTA MARIA/RS. LEI QUE ESTABELECE A OBRIGATORIEDADE DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE ACONDICIONAMENTO OU EMBALAGEM DAS COMPRAS EM ESTABELECIMENTOS COMERCIAIS AUTODENOMINADOS DE SUPERMERCADOS E OU SIMILARES. PROCEDÊNCIA PARCIAL DA AÇÃO, NA QUAL SE ALEGA A INCONSTITUCIONALIDADE DA NORMA. INCONSTITUCIONALIDADE VERIDICADA NO QUE TANGE À OBRIGATORIEDADE DA CONTRATAÇÃO DE EMPREGADO PARA A REALIZAÇÃO DA TAREFA. AÇÃO PROCEDENTE, EM PARTE. VOTOS VENCIDOS NO SENTIDO DE PROCEDÊNCIA TOTAL E TAMBÉM DE IMPROCEDÊNCIA. VOTO VENCIDO JULGANDO EXTINTO O FEITO POR INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO’ (fl. 87).

Insurge-se, no apelo extremo, fundado na alínea ‘a’ do permissivo constitucional, contra suposta violação dos artigos 22, inciso I, 30 e 170, da Constituição Federal, consubstanciada pela rejeição da alegada inconstitucionalidade da Lei nº 4.428/01, do Município de Santa Maria (RS), que dispõe sobre a obrigatoriedade de acondicionamento e embalagem das compras em estabelecimentos comerciais.

Processado sem contrarrazões, o recurso não foi admitido, na origem (folhas 164 a 170), o que ensejou a interposição de agravo de instrumento (apensado a estes), ao que o eminente Ministro Sepúlveda Pertence deu provimento, determinando a subida do recurso extraordinário.

Por fim, o parecer da douta Procuradoria-Geral da República é pela conversão do julgamento em diligência ou pelo improvimento do recurso (folhas 182 a 184).

Decido.

(...)

Quanto ao mérito, a irresignação merece prosperar.

A decisão recorrida considerou válida a referida legislação, à exceção da norma de seu artigo 2º, sob o fundamento de que as demais disposições constantes desse diploma legal não indicariam usurpação da competência legislativa privativa da União.

Sem razão, contudo.

A norma tida por inconstitucional, pelo acórdão recorrido, impunha que todo estabelecimento comercial incluído na obrigatoriedade por ela imposta, contasse com pelo menos um funcionário uniformizado e identificado para a prestação dos serviços de acondicionamento ou embalagem dos produtos adquiridos por seus clientes, para cada máquina registradora em operação.

Já as normas reputadas constitucionais, a par de obrigarem os aludidos estabelecimentos a manter esse tipo de serviço à disposição de seus clientes, também lhes impunha a contratação de pessoas para desempenhá-lo.

Ora, essa norma legal, ainda mais que a anteriormente referida, implica em ingerência na organização interna de estabelecimentos comerciais, acarretando a obrigatoriedade da contratação de pessoas para desempenhar funções que especifica, numa clara invasão da competência legislativa exclusiva que a Constituição Federal reserva à União.

Inúmeros são os precedentes desta Corte, a fulminar iniciativas análogas, o que vem ocorrendo desde a convolação, pelo Pleno desta Corte, da medida cautelar deferida pelo então Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Octavio Gallotti, nos autos da ADI nº 669/RJ, decisão essa que restou assim ementada:

‘Argüição de inconstitucionalidade de norma estadual que obriga ‘as organizações de supermercados e congêneres a manterem pelo menos um funcionário, por cada maquina registradora, cuja atribuição seja o acondicionamento de compras ali efetuadas’ (Lei n. 1.914-91, do Rio de Janeiro). Relevância da fundamentação do pedido, deduzida perante os artigos 22, I e parágrafo único e 24, parágrafo 3., da Constituição Federal. Perigo da demora caracterizado pelo elevado montante da multa estipulada para o caso de descumprimento da obrigação’ (DJ de 29/05/92).

Quando do julgamento do RE nº 313.060/SP, afastou a Segunda Turma desta Corte a possibilidade de que legislação municipal invadisse a competência cominada à União, sobre o tema, de forma análoga à efetuada na hipótese ora em análise. Sua ementa assim dispõe:

‘LEIS 10.927/91 E 11.262 DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO. SEGURO OBRIGATÓRIO CONTRA FURTO E ROUBO DE AUTOMÓVEIS. SHOPPING CENTERS, LOJAS DE DEPARTAMENTO, SUPERMERCADOS E EMPRESAS COM ESTACIONAMENTO PARA MAIS DE CINQÜENTA VEÍCULOS. INCONSTITUCIONALIDADE. 1. O Município de São Paulo, ao editar as Leis l0.927/91 e 11.362/93, que instituíram a obrigatoriedade, no âmbito daquele Município, de cobertura de seguro contra furto e roubo de automóveis, para as empresas que operam área ou local destinados a estacionamentos, com número de vagas superior a cinqüenta veículos, ou que deles disponham, invadiu a competência para legislar sobre seguros, que é privativa da União, como dispõe o art. 22, VII, da Constituição Federal. 2. A competência constitucional dos Municípios de legislar sobre interesse local não tem o alcance de estabelecer normas que a própria Constituição, na repartição das competências, atribui à União ou aos Estados. O legislador constituinte, em matéria de legislação sobre seguros, sequer conferiu competência comum ou concorrente aos Estados ou aos Municípios. 3. Recurso provido’ (Relatora a Ministra Ellen Gracie, DJ de 24/02/06).

Cite-se, em arremate, a existência de precedentes específicos sobre o tema, recentemente proferidos pelo ilustre Ministro Celso de Mello, em decisões monocráticas, que ora transcrevo:

‘O recurso extraordinário a que se refere o presente agravo de instrumento foi interposto contra decisão, que, proferida em sede de fiscalização abstrata de constitucionalidade (CF, art. 125, § 2º), pelo Pleno do E. Tribunal de Justiça, acha-se consubstanciada em acórdão assim ementado (fls. 240):

‘Ação Direta de Inconstitucionalidade - Lei Municipal nº 4.984/1995 – Lei que obriga à contratação de empacotadores para os estabelecimentos comerciais de gêneros alimentícios na Cidade do Salvador (e similares). Preliminares Rejeitadas. Matéria relevante, cujo impacto social atingirá os usuários dos ou congêneres, que desejam a comodidade, a presteza, a eficácia, o conforto e melhor atendimento na prestação do serviço. Competência do Município do Salvador legislar sobre assunto de interesse. Constitucionalidade da Lei em voga. Rejeitadas as Preliminares, e, no mérito a Improcedência da Ação de Inconstitucionalidade.’

A parte agravante, ao deduzir o apelo extremo em questão, sustentou que o Tribunal ‘a quo’ teria transgredido os preceitos inscritos nos artigos 22, inciso I, 30, I, e 170, IV c/c o art. 1º, IV, todos da Constituição da República.

A análise dos autos evidencia que o acórdão mencionado diverge da diretriz jurisprudencial que esta Suprema Corte firmou na éria em referência.

Isso significa, portanto, que a pretensão recursal deduzida revela-se plenamente acolhível, considerada a diretriz jurisprudencial que o Supremo Tribunal Federal consagrou na apreciação do litígio em debate (RTJ 141/80, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI – RTJ 150/726-727, Rel. Min. ILMAR GALVÃO).

Cabe observar, finalmente, tratando-se da hipótese prevista no art. 125, § 2º, da Constituição da República, que o provimento e o improvimento de recursos extraordinários interpostos contra acórdãos proferidos por Tribunais de Justiça em sede de fiscalização normativa abstrata têm sido veiculados em decisões monocráticas emanadas dos Ministros Relatores da causa no Supremo Tribunal Federal, desde que, tal como sucede na espécie, o litígio constitucional já tenha sido definido pela jurisprudência prevalecente no âmbito deste Tribunal (RE 243.975/RS, Rel. Min. ELLEN GRACIE - RE 334.868-AgR/RJ, Rel. Min. CARLOS BRITTO – RE 336.267/SP, Rel. Min. CARLOS BRITTO – RE 353.350-AgR/ES, Rel. Min. CARLOS VELLOSO – RE 369.425/RS, Rel. Min. MOREIRA ALVES – RE 371.887/SP, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA – RE 396.541/RS, Rel. Min. CARLOS VELLOSO - RE 415.517/SP, Rel. Min. CEZAR PELUSO – RE 421.271-AgR/RJ, Rel. Min. GILMAR MENDES – RE 444.565/RS, Rel. Min. GILMAR MENDES - RE 461.217/SC, Rel. Min. EROS GRAU – RE 501.913/MG, Rel. Min. MENEZES DIREITO – RE 592.477/SP, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI – RE 601.206/SP, Rel. Min. EROS GRAU, v.g.).

Sendo assim, e pelas razões expostas, conheço do presente agravo de instrumento, para, desde logo, conhecer e dar provimento ao recurso extraordinário (CPC, art. 544, § 4º).

Publique-se” (DJe de 12/02/10).

‘O presente recurso extraordinário foi interposto contra decisão, que, proferida em sede de fiscalização abstrata de constitucionalidade (CF, art. 125, § 2º), pelo Órgão Especial do E. Tribunal de Justiça, acha-se consubstanciada em acórdão assim ementado (fls. 126):

‘AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.

É inconstitucional artigo de Lei Municipal que estabelece, aos, hipermercados ou similares, a obrigatoriedade de haver, para cada máquina registradora em operação, um funcionário encarregado da prestação de serviços de acondicionamento ou embalagem dos produtos adquiridos pelos clientes. Violação da competência privativa da União, para legislar sobre do trabalho, além de afronta aos princípios da livre iniciativa e de livre concorrência. Incidência dos arts. 22, I e 170, da Constituição Federal, em combinação com os arts. 8º e 157, V, da Constituição Estadual.

Ação Julgada procedente. Votos vencidos.

AÇÃO JULGADA PROCEDENTE, EM PARTE.’

A parte recorrente, ao deduzir o presente apelo extremo, sustentou que o Tribunal ‘a quo’ teria transgredido os preceitos inscritos nos artigos 22, inciso I, 30 e 170, IV e parágrafo único, todos da Constituição da República.

O Ministério Público Federal, em parecer da lavra da ilustre Subprocuradora-Geral da República, Dra. SANDRA CUREAU, ao opinar pelo conhecimento e provimento do recurso extraordinário em questão (fls. 196/200), formulou parecer assim ementado (fls. 196):

‘RECURSO EXTRAORDINÁRIO. LEI MUNICIPAL. COMPETÊNCIA. I. LEI QUE DISPÕE ACERCA DA OBRIGATORIEDADE DE E CONGÊNERES PRESTAREM SERVIÇOS DE ACONDICIONAMENTO E EMPACOTAMENTO DE PRODUTOS, COMERCIALIZADOS NOS MESMOS, BEM COMO PREVÊ A CONTRATAÇÃO DE PESSOAS PARA REALIZAREM SOBREDITO SERVIÇO. II. VIOLAÇÃO AO ART. 22, I, DA CF, QUE DETERMINA COMPETIR PRIVATIVAMENTE À UNIÃO LEGISLAR SOBRE COMERCIAL E DO TRABALHO. III. OFENSA AO PRINCÍPIO DA LIVRE INICIATIVA. IV. PRECEDENTES. V. PARECER PELO CONHECIMENTO E PROVIMENTO DO RECURSO.’

Entendo assistir plena razão à douta Procuradoria Geral da República, cujo parecer evidencia que o acórdão ora questionado dissente do entendimento que o Supremo Tribunal Federal firmou no exame de controvérsia idêntica à debatida nesta sede recursal.

Isso significa, portanto, que a pretensão recursal ora deduzida revela-se plenamente acolhível, considerada a diretriz jurisprudencial que o Supremo Tribunal Federal consagrou na apreciação do litígio em debate (RTJ 141/80, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI – RTJ 150/726-727, Rel. Min. ILMAR GALVÃO).

Cabe observar, finalmente, tratando-se da hipótese prevista no art. 125, § 2º, da Constituição da República, que o provimento e o improvimento de recursos extraordinários interpostos contra acórdãos proferidos por Tribunais de Justiça em sede de fiscalização normativa abstrata têm sido veiculados em decisões monocráticas emanadas dos Ministros Relatores da causa no Supremo Tribunal Federal, desde que, tal como sucede na espécie, o litígio constitucional já tenha sido definido pela jurisprudência prevalecente no âmbito deste Tribunal (RE 243.975/RS, Rel. Min. ELLEN GRACIE - RE 334.868-AgR/RJ, Rel. Min. CARLOS BRITTO – RE 336.267/SP, Rel. Min. CARLOS BRITTO – RE 353.350-AgR/ES, Rel. Min. CARLOS VELLOSO – RE 369.425/RS, Rel. Min. MOREIRA ALVES – RE 371.887/SP, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA – RE 396.541/RS, Rel. Min. CARLOS VELLOSO - RE 415.517/SP, Rel. Min. CEZAR PELUSO – RE 421.271-AgR/RJ, Rel. Min. GILMAR MENDES – RE 444.565/RS, Rel. Min. GILMAR MENDES - RE 461.217/SC, Rel. Min. EROS GRAU – RE 501.913/MG, Rel. Min. MENEZES – RE 592.477/SP, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI – RE 601.206/SP, Rel. Min. EROS GRAU, v.g.).

Sendo assim, e pelas razões expostas, conheço e dou provimento ao presente recurso extraordinário (CPC, art. 557, § 1º-A).

Publique-se’ (DJe de 04/02/10).

Ante o exposto, nos termos do artigo 557, § 1º - A, do Código de Processo Civil, conheço do recurso e lhe dou provimento, para julgar a ação procedente, declarando a inconstitucionalidade da Lei nº 4.428/01, do Município de Santa Maria (RS)” (STF, RE 470.933-RS, Rel. Min. Dias Toffoli, 17-06-2010, DJe 04-08-2010).

Se o município tem autonomia para a disciplina da polícia do comércio, não pode exercitá-la para além dos limites daquilo que consubstancie a predominância do interesse local.

Neste sentido já se decidiu que:

“(...) 2. A competência constitucional dos Municípios de legislar sobre interesse local não tem o alcance de estabelecer normas que a própria Constituição, na repartição das competências, atribui à União ou aos Estados. (...)” (RT 851/128).

É evidente que a exigência para que tais empresas passem a contratar corpo de profissionais capacitados em pronto socorro não é um problema que deva ser resolvido em um ou outro município. É medida voltada ao interesse geral, cabendo somente à União legislar a respeito.

 Neste aspecto, a lei não trata de matéria relativa ao direito do consumidor, ainda que reflexamente ele possa ser atingido. O dispositivo legal em apreço, na verdade, está restringindo a livre iniciativa e a livre concorrência.

A propósito, leciona José Afonso da Silva que: “A liberdade de iniciativa envolve a liberdade de indústria e comércio ou liberdade de empresa e a liberdade de contrato. Consta do art. 170, como um dos esteios da ordem econômica, assim como de seu parágrafo único que assegura a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo casos previstos em lei”.

As atividades econômicas atingidas pelo art. 1º da lei impugnada estarão em desvantagem em relação a outros municípios que não adotaram idêntica exigência.

Diante de todo o exposto, nosso parecer é no sentido da procedência do pedido, declarando se a inconstitucionalidade da Lei nº 10.287, de 26 de setembro de 2012, do Município de Sorocaba.

 

São Paulo, 22 de agosto de 2013.

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

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