Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo n. 0227380-97.2012.8.26.0000

Requerente: Prefeito do Município de Guarulhos

Requerido: Presidente da Câmara Municipal de Guarulhos

 

 

 

 

 

 

 

Constitucional. Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n. 7.069, de 13 de setembro de 2012, do Município de Guarulhos. Falta de capacidade postulatória isolada do Procurador. Irregularidade sanável. Diligência alvitrada. Proibição do uso de recursos públicos para contratação de profissionais cuja produção artística desvalorize, incentive a violência ou exponha mulheres a situação de constrangimento. Iniciativa parlamentar. Separação dos poderes. Razoabilidade. Proporcionalidade. Competência normativa. Procedência. 1. Na ação direta de inconstitucionalidade de lei municipal, legitimado ativo é o Prefeito do Município (art. 90, II, CE/89) e considerando a envergadura política dessa legitimidade ativa ad causam, englobante da capacidade postulatória, é razoável assentar que, embora dispensável a representação por causídico, sua existência, todavia, importa a necessidade de, no mínimo, subscrição conjunta da petição inicial e consequente inadmissibilidade da forma isolada pelo procurador, sendo necessária a regularização. 2. Lei municipal, de iniciativa parlamentar, proibitiva de contratação de profissionais cuja produção artística desvalorize, incentive a violência ou exponha mulheres a situação de constrangimento. 3. Violação ao princípio da separação de poderes pela ofensa da reserva da Administração e da reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo (arts. 5º, 24, § 2º, 2, e 47, II, XIV e XIX, a, CE/89). 4. Violação aos princípios de razoabilidade e de proporcionalidade (art. 111, CE/89) por não ser o mais eficaz, necessário e adequado para a proteção da dignidade da pessoa humana e, em especial, da mulher, além da ampla margem de apreciação do conceito indeterminado constante da fórmula normativa que não tem eficácia jurídica suficiente para, a bem da segurança jurídica, da imparcialidade e da impessoalidade, superar a tênue linha diferencial entre discricionariedade e arbitrariedade em face de dose exagerada de subjetivismo. 5. Lei local que colide com o dever estatal de proporcionar a difusão da arte (arts. 259 e 262, CE/89). 6. Considerando o conceito de causa de pedir aberta inerente à sindicância objetiva de constitucionalidade de lei ou ato normativo e o exame da incompatibilidade da lei local com outros preceitos da CE/89 e com a CF/88 em virtude de ofensa ao art. 144, CE/89, norma remissiva que incorpora à CE/89 os princípios da CF/88, a restrição à contratação pública invade a esfera de competência normativa federal para normas gerais de licitação e contratação (art. 22, XXVII, CF/88). 7. Descabimento da arguição de incompatibilidade da lei impugnada com os arts. 25, 167, I, 174 e 176, I, CE/89, por não gerar despesa pública, não obstante a discussão ser imprópria no contencioso de constitucionalidade por demandar fato e prova. 8. Procedência da ação.

 

 

 

Colendo Órgão Especial:

 

 

 

1.                Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade impugnando a Lei n. 7.069, de 13 de setembro de 2012, do Município de Guarulhos, de iniciativa parlamentar, que proíbe a contratação de profissionais cuja produção artística desvalorize, incentive a violência ou exponha mulheres a situação de constrangimento, sob alegação de incompatibilidade com os arts. 5º, 24, § 2º, 2, 47, II, XIV e XVII, 25, 111, 144, 167, I, 174, 176, I, 236, I, e 259, da Constituição Estadual (fls. 02/27).

2.                Concedida a liminar (fls. 41/42), foram prestadas as informações (fls. 57/65) e o douto Procurador-Geral do Estado declinou da defesa da lei impugnada (fls. 53/55).

3.                É o relatório.

4.                A petição inicial é subscrita apenas por douto advogado público (fl. 27) constituído pelo Prefeito sem mandato específico (fl. 39).

5.                A legitimidade ativa pertence ao Prefeito do Município (art. 90, II, Constituição Estadual), bem como a capacidade postulatória, como decidido pelo Supremo Tribunal Federal:

“O Governador do Estado de Pernambuco ajuíza ação direta de inconstitucionalidade, na qual alega que a decisão 123/98 do Tribunal de Contas da União, ao exigir autorização prévia e individual do Senado Federal para as operações de crédito entre os Estados e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES, teria afrontado as disposições dos artigos 1º e 52, incisos V e VII, da Constituição Federal.

2.      Entende possuir legitimidade para a ação, em face dos reflexos do ato impugnado sobre o Estado.

3.      É a síntese do necessário.

4.      Decido.

5.        Verifico que a ação, embora aparentemente proposta pelo Chefe do Poder Executivo estadual, está apenas assinada pelo Procurador-Geral do Estado. De plano, resulta claro que o signatário da inicial atuou na estrita condição de representante legal do ente federado (CPC, artigo 12, I), e não do Governador, pessoas que não se confundem.

6.      A medida constitucional utilizada revela instituto de natureza excepcional, em que se pede ao Supremo Tribunal Federal que examine a lei ou ato normativo federal ou estadual, em tese, para que se proceda ao controle normativo abstrato do ato impugnado em face da Constituição.

7.      Com efeito, cuida ela de processo objetivo sujeito à disciplina processual própria, traçada pela Carta Federal e pela legislação específica - Lei 9.896/99. Inaplicáveis, assim, as regras instrumentais destinadas aos procedimentos de natureza subjetiva.

8.      O Governador de Estado é detentor de capacidade postulatória intuitu personae para propor ação direta, segundo a definição prevista no artigo 103 da Constituição Federal. A legitimação é, assim, destinada exclusivamente à pessoa do Chefe do Poder Executivo estadual, e não ao Estado enquanto pessoa jurídica de direito público interno, que sequer pode intervir em feitos da espécie (ADI(AgRg)1.797-PE, DJ de 23.2.01; ADI (AgRg) 2.130-SC, Celso de Mello, j. de 3.10.01, Informativo 244; ADI (EMBS.) 1.105-DF, Maurício Corrêa, j. de 23.8.01).

9.     Por essa razão, inclusive, reconhece-se à referida autoridade, independentemente de sua formação, aptidão processual plena ordinariamente destinada apenas aos advogados (ADIMC 127-AL, Celso de Mello, DJ 04.12.92), constituindo-se verdadeira hipótese excepcional de jus postulandi.

10.     No caso concreto, em que pese a invocação do nome do Governador como sendo autor da ação (fl.2), a alegada representação pelo signatário não restou demonstrada. Indiscutível, é que a medida foi efetivamente ajuizada pelo Estado, na pessoa de seu Procurador-Geral, que nesta condição assinou a peça inicial.

11.     Ante essas circunstâncias, com fundamento no artigo 21, § 1º do RISTF, bem como nos artigos 3º, parágrafo único e 4º da Lei 9.868/99, não conheço da ação” (STF, ADI 1814-DF, Rel. Min. Maurício Corrêa, 13-11-2001, DJ 12-12-2001, p. 40).

6.                Consoante explica a doutrina, “os legitimados para a ação direta referidos nos itens I a VII do art. 103 da CF dispõem de capacidade postulatória plena, podendo atuar no âmbito da ação direta sem o concurso de advogado” (Ives Gandra da Silva Martins e Gilmar Ferreira Mendes. Controle concentrado de constitucionalidade, São Paulo: Saraiva, 2007, 2ª ed., p. 246).

7.                Logo, considerando a envergadura política dessa legitimidade ativa ad causam, englobante da capacidade postulatória, é razoável assentar que, embora dispensável a representação por causídico, sua existência, todavia, importa a necessidade de, no mínimo, subscrição conjunta da petição inicial e consequente inadmissibilidade da forma isolada pelo advogado.

8.                Ademais, há decisão registrando que:

“É de exigir-se, em ação direta de inconstitucionalidade, a apresentação, pelo proponente, de instrumento de procuração ao advogado subscritor da inicial, com poderes específicos para atacar a norma impugnada” (STF, ADI-QO 2187-BA, Tribunal Pleno, Rel. Min. Octavio Gallotti, 24-05-2000, m.v., DJ 12-12-2003, p. 62).

9.                Esse entendimento foi direcionado também para os integrantes da advocacia pública.

10.              Assim sendo, opino, preliminarmente, pela intimação do autor para subscrição da petição inicial, no prazo legal, sob pena de indeferimento, aviando, desde já, nas hipóteses de inércia ou recusa, a extinção sem resolução do mérito.

11.              No mérito, afigura-se desvalioso para o desate da lide o contraste da lei impugnada com outro parâmetro para além da Constituição Estadual, salvo quando reproduza ou imite preceito da Constituição Federal ou se trate de norma de observância obrigatória, nos termos do art. 125, § 2º, da Constituição Federal.

12.              Destarte, qualquer alegação de incompatibilidade com a Lei Orgânica Municipal ou leis infraconstitucionais não merece cognição.

13.              Descabida a arguição de incompatibilidade da lei impugnada com os arts. 25, 47, XVII, 167, I, 174 e 176, I, da Constituição Estadual.

14.              A mera leitura da lei local não indica que, de per si, decorram obrigações pecuniárias, gastos ou dispêndios públicos, sem indicação da fonte de cobertura financeiro-orçamentária.

15.              Trata-se de norma proibitiva e a imposição de natureza pecuniária nela prevista é direcionada aos agentes públicos que a descumprirem, e cuja receita reverte em prol de entidades protetivas dos direitos da mulher.

16.              Ademais, a discussão sobre a geração ou não de despesa pública sem indicação da origem de sua cobertura é matéria que, neste caso, demandaria exame de fato e prova, o que é inadmissível no âmbito estreito do contencioso de constitucionalidade.

17.              Além disso, não tem pertinência com a espécie o art. 167, I, da Constituição do Estado, que trata da repartição de rendas tributárias (decorrente do imposto sobre a propriedade de veículos automotores), sendo inidônea a invocação do art. 174 e 176, pois, não se trata de lei orçamentária, plano plurianual ou lei de diretrizes orçamentárias a animar discussão, no ponto, da reserva de iniciativa legislativa respectiva, e nem se cuida de início de atividades não incluídos na lei orçamentária, mormente em face de mera norma proibitiva dirigida à Administração Pública.

18.              A proibição contida na lei local vergastada atinge atos da gestão ordinária dos negócios públicos, mais especificamente a celebração de contrato administrativo para evento de natureza artística com danças, músicas e coreografias.

19.              É incontroversa a violação da divisão funcional do poder (princípio da separação de poderes) em razão da iniciativa parlamentar.

20.              A gestão ordinária dos negócios públicos situa-se no domínio da reserva da Administração, espaço conferido com exclusividade ao Chefe do Poder Executivo no âmbito de seu poder normativo imune a interferências do Poder Legislativo, como se infere dos arts. 5º e 47, II, XIV e XIX, a, da Constituição Estadual, aplicável na esfera municipal por força de seu art. 144 e do art. 29 caput da Constituição Federal, e que é desdobramento particularizado do princípio da separação dos poderes (art. 5º, Constituição Estadual).

21.              Ainda que o objeto da norma contestada reclamasse lei formal em sentido estrito, por envolver para além do funcionamento administrativo direitos de particulares, a Constituição do Estado de São Paulo prevê no art. 24, § 2º, 2, iniciativa legislativa reservada do Chefe do Poder Executivo (aplicável na órbita municipal por obra de seu art. 144) para “a criação e extinção das Secretarias de Estado e órgãos da administração pública, observado o disposto no art. 47, XIX”, o que compreende a fixação ou alteração das atribuições dos órgãos da Administração Pública direta, sem prejuízo da disciplina de sua organização e de seu funcionamento.

22.              Esse dispositivo, aliás, mantém íntima conexão com o art. 47 da Constituição Estadual que define competência privativa do Chefe do Poder Executivo. O dispositivo consagra a atribuição de governo do Chefe do Poder Executivo, traçando suas competências próprias de administração e gestão que compõem a denominada reserva de Administração, pois, veiculam matérias de sua alçada exclusiva, imunes à interferência do Poder Legislativo.

23.              A alínea a do inciso XIX desse art. 47 fornece ao Chefe do Poder Executivo a prerrogativa de dispor mediante decreto sobre “organização e funcionamento da administração estadual, quando não implicar aumento de despesa, nem criação ou extinção de órgãos públicos”, em preceito semelhante ao art. 84, VI, a, da Constituição Federal. Por sua vez, os incisos II e XIV estabelecem competir-lhe o exercício da direção superior da administração e a prática dos demais atos de administração, nos limites da competência do Poder Executivo.

24.              Neste sentido, é pacífica a jurisprudência da Suprema Corte:

“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. LEI QUE ATRIBUI TAREFAS AO DETRAN/ES, DE INICIATIVA PARLAMENTAR: INCONSTITUCIONALIDADE. COMPETÊNCIA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. C.F, art. 61, § 1°, n, e, art. 84, II e VI. Lei 7.157, de 2002, do Espírito Santo.

I. - É de iniciativa do Chefe do Poder Executivo a proposta de lei que vise a criação, estruturação e atribuição de órgãos da administração pública: C.F, art. 61, § 1°, II, e, art. 84, II e VI.

II. - As regras do processo legislativo federal, especialmente as que dizem respeito à iniciativa reservada, são normas de observância obrigatória pelos Estados-membros.

III. - Precedentes do STF.

IV - Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente” (STF, ADI 2.719-1-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, 20-03-2003, v.u.).

“É indispensável a iniciativa do Chefe do Poder Executivo (mediante projeto de lei ou mesmo, após a EC 32/01, por meio de decreto) na elaboração de normas que de alguma forma remodelem as atribuições de órgão pertencente à estrutura administrativa de determinada unidade da Federação” (STF, ADI 3.254-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, 16-11-2005, v.u., DJ 02-12-2005, p. 02).

“RESERVA DE ADMINISTRAÇÃO E SEPARAÇÃO DE PODERES. - O princípio constitucional da reserva de administração impede a ingerência normativa do Poder Legislativo em matérias sujeitas à exclusiva competência administrativa do Poder Executivo. É que, em tais matérias, o Legislativo não se qualifica como instância de revisão dos atos administrativos emanados do Poder Executivo. Precedentes. Não cabe, desse modo, ao Poder Legislativo, sob pena de grave desrespeito ao postulado da separação de poderes, desconstituir, por lei, atos de caráter administrativo que tenham sido editados pelo Poder Executivo, no estrito desempenho de suas privativas atribuições institucionais. Essa prática legislativa, quando efetivada, subverte a função primária da lei, transgride o princípio da divisão funcional do poder, representa comportamento heterodoxo da instituição parlamentar e importa em atuação ultra vires do Poder Legislativo, que não pode, em sua atuação político-jurídica, exorbitar dos limites que definem o exercício de suas prerrogativas institucionais” (STF, ADI-MC 2.364-AL, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 01-08-2001, DJ 14-12-2001, p. 23).

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 6.835/2001 DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. INCLUSÃO DOS NOMES DE PESSOAS FÍSICAS E JURÍDICAS INADIMPLENTES NO SERASA, CADIN E SPC. ATRIBUIÇÕES DA SECRETARIA DE ESTADO DA FAZENDA. INICIATIVA DA MESA DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. A lei 6.835/2001, de iniciativa da Mesa da Assembleia Legislativa do Estado do Espírito Santo, cria nova atribuição à Secretaria de Fazenda Estadual, órgão integrante do Poder Executivo daquele Estado. À luz do princípio da simetria, são de iniciativa do Chefe do Poder Executivo estadual as leis que versem sobre a organização administrativa do Estado, podendo a questão referente à organização e funcionamento da Administração Estadual, quando não importar aumento de despesa, ser regulamentada por meio de Decreto do Chefe do Poder Executivo (art. 61, § 1º, II, e e art. 84, VI, a da Constituição federal). Inconstitucionalidade formal, por vício de iniciativa da lei ora atacada” (STF, ADI 2.857-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 30-08-2007, v.u., DJe 30-11-2007).

“(...) 2. As restrições impostas ao exercício das competências constitucionais conferidas ao Poder Executivo, entre elas a fixação de políticas públicas, importam em contrariedade ao princípio da independência e harmonia entre os Poderes (...)” (STF, ADI-MC-REF 4.102-RJ, Tribunal Pleno, Rel. Min. Cármen Lúcia, 26-05-2010, v.u., DJe 24-09-2010).

25.              Desses paradigmas capta-se que as regras do processo legislativo federal são de observância obrigatória para as entidades radiais da Federação.

26.             Maculada está a lei local contestada ainda pela incompatibilidade aos princípios de razoabilidade e de proporcionalidade (art. 111, Constituição Estadual).

27.              Se a restrição nela contida tem como meta a proteção da dignidade da pessoa humana e, em especial, da mulher, não é o meio eficaz e adequado para se alcançar esse nobilíssimo intento até porque implanta ampla margem de apreciação do conceito indeterminado constante da fórmula normativa (“desvalorizem, incentivem a violência ou exponham as mulheres a situação de constrangimento”) que não tem eficácia jurídica suficiente para, a bem da segurança jurídica, da imparcialidade e da impessoalidade, superar a tênue linha diferencial entre discricionariedade e arbitrariedade em face de dose exagerada de subjetivismo.

28.              A lei local contrasta com os arts. 259 e 262 da Constituição Estadual (superado o possível equívoco de menção ao art. 236, I, contido na petição inicial).

29.              O art. 259 garante o exercício dos direitos culturais determinando ao Estado a difusão de suas manifestações; o art. 262 cunha obrigação ao poder público de incentivo à livre manifestação cultural e, inclusive, de espaços (públicos) para produção, divulgação e apresentação de manifestações culturais e artísticas, como consta de seu inciso I. Esses preceitos se conectam a liberdade de arte prevista no inciso IX do art. 5º da Constituição Federal e dela constituem também normas remissivas.

30.              Considerando que o contencioso de constitucionalidade é compreensivo da noção de causa de pedir aberta (RTJ 200/91), é possível o contraste da norma impugnada com outros preceitos da Constituição Estadual.

31.              E, no ponto, não é vedado o exame da incompatibilidade da lei local contestada com a Constituição Federal, em virtude de ofensa ao art. 144 da Constituição do Estado, norma remissiva que incorpora à Constituição Estadual os princípios da Constituição Federal.

32.              Esse preceito da Constituição Estadual, que determina a observância na esfera municipal além das regras da Constituição Estadual, dos princípios da Constituição Federal, é denominado “norma estadual de caráter remissivo, na medida em que, para a disciplina dos limites da autonomia municipal, remete para as disposições constantes da Constituição Federal”, como averbou o Supremo Tribunal Federal ao credenciar o controle concentrado de constitucionalidade de lei municipal por esse ângulo (STF, Rcl 10.406-GO, Rel. Min. Gilmar Mendes, 31-08-2010, DJe 06-09-2010; STF, Rcl 10.500-SP, Rel. Min. Celso de Mello, 18-10-2010, DJe 26-10-2010).

33.              Possível o contraste da lei local com o art. 144 da Constituição Estadual, por sua remissão à Constituição Federal e aos dispositivos da Constituição Federal que promovem a repartição de competência normativa entre os entes federados como o inciso XXVII do art. 22 da Constituição da República.

34.              A norma proibitiva contida na lei local objurgada respeita a contratação pública (ou administrativa). Não tendo qualquer sinal característico de particularidade ou de predominância do interesse local, a lei impugnada extrapolou o âmbito normativo do Município e invadiu a esfera de competência normativa da União para estabelecer normas gerais de contratação, nos termos do art. 22, XXVII, da Constituição Federal.

35.              Impedimentos ou proibições de contratação pelo poder público são temas inerentes ao domínio de normas gerais. Neste sentido:

“Ação direta de inconstitucionalidade: L. Distrital 3.705, de 21.11.2005, que cria restrições a empresas que discriminarem na contratação de mão-de-obra: inconstitucionalidade declarada. 1. Ofensa à competência privativa da União para legislar sobre normas gerais de licitação e contratação administrativa, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais de todos os entes da Federação (CF, art. 22, XXVII) e para dispor sobre Direito do Trabalho e inspeção do trabalho (CF, arts. 21, XXIV e 22, I). 2. Afronta ao art. 37, XXI, da Constituição da República - norma de observância compulsória pelas ordens locais - segundo o qual a disciplina legal das licitações há de assegurar a ‘igualdade de condições de todos os concorrentes’, o que é incompatível com a proibição de licitar em função de um critério - o da discriminação de empregados inscritos em cadastros restritivos de crédito -, que não tem pertinência com a exigência de garantia do cumprimento do contrato objeto do concurso” (STF, ADI 3.670-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 04-02-2007, v.u., DJe 18-05-2007).

36.              Opino pela regularização da petição inicial sob pena de extinção do processo sem resolução do mérito e, no mérito, pela procedência da ação para declarar a inconstitucionalidade da Lei n. 7.069/12, do Município de Itapecerica de Guarulhos, por incompatibilidade com os arts. 5º, 24, § 2º, 2, 47, II, XIV e XIX, a, 111, 144, 259 e 262 da Constituição Estadual.

                  

São Paulo, 19 de fevereiro de 2013.

 

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

wpmj