Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

 

Processo nº 0229360-79.2012.8.26.0000

Requerente: Prefeito Municipal de Taubaté

Requerido: Presidente da Câmara Municipal de Taubaté

 

 

 

Ementa: Ação Direta de Inconstitucionalidade em face da Lei nº 4.597, de 09 de fevereiro de 2012, do município de Taubaté, que “Proíbe fumar nos pontos de ônibus”, de iniciativa parlamentar. Ato normativo que cria ônus para a Administração decorrente do dever de fiscalizar. Violação ao princípio da separação dos poderes. Criação de despesas, ademais, sem indicação dos recursos disponíveis. Ofensa aos artigos 5º, 25, 47 II, e 144, da Constituição do Estado. Procedência da ação.

 

 

 

Colendo Órgão Especial,

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente:

 

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de Taubaté, tendo por objeto a Lei nº 4.597 de 09 de fevereiro de 2012, do município de Taubaté, que “Proíbe fumar nos pontos de ônibus”.

Sustenta o autor que o diploma legal impugnado seria inconstitucional por ferir “preceito constitucional que estabelece como competência dos Municípios apenas suplementar a legislação federal e estadual, sem que contudo invada a esfera dos entes superiores”.

Assim, haveria afronta aos arts. 1º e 144 da Constituição Estadual, com observância aos arts. 22, I e 24, XII, da Constituição Federal.

A lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 20/21).

O Presidente da Câmara Municipal manifestou-se às fls. 37/44, na defesa da constitucionalidade da lei local.

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 32/33).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

A ação deve ser julgada procedente.

Primeiramente, embora não se tenha feito menção na inicial, verifica-se patente o vício de iniciativa.

Como se pode observar na publicação da vergastada lei (fl. 18), o projeto de lei é de autoria da vereadora Maria Teresa Paolicchi.

E somente ao chefe do Poder Executivo assiste a iniciativa de leis que criem – como é o caso – obrigações e deveres para órgãos municipais (art. 47, inc. II, da Constituição Estadual, de aplicação extensível aos municípios por força do art. 144 da mesma Carta).

Note-se que, instituindo uma proibição para o munícipe, a lei impõe à Administração o correspondente dever de fiscalizá-lo. Desse modo, está criando um serviço público.

Anote-se, ainda, quanto à geração de obrigação para a Administração, que o artigo 2º dispõe que:

“Fica a secretaria competente responsável pela fixação de cartazes de aviso e conscientização adequados nos lugares citados.”

Como a lei foi concebida na Câmara Municipal, a iniciativa acabou invadindo a seara da Administração Pública, da alçada exclusiva do Prefeito, violando sua prerrogativa de analisar a conveniência e oportunidade das providências que a lei quis determinar.

Bem por isso, a matéria somente poderia ser objeto de tramitação legislativa por proposta do próprio chefe do Poder Executivo.

Ofendeu-se, igualmente, o princípio basilar da separação de poderes, pois, na dicção desse Sodalício:

“Ao Executivo haverá de caber sempre o exercício de atos que impliquem no gerir as atividades municipais. Terá, também, evidentemente, a iniciativa das leis que lhe propiciem a boa execução dos trabalhos que lhe são atribuídos. Quando a Câmara Municipal, o órgão meramente legislativo, pretende intervir na forma pela qual se dará esse gerenciamento, está a usurpar funções que são de incumbência do Prefeito” (ADIN n. 53.583-0, rel. Des. FONSECA TAVARES).

Outrossim, a regra do art. 25 da Constituição do Estado, fortemente influenciada pela noção de responsabilidade fiscal, exige que o projeto de lei que implique criação ou aumento de despesa pública contenha a previsão dos recursos disponíveis para o atendimento dos novos encargos.

Na hipótese em análise é evidente que haverá gastos com a confecção e fixação de cartazes e avisos previstos no artigo 2º, além de intuitivo que a atividade de fiscalização instituída gere despesas. E a lei não contém nenhum elemento indicador de sua provisão, sendo também sob esse aspecto incompatível com o texto constitucional.

Ao que foi dito se acrescenta que a matéria já foi examinada pelo C. Órgão Especial, sendo declarada inconstitucional lei do Município de Jundiaí, nascida na Câmara, que, tal como a norma impugnada, proibia o fumo em determinados estabelecimentos.

Eis a Ementa:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI N° 6.555, DE 14 DE JUNHO DE 2005, DO MUNICÍPIO DE JUNDIAÍ, QUE IMPÕE A PROIBIÇÃO DE FUMAR EM ESTABELECIMENTOS QUE ESPECIFICA. LEI DE INICIATIVA DE VEREADOR - PROMULGAÇÃO PELO PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL – MATÉRIA AFETA À ADMINISTRAÇÃO ORDINÁRIA – COMPETÊNCIA RESERVADA AO PODER EXECUTIVO - VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA INDEPENDÊNCIA E HARMONIA DOS PODERES E DA INICIATIVA LEGISLATIVA - AÇÃO PROCEDENTE (ADIN nº 126.005-0/2, j. 26.7.2006, rel. Des. DENSER DE SÁ).”

Acrescente-se, ainda, que esse Colendo Órgão Especial pode acolher a alegação de inconstitucionalidade por fundamento não apontado na inicial da ação direta.

O entendimento pacífico nessa matéria, assentado inclusive pelo E. Supremo Tribunal Federal, é de que a causa de pedir, nas ações diretas de inconstitucionalidade é aberta, podendo ser apreciados pelo Tribunal fundamentos distintos daqueles indicados quando da propositura da ação, para fins de declaração da inconstitucionalidade.

A propósito, anota Juliano Taveira Bernardes que no processo objetivo “Segundo o STF, o âmbito de cognoscibilidade da questão constitucional não se adstringe aos fundamentos constitucionais invocados pelo requerente, pois abarca todas as normas que compõe a Constituição Federal. Daí, a fundamentação dada pelo requerente pode ser desconsiderada e suprida por outra encontrada pela Corte” (Controle abstrato de constitucionalidade, São Paulo, Saraiva, 2004, p. 436).

Assim vem decidindo o E. Supremo Tribunal Federal:

“Ementa: constitucional. (...). 'Causa petendi' aberta, que permite examinar a questão por fundamento diverso daquele alegado pelo requerente. (...) (ADI 1749/DF, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI, Rel. p. acórdão Min. NELSON JOBIM, j. 25/11/1999, Tribunal Pleno , DJ 15-04-2005, PP-00005, EMENT VOL-02187-01, PP-00094, g.n.)”.

Confira-se ainda: ADI 3576/RS, Rel. Min. ELLEN GRACIE, j. 22/11/2006, Tribunal Pleno, DJ 02-02-2007, PP-00071, EMENT VOL-02262-02, PP-00376.

É bem verdade que houve a sanção pelo chefe do Poder Executivo, contudo o vício de iniciativa não se convalida com a sanção ou a promulgação de quem deveria ter apresentado o projeto. É da jurisprudência que “o Executivo não pode renunciar prerrogativas institucionais inerentes às suas funções, como não pode delegá-las ou aquiescer em que o Legislativo as exerça” (ADIn 13.798-0, rel. Des. Garrigós Vinhares, j. 11.12.1991, v.u.).

Por outro lado, caberia também a declaração de inconstitucionalidade por afronta ao princípio federativo, uma vez que a Lei Municipal estaria invadindo a esfera de matéria reservada à Lei Federal, criando proibição que esta não prevê. Ao contrário, a Lei Federal 9.294/96 permite o fumo em "área destinada exclusivamente a esse fim, devidamente isolada e com arejamento conveniente".

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da integral procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei nº 4.597 de 09 de fevereiro de 2012, do Município de Taubaté, que “Proíbe fumar nos pontos de ônibus”.

 

São Paulo, 18 de março de 2013.

 

        Sérgio Turra Sobrane

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

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