Parecer
Processo nº. 0229363-34.2012.8.26.0000
Requerente: Prefeito Municipal de Taubaté
Ementa:
1) Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Municipal que “Dispõe sobre a instalação de banheiro químico nas feiras livres e dá outras providências”.
2) Iniciativa parlamentar. Ofensa ao princípio da separação dos Poderes. Ato normativo que invade a esfera da gestão administrativa (arts. 5º, 47, II e XIV, da Constituição Paulista).
3) Inconstitucionalidade reconhecida.
Colendo Órgão Especial
Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, movida pelo Prefeito Municipal de Taubaté, tendo por objeto a Lei nº 4.599 de 09 de fevereiro de 2012, daquele Município, que “Dispõe sobre a instalação de banheiro químico nas feiras livres e dá outras providências”.
Sustenta o autor que o projeto que a antecedeu iniciou-se na Câmara Municipal, o que a maculou de inconstitucionalidade por ofensa aos princípios da harmonia e independência entre os poderes.
O pedido de liminar foi deferido (fls. 20).
Citado, o Senhor Procurador-Geral do Estado declinou da defesa do ato normativo (fls. 301/303).
O Presidente da Câmara Municipal se manifestou às fls. 34/38, em defesa da norma impugnada.
Este é o breve resumo do que consta dos autos.
Em
que pese a boa intenção estampada na propositura legislativa que culminou se
transformando na lei impugnada nesta ação, o ato normativo é verticalmente incompatível
com nossa sistemática constitucional, sobretudo por impor formas de conduta aos
órgãos municipais.
A lei, de iniciativa parlamentar, que
cria obrigações concretas à Administração Pública, especificando condutas a
serem cumpridas pelo Executivo, é inconstitucional.
Não há dúvida de que a iniciativa
parlamentar, ainda que revestida de boas intenções, invadiu a esfera da gestão
administrativa, e como tal, é inconstitucional, por violar o disposto no art. 5º
e no art. 47, incs. II e XIV, da Constituição Paulista.
É ponto pacífico na doutrina, bem como na
jurisprudência, que ao Poder Executivo cabe primordialmente a função de
administrar, que se revela em atos de planejamento, organização, direção e
execução de atividades inerentes ao Poder Público. De outra banda, ao Poder
Legislativo, de forma primacial, cabe a função de editar leis, ou seja, atos
normativos revestidos de generalidade e abstração.
O legislador municipal, na hipótese
analisada, criou obrigações de cunho administrativo para a Administração
Pública local.
Abstraindo quanto aos motivos que podem
ter levado a tal solução legislativa, ela se apresenta como manifestamente
inconstitucional, por interferir na realização, em certa medida, da gestão
administrativa do Município.
Referido diploma, na prática, invadiu a esfera da gestão administrativa,
que cabe ao Poder Executivo, e envolve o planejamento,
a direção, a organização e a execução de atos de governo. Isso equivale à
prática de ato de administração, de sorte a malferir a separação dos poderes.
Cumpre recordar aqui o ensinamento de
Hely Lopes Meirelles, anotando que “a
Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar. Cada um dos
órgãos tem missão própria e privativa: a Câmara estabelece regra para a
Administração; a Prefeitura a executa, convertendo o mandamento legal, genérico
e abstrato, em atos administrativos, individuais e concretos. O Legislativo
edita normas; o Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de
funções é que residem a harmonia e independência dos Poderes, princípio
constitucional (art. 2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da
Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante”.
Sintetiza, ademais, que “todo ato do
Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da
Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo,
por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local
(CF, art. 2º c/c o art. 31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito municipal brasileiro,
15ª ed., atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São
Paulo, Malheiros, 2006, p. 708 e 712).
Deste modo, quando a pretexto de
legislar, o Poder Legislativo administra, editando leis que equivalem na
prática a verdadeiros atos de administração, viola a harmonia e a independência
que devem existir entre os poderes estatais.
Esse E. Tribunal de Justiça tem declarado
a inconstitucionalidade de leis municipais de iniciativa parlamentar que interferem
na gestão administrativa, com amparo na violação da regra da separação de
poderes, conforme ementas de julgados, transcritas a seguir:
“Ação direta
de inconstitucionalidade. Lei 9882, de 20 de abril de 2007, do Município de São
José do Rio Preto. Obrigatoriedade de ascensoristas nos elevadores dos
edifícios comerciais. Violação ao princípio constitucional da independência
entre os poderes. Inconstitucionalidade declarada. Pedido julgado procedente.”
(TJSP, ADI 149.044-0/8-00, rel. des. Armando Toledo, j.20.02.2008, v.u.).
“AÇÃO DIRETA
DE INCONSTITUCIONALIDADE. Lei Municipal de Itapetininga n° 4.979, de 28 de
setembro de 2.005, do Município de Itapetininga, que dispõe sobre a
obrigatoriedade de confecção distribuição de material explicativo dos efeitos das
radiações emitidas pelos aparelhos celulares e sobre sua correta utilização, e
dá outras providências. Decorrente de projeto de iniciativa parlamentar,
promulgada pela Câmara Municipal depois de rejeitado o veto do Prefeito -
Realmente, há que se reconhecer que a Câmara Municipal exorbitou no exercício
da função legislativa, interferindo em atividade concreta do Poder Executivo -
Afronta aos artigos 5°, 25, e 144 e da Constituição Estadual. JULGARAM
PROCEDENTE A AÇÃO.” (TJSP, ADI 134.410-0/4, rel. des. Viana Santos, j.
05.03.2008).
Assim se fez constar no
despacho que deferiu a liminar na ADIn 990.10.073579-9:
“Impõe-se, à partida, a apreciação do
pedido liminar, que fica deferido.
Evidente o fumus boni juris, pois já proclamada na ADIN nº 154.526-0/0 (Rel.
EROS PICELI - J. 08.10.2008 - V.U.), ser inconstitucional lei de vereadora
iniciativa que cria obrigação para o Poder Executivo de utilização de papel
reciclado.
Digo o mesmo quanto ao periculum in mora, poquanto a obrigação
imposta ao promovente de regulamentar a norma impugnada deveras implica, na
prática, em sujeição, se não imediata, quase, a interferência, in casu descabida, o planejamento da
administração no que tange a execução dos procedimentos licitatórios visando às
aquisições de materiais de expedientes para o ano em exercício.
Ademais, não faz o menor sentido
manter a eficácia e a vigência, ainda que potenciais, eis que minguante sua
regulamentação, certamente, porém, capazes de gerar ao menos atritos entre
Legislativo e Executivo locais, de norma que ostenta palpável vício de
inconstitucionalidade formal” (ADIn 990.10.073579-9, rel. des. Palma Bisson, j.
1º.03.2010).
Nota-se,
por fim, que a lei gera aumento de despesa sem indicação da fonte e, destarte,
colide com o disposto no artigo 25, da Constituição Bandeirante.
Esse
Sodalício, aliás, tem declarado a inconstitucionalidade de leis municipais que
infringem esses comandos:
“LEI MUNICIPAL QUE, DEMAIS IMPÕE INDEVIDO AUMENTO DE DESPESA PÚBLICA SEM A INDICAÇÃO DOS RECURSOS DISPONÍVEIS, PRÓPRIOS PARA ATENDER AOS NOVOS ENCARGOS (CE, ART 25). COMPROMETENDO A ATUAÇÃO DO EXECUTIVO NA EXECUÇÃO DO ORÇAMENTO - ARTIGO 176, INCISO I, DA REFERIDA CONSTITUIÇÃO, QUE VEDA O INÍCIO DE PROGRAMAS. PROJETOS E ATIVIDADES NÃO INCLUÍDOS NA LEI ORÇAMENTÁRIA ANUAL” (ADIn 142.519-0/5-00, rel. Des. Mohamed Amaro, 15.8.2007).
Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da integral procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei n. 4.599 de 09 de fevereiro de 2012, do Município de Taubaté.
São Paulo, 19 de fevereiro de 2013.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
fjyd