Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo nº 0231880-12.2012.8.26.0000

Requerente: Associação dos Camelôs e Ambulantes de Catanduva

Requerido: Prefeito do Município de Catanduva

 

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade. Decreto Municipal nº 4.962, de 05 de junho de 2007, do Município de Catanduva.   Revogação expressa. Decreto regulamentador. Crise de legalidade. Constituição Estadual como objeto de confronto.  Extinção do processo sem a resolução do mérito.

 

Colendo Órgão Especial,

Excelentíssimo Senhor Desembargador-Presidente:

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pela Associação dos Camelôs e Ambulantes de Catanduva, tendo como alvo o Decreto Municipal nº 4.962, de 05 de junho de 2007, daquele Município.

Citado, o Procurador-Geral do Estado declinou de realizar a defesa do ato normativo impugnado (fls. 134/135).

O Prefeito Municipal prestou informações às fls. 106/111, aduzindo que o Decreto impugnado foi revogado pelo Decreto nº 5.918, de 13 de julho de 2011 e que o parâmetro de controle deve ser a Constituição Estadual.

O pedido de suspensão do ato liminarmente foi indeferido (fls. 89/90).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

Assiste razão o Prefeito Municipal.

Com efeito, o Decreto impugnado foi efetivamente revogado pela edição do Decreto nº 5.918, de 13 de julho de 2011, de Catanduva.

Sendo assim, com o advento do Decreto revogador, o presente processo deve ser extinto sem resolução do mérito, em virtude da carência superveniente, que impede qualquer exame da constitucionalidade da lei revogada.

Ensina Eduardo Alvim (Curso de direito processual civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, v. 1, p. 158) que “as condições da ação devem mostrar-se presentes ao longo de todo o procedimento, caso contrário haverá carência superveniente, ensejando a extinção do processo sem julgamento do mérito”.

Em relação à ação direta de inconstitucionalidade, o Supremo Tribunal Federal já decidiu que “a revogação do ato normativo impugnado ocorrida posteriormente ao ajuizamento da ação direta, mas anteriormente ao seu julgamento, a torna prejudicada, independentemente da verificação dos efeitos concretos que o ato haja produzido, pois eles têm relevância no plano das relações jurídicas individuais, não, porém, no controle abstrato das normas. Ação Direta de inconstitucionalidade não conhecida, por estar prejudicada pela perda de seu objeto.” (STF, ADIn nº 070-0, publicada no DOU de 20.8.93, pág. 16.318).

Não é tudo, porém.

Pela leitura da inicial, anotando-se, por oportuno, que o diploma impugnado trata-se de um Decreto regulamentador da Lei Orgânica do Município (art. 102, § 2º), já se observava a olho nu, a inexistência de contrariedade à norma constitucional Estadual, visto que tal diploma legal eventualmente se chocaria com a Constituição Federal (art. 5º caput e incs. II, III, V, X, XIII, XIV, XV, XXXIII, LIV, LV, LXIX, LXX) ou com a Lei regulamentada.

Nesse caso, inviável a ativação da jurisdição constitucional, pois o confronto da espécie normativa objeto de controle só pode ser feito com a Constituição Estadual, nunca com a legislação ordinária. No controle de constitucionalidade, a harmonia normativa que se exige é com o texto fundamental, tanto que é ele o objeto paradigma. Portanto, eventual dissonância com a legislação infraconstitucional não enseja crise de constitucionalidade, mas sim crise de legalidade.

Os parâmetros de controle da validade jurídico-constitucional das leis, é cediço, devem estar assentados no próprio texto constitucional. O processo objetivo não se presta ao controle de inconstitucionalidades indiretas, mas apenas das afrontas diretas e imediatas do texto da Constituição.

Nesse sentido, mutatis mutandis, já decidiu o Pretório Excelso:

"É incabível a ação direta de inconstitucionalidade quando destinada a examinar atos normativos de natureza secundária que não regulem diretamente dispositivos constitucionais, mas sim normas legais. Violação indireta que não autoriza a aferição abstrata de conformação constitucional." (ADI 2.714, Rel. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 13-3-03, DJ de 27-2-04).

“EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MP 1911-9/99. NORMA DE NATUREZA SECUNDÁRIA. VIOLAÇÃO INDIRETA. IMPOSSIBILIDADE DE EXAME EM SEDE DE CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE. 1. É incabível a ação direta de inconstitucionalidade quando destinada a examinar ato normativo de natureza secundária que não regule diretamente dispositivos constitucionais, mas sim normas legais. Violação indireta que não autoriza a aferição abstrata de conformação constitucional. Ação direta de inconstitucionalidade não conhecida.  (ADI 2065 / DF – DISTRITO FEDERAL, Relator(a):  Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. MAURÍCIO CORRÊ., Julgamento:  17/02/2000, Tribunal Pleno, DJ 04-06-2004 PP-00028, EMENT VOL-02154-01, PP-00114)”.

No mesmo: ADI-MC 1347/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, j. 05/09/1995, Tribunal Pleno, DJ 01-12-1995, p.41685, EMENT VOL-01811-02, p.00241; ADI 2626/DF – DISTRITO FEDERAL, Relator(a):  Min. SYDNEY SANCHES, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. ELLEN GRACIE. Julgamento: 18/04/2004.  Tribunal Pleno. DJ 05-03-2004, PP-00013, EMENT VOL-02142-03, PP-00354.

Desse entendimento não destoa a jurisprudência da Corte Paulista:

“As ações diretas de inconstitucionalidade devem ater-se a contrastes com dispositivos constitucionais, não com normas de direito comum, independente de sua hierarquia. A violação de dispositivo de leis ordinárias, leis complementares e mesmo de preceitos inseridos em lei orgânica do município, não pode ser invocada em ação direta” (TJSP, ADI 46.911-0/4-00, Órgão Especial, Rel. Des. Franciulli Netto, v.u., 08-09-1999).

Quanto à eventual afronta à Constituição Federal, já se assentou o entendimento de que não cabe, ao Tribunal de Justiça do Estado, realizar o controle de constitucionalidade adotando como parâmetro, dispositivos da Constituição da República, sob pena de usurpação da competência do próprio Supremo Tribunal Federal.

Posto isso, requer-se a extinção do processo sem resolução do mérito, ou caso se analise o mérito, pela improcedência da ação.

São Paulo, 03 de abril de 2013.

       Sérgio Turra Sobrane

        Subprocurador-Geral de Justiça

      Jurídico

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