Parecer em Ação Direta de
Inconstitucionalidade
Processo nº 0236474-69.2012.8.26.0000
Requerente:
Prefeito Municipal de Rio Claro
Requerido:
Presidente da Câmara Municipal de Rio Claro
Ementa:
1) Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 4.400, de 12 de setembro de 2012, do Município de Rio Claro, fruto de iniciativa parlamentar, que Dispõe sobre a isenção de tarifa no Serviço de Transporte Coletivo Urbano do Município de Rio Claro às pessoas portadoras com câncer e aos deficientes mentais e dá outras providências.
2) A concessão de isenção ao pagamento de preço público (tarifa) pela prestação de serviço público comercial ou industrial, executado direta ou indiretamente, é matéria reservada ao Poder Executivo (art. 120, Constituição Estadual).
3) O parâmetro constitucional, ao prever a competência do órgão executivo competente para fixação da tarifa, inclui alterações, isenções etc., e, portanto, a outorga de isenção por ato normativo do Poder Legislativo, de iniciativa parlamentar, viola a cláusula da separação de poderes constante do art. 5º da Constituição Estadual. Procedência da ação.
Colendo Órgão
Especial
Senhor Desembargador
Relator
Tratam estes autos de ação direta de inconstitucionalidade,
tendo como alvo a Lei nº 4.400, de 12 de
setembro de 2012, do Município de Rio Claro, fruto de iniciativa parlamentar,
que “Dispõe sobre a isenção de tarifa no
Serviço de Transporte Coletivo Urbano do Município de Rio Claro às pessoas
portadoras com câncer e aos deficientes mentais e dá outras providências”.
Sustenta o requerente que a lei é inconstitucional por padecer de vício de competência e de iniciativa, violar o princípio da separação dos Poderes, uma vez que invadiu a esfera administrativa, e por ser de competência privativa do chefe do Poder Executivo legislar sobre serviços públicos. Alega, ainda, que há geração de despesa sem prévia dotação orçamentária e que a isenção não prevista no contrato de concessão provocará a obrigatoriedade de recompor o equilíbrio econômico-financeiro do ajuste. Assim, afirma ofensa ao disposto nos arts. 2º, 5º, 47, XI e XVII, 144, da Constituição Estadual.
Foi deferida a liminar (fl. 312), com suspensão da eficácia do ato normativo impugnado.
Citado regularmente (fls. 320), o Senhor Procurador-Geral do Estado afirmou tratar de matéria de interesse exclusivamente local, declinando de realizar a defesa do ato normativo impugnado (fls. 103/106).
Notificada, a Presidência da Câmara Municipal prestou informações defendendo a validade do ato normativo impugnado, (fl. 323/328).
É o breve relato do ocorrido nos autos.
A Lei nº 4.400, de 12 de setembro de 2012, do Município de Rio Claro, de iniciativa parlamentar, promulgada pelo Presidente da Assembleia Legislativa, depois de rejeitado o veto do Prefeito, autoriza a concessão de isenção de pagamento de tarifa no Serviço de Transporte Coletivo Urbano do Município às pessoas portadoras com câncer e aos deficientes mentais.
Regulamentou, ainda, procedimento para obtenção da gratuidade, fixando atribuição ao Departamento de Transporte Urbano de Passageiros do Município de Rio Claro para cadastramento e fornecimento de carteira especial de identificação.
A
matéria versada na lei impugnada não é de iniciativa legislativa reservada ao
Executivo, pois não está contemplada no rol do art. 24, § 2º, 1 a 6, da
Constituição Paulista (que reproduz, de modo geral, o disposto no art. 61, §
1º, da CR), inexistindo, por esse aspecto, qualquer inconstitucionalidade a ser
declarada em razão do impulso parlamentar dado ao projeto que culminou com a
edição do ato normativo em epígrafe.
No
entanto, há violação ao postulado constitucional da independência e harmonia
entre os Poderes.
A
concessão de isenção ao pagamento de preço público (tarifa) pela prestação de
serviço público comercial ou industrial, executado direta ou indiretamente, é
matéria reservada ao Poder Executivo, nos termos do que dispõe o art. 120 da
Constituição Estadual.
Com
efeito, ao prever a competência do órgão executivo competente para fixação da
tarifa, tal inclui alterações, isenções etc., e, portanto, a outorga de isenção
por ato normativo do Poder Legislativo, de iniciativa parlamentar, viola a
cláusula da separação de poderes constante do art. 5º da Constituição Estadual.
O
Executivo não deve sofrer indevida interferência em sua primacial função de
administrar (planejamento, direção, organização e execução das atividades da
Administração).
Assim, quando o Poder Legislativo edita lei estabelecendo hipóteses de isenção tarifária no transporte urbano coletivo, como ocorre, no caso em exame, invade, indevidamente, esfera que é própria da atividade do Administrador Público, violando o princípio da separação de poderes.
É
pacífico na doutrina, bem como na jurisprudência, que ao Poder Executivo cabe
primordialmente a função de administrar, que se revela em atos de planejamento,
organização, direção e execução de atividades inerentes ao Poder Público.
De
outra banda, ao Poder Legislativo, de forma primacial, cabe a função de editar
leis, ou seja, atos normativos revestidos de generalidade e abstração.
O diploma
impugnado invadiu a esfera da gestão administrativa, que cabe ao Poder
Executivo, pois envolve o planejamento, a direção, a organização e a execução
de atos de governo, no caso em análise representados pela concessão de isenção
tarifária nos serviços de transporte urbano coletivo. A atuação legislativa
impugnada, equivale à prática de ato de administração, de sorte a violar a
garantia constitucional da separação dos poderes.
Cumpre
recordar aqui o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que “a Prefeitura não pode legislar, como a
Câmara não pode administrar. (...) O Legislativo edita normas; o Executivo
pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que residem a
harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional (art.2º)
extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara,
realizada com usurpação de funções é nula e inoperante”. Sintetiza,
ademais, que “todo ato do Prefeito que
infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que
invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por
ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF,
art. 2º c/c o art. 31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito municipal brasileiro, 15. ed.,
atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo,
Malheiros, 2006, p. 708 e 712).
A importância da reserva da Administração é bem aquilatada pelo Supremo Tribunal Federal:
“RESERVA DE ADMINISTRAÇÃO E SEPARAÇÃO DE
PODERES. - O princípio constitucional da reserva de administração impede a
ingerência normativa do Poder Legislativo em matérias sujeitas à exclusiva
competência administrativa do Poder Executivo. É que, em tais matérias, o
Legislativo não se qualifica como instância de revisão dos atos administrativos
emanados do Poder Executivo. Precedentes. Não cabe, desse modo, ao Poder
Legislativo, sob pena de grave desrespeito ao postulado da separação de
poderes, desconstituir, por lei, atos de caráter administrativo que tenham sido
editados pelo Poder Executivo, no estrito desempenho de suas privativas
atribuições institucionais. Essa prática legislativa, quando efetivada,
subverte a função primária da lei, transgride o princípio da divisão funcional
do poder, representa comportamento heterodoxo da instituição parlamentar e
importa em atuação ultra vires do
Poder Legislativo, que não pode, em sua atuação político-jurídica, exorbitar
dos limites que definem o exercício de suas prerrogativas institucionais” (STF,
ADI-MC 2.364-AL, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 01-08-2001, DJ
14-12-2001, p. 23).
Em caso similar, este egrégio Órgão Especial declarou a inconstitucionalidade de lei de iniciativa parlamentar:
“Ação direta de inconstitucionalidade - Lei do Município de
Andradina, de iniciativa parlamentar, que concedeu isenção de tarifa de água e
esgoto a aposentados - Violação à separação de Poderes - Matéria referente à
tarifa e preço público pela remuneração dos serviços que é de competência do
Executivo (art. 120, da CE) - Vício de iniciativa caracterizado - Ação
procedente, para reconhecer a inconstitucionalidade da Lei 2.733, de 19 de
setembro de 2011, do Município de Andradina. (TJSP, ADI 0256692-55.2011.8.26.0000, Rel. Des. Enio Zuliani, v.u., 23-05-2012).
Diante
do exposto, aguarda-se a procedência do
pedido, reconhecendo-se apenas a inconstitucionalidade da Lei nº
4.400, de 12 de setembro de 2012, do Município de Rio Claro.
São Paulo, 13 de fevereiro de 2013.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
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