Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo nº 0237619-63.2012.8.26.0000

Requerente: Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB

Requeridos: Prefeito e Presidente da Câmara Municipal de Santo André

 

 

Ementa:

1)      Ação direta de inconstitucionalidade. Art. 6º da Lei Orgânica do Município de Santo André que fixa em 21 o número de vereadores.

2)      Preliminares. Diretório municipal de partido político não é legitimado ativo para ajuizamento de ação direta de inconstitucionalidade de lei municipal contrastada em face da Constituição Estadual, pois, a legitimidade ativa pertence ao diretório estadual e desde que provada a representação partidária na respectiva Câmara Municipal (art. 90, V, CE/89). Alegação de violação do art. 29, IV, da Constituição Federal. Inviabilidade de propositura da ação direta. Limites à cognição do tribunal em sede de controle concentrado de normas. Impossibilidade de análise de ofensa à Constituição Federal.

3)      Mérito. A composição das Câmaras Municipais é deliberação política do Legislativo Municipal vinculado a regra de proporcionalidade fixada na Constituição Federal. Ausência de discricionariedade na fixação do número de vereadores aquém do limite constitucional. A proporcionalidade atua como garantia da probidade administrativa e de proteção ao erário municipal, mas tem o objetivo de assegurar uma legítima representatividade. Pela regra da proporcionalidade, a fixação do número de vereadores aquém do limite máximo está vinculada e limitada ao número máximo da faixa proporcional anterior. Procedência do pedido

4)      Processo eleitoral desenvolvido em função do número de cadeiras existentes no legislativo municipal. Necessidade de modulação dos efeitos para não atingir o processo eleitoral já findo.

 

Colendo Órgão Especial

Senhor Desembargador Relator

 

Tratam estes autos de ação direta de inconstitucionalidade, tendo como alvo o art. 6º da Lei Orgânica do Município de Santo André que estabelece em 21 o número de vereadores a compor a Câmara Municipal.

Sustenta o requerente que a lei é inconstitucional porque violaria o princípio fixado no art. 29, IV, j, da Constituição Federal, aplicável aos Municípios por força do art. 144 da Constituição Estadual, que fixa 27 o número de vereadores para cidade do porte populacional de Santo André.

O pedido liminar foi indeferido, fls. 143/144.

Citado regularmente (fl. 164), o Procurador-Geral do Estado afirmou tratar de matéria de interesse exclusivamente local, declinando de realizar a defesa do ato normativo impugnado (fls. 168/170).

Notificado, o Município apresentou informações, levantando preliminares de ilegitimidade de parte, porque o Diretório local de partido político não teria legitimidade para dar início ao processo objetivo, de inépcia da inicial e de ausência de demonstrativo de ofensa ao art. 144 da Constituição Estadual. No mérito defendeu a validade do dispositivo legal impugnado, (fls. 172/191).

A Câmara Municipal não apresentou informações.

É o breve relato do ocorrido nos autos.

PRELIMINARMENTE

O processo deve ser extinto sem resolução do mérito por ilegitimidade ativa.

Como se infere da interpretação do art. 90, V, da Constituição Estadual, o diretório municipal de partido político não é legitimado ativo para ajuizamento de ação direta de inconstitucionalidade de lei municipal contrastada em face da Constituição Estadual, pois, a legitimidade ativa pertence ao diretório estadual, desde que provada a representação partidária na respectiva Câmara Municipal

No caso, a ação foi proposta por Diretório Municipal (fl. 43), sem prova documental da representação partidária na edilidade.

De outro lado, a jurisprudência deste colendo Órgão Especial do assenta que:

“ADIN. Lei Municipal que dispõe sobre a criação e extinção de cargos de servidores municipais. Exegese do art. 90, II, da Constituição Paulista. Diretório Municipal de Partido Político que não detém legitimidade ativa, mesmo em se tratando de lei municipal, para o ajuizamento da ação. Representação que compete ao Diretório regional do Partido Político. Ilegitimidade ativa ad causam reconhecida. Processo extinto sem julgamento do mérito” (TJSP, ADI 135.781-0/3-00, Órgão Especial, Rel. Des. Carlos Stroppa, v.u., 19-09-2007).

“Ação direta de inconstitucionalidade - Lei Orgânica do Município de Sandovalina, que revoga integralmente a anterior – sustentada violação aos arts. 22, 111 e 144 da Constituição Estadual, porque ‘constata-se claramente que a Lei Orgânica do Município de Sandovalina, promulgada em 05 de Abril de 1990, somente poderia ser emendada, como ocorre na Carta da República e na Carta Paulista’, em obediência ao poder constituinte derivado. - Órgão Municipal de partido político, por seu Presidente representado, não detém legitimidade para pugnar, em ação direta, a inconstitucionalidade de lei municipal - processo julgado extinto, sem resolução do mérito” (TJSP, ADI 138.863-0/0-00, Órgão Especial, Rel. Des. Palma Bisson, v.u., 01-08-2007).

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – Lei nº 3.027/2007, de Santa Bárbara d’Oeste, que instituiu a Lei Orçamentária para o exercício de 2008 – Propositura por partidos políticos por meio de seus representantes municipais – Impossibilidade – Diretório municipal que não possui legitimidade ativa, ainda que em face de lei estadual – Representação que compete ao órgão estadual – Exegese do art. 90, inc. VI da Constituição Estadual, em consonância com o art. 103, inc. VIII da Constituição Federal – Processo extinto sem resolução do mérito” (TJSP, ADI 157.692-0/8-00, Órgão Especial, Rel. Des. Maurício Ferreira Leite, v.u., 11-06-2008).

Constitucional - Ação direta de inconstitucionalidade - Lei Complementar Municipal 79/06, do Município de São Sebastião, que ‘cria a Taxa de Bombeiros e dá outras providências’ - Propositura por comissão provisória afeta a diretório municipal de partido político - Ilegitimidade ativa presente – Controle concentrado de constitucionalidade em face da Constituição Estadual que só pode ser instaurado mediante atuação de diretório regional - Princípio da simetria à luz de entendimento do STF - Precedentes desta Corte - Extinção do processo, sem resolução do mérito, cassada a liminar concedida” (TJSP, ADI 153.143-0/4-00, Órgão Especial, Rel. Des. Ivan Sartori, m.v., 14-01-2009).

DAS PRELIMINARES LEVANTADAS PELO MUNICÍPIO

A preliminar de inépcia da inicial deve ser afastada.

Embora a inicial não seja um primor técnico, esboçou de forma razoável a pretensão e seu fundamento jurídico.

É certo o pedido de declaração da inconstitucionalidade do ato normativo, apontando como parâmetro de confronto o inciso IV do art. 29 da Constituição Federal.

No entanto, sabe-se que na ação direta de inconstitucionalidade de lei estadual, no âmbito estadual, o único parâmetro a ser considerado é a Constituição do Estado (art. 125, § 2º, Constituição Federal).

No caso em exame, a inicial não aponta parâmetro da Constituição Estadual que teria sido violado, indica apenas violação à Constituição Federal (art. 29, IV).

Já se assentou o entendimento de que não cabe, ao Tribunal de Justiça do Estado, realizar o controle de constitucionalidade adotando como parâmetro, dispositivos da Constituição da República, sob pena de usurpação da competência do próprio Supremo Tribunal Federal.

Desta forma, deve ser acolhida a preliminar e extinguir o processo sem resolução do mérito, por carência de ação, em face da impossibilidade jurídica do controle pretendido.

NO MÉRITO

Na hipótese de restarem superadas as preliminares, o pedido deve ser julgado procedente.

A proporcionalidade que busca o texto constitucional estabelecer entre a composição das Câmaras Municipais e a população do Município, não apenas atua como garantia da probidade administrativa e de proteção ao erário municipal, mas tem o objetivo de assegurar uma legítima representatividade.

Desta forma, insustentável a possibilidade de fixação de qualquer número de vereadores abaixo do limite constitucional, sob pena de violação da regra da proporcionalidade e da garantia da representatividade.

O pluralismo político consagrado como princípio fundamental da República (art. 1º, V, da Constituição Federal) deve nortear a atividade legislativa para sua concretização. Tal princípio fundamental abrange não apenas uma representação proporcional, mas também plúrima, ou seja, que busque refletir as mais diversas e minoritárias concepções políticas existentes na sociedade.

A opção do constituinte em fixar um mínimo de vereadores, obviamente para dar condições de funcionalidade a casa legislativa, seguiu-se a adoção, após histórico debate jurídico e político, de múltiplas faixas progressivas que atendem a uma proporcionalidade entre o número de vereadores e a população do Município.

Embora o texto constitucional apenas estabeleça um limite máximo, não há ampla discricionariedade para a fixação do número de vereadores aquém daquele patamar, sob pena de violação ao princípio da proporcionalidade adotado pelo constituinte para assegurar uma legítima representatividade.

Assim, para que o ato normativo que fixa o número de vereadores esteja em conformidade com a almejada proporcionalidade, deve-se levar em conta que o número mínimo de vereadores é sempre balizado pela faixa anterior.

Desta forma, tendo o Município de Santo André população de 676.409 habitantes (conforme dados colhidos no sitio do IBGE), correspondente ao número apontado na inicial, estaria na faixa prevista na alínea j do inciso IV do art. 29 da Constituição Federal, que impõe o limite máximo de 27 vereadores.

A fixação de 21 vereadores, representa, portanto, violação a regra da proporcionalidade que se extrai do art. 29, IV, da Constituição Federal, pela qual se impõe a observância de um número mínimo de 25 vereadores, que é o limite máximo da faixa anterior a que se encontra o Município de Santo André.

Restou, portando, violada a regra da proporcionalidade prevista no inciso IV do art. 29 da Constituição Federal, princípio a ser observado no Município em sua atividade legislativa, nos termos do art. 144 da Constituição Estadual.

DA MODULAÇÃO DOS EFEITOS DA DECISÃO

Nos termos do art. 27 da Lei nº 9.868/99, necessária que a eventual declaração de inconstitucionalidade do art. 6º da Lei Orgânica do Município de Santo André, tenha eficácia ex nunc .

A necessidade de tal modulação é motivada por razões de segurança jurídica, haja vista que todo o processo eleitoral é desenvolvido com base no número de cadeiras existentes na Câmara Municipal.

É este número que limita a quantidade de candidatos que podem ser apresentados por cada Partido, influindo também dentre outros aspectos no quociente eleitoral.

Desta forma, já findo o processo eleitoral que foi desenvolvido em função do número de 21 vereadores para a Câmara Municipal de Santo André, conferir efeitos ex tunc à decisão importaria em alteração de todas as regras do processo eleitoral que não podem ser mais observadas, trazendo insegurança jurídica e política à urbe.

Diante do exposto, aguarda-se seja extinto o processo sem resolução do mérito em razão da ilegitimidade de parte e da falta de condição de ação, ou superada estas questões, seja julgado procedente o pedido para declarar, com efeitos ex nunc, a inconstitucionalidade do art. 6º da Lei Orgânica do Município de Santo André.

 

São Paulo, 8 de abril de 2013.

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

 

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