Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo nº 0242455-79.2012.8.26.0000

Requerente: Prefeito Municipal de Catanduva

Requerido: Presidente da Câmara Municipal de Catanduva

 

 

Ementa:

 

1)      Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 5.355, de 24 de setembro de 2012, do Município de Catanduva, de iniciativa parlamentar, que proíbe o uso de telefones celulares ou equipamentos similares no interior das agências bancárias daquele Município.

2)      Limitação de direito individual. Matéria atinente ao “poder de polícia”, que é de iniciativa geral ou concorrente. Medida que visa a resguardar a segurança dos usuários dos serviços bancários, ante o crescente aumento dos casos de violência.

3)      Razoabilidade da limitação. Prevalência dos direitos fundamentais à vida, à liberdade, à integridade física e à segurança (CF, art. 5.º, caput) sobre o direito de as pessoas se comunicarem livremente.

4)      Ausência de afronta aos princípios da livre iniciativa (CF, arts. 1.º, IV, e 170) e separação dos poderes (CE, art. 5.º).

5)      A lei impugnada impôs obrigações às instituições financeiras, e não ao Município. Dever de fiscalização, não autoriza deduzir, que a verificação do cumprimento da lei, importará em criação ou aumento de despesas, com consequente ofensa ao art. 25 da Constituição Estadual, pois se trata de atividade inerente ao poder de polícia. Necessidade de eventual criação ou ampliação da estrutura é matéria fática não sujeita a valoração em sede do controle direto de constitucionalidade.

6)      Parecer pela improcedência do pedido.

 

Colendo Órgão Especial

Senhor Desembargador Relator

 

Tratam estes autos de ação direta de inconstitucionalidade, tendo como alvo a Lei nº 5.355, de 24 de setembro de 2012, do Município de Catanduva, de iniciativa parlamentar, que “Dispõe sobre a proibição do uso de telefones celulares ou equipamentos similares no interior das agências bancárias e dá outras providências”.

Sustenta o requerente que a lei é inconstitucional por conter vício de iniciativa, violação do princípio da separação dos poderes e por criar despesas sem indicação dos recursos disponíveis. Daí, a afirmação de ofensa ao disposto nos arts.  5º, 25 e 144, da Constituição Estadual.

Foi indeferida a liminar (fls. 21/22).

Citado regularmente (fls. 30), o Senhor Procurador-Geral do Estado declinou de realizar a defesa do ato normativo impugnado, afirmando tratar de matéria de interesse exclusivamente local (fls. 32/34).

Notificado, o Presidente da Câmara Municipal prestou informações defendendo a validade do ato normativo impugnado, (fls. 36/40).

É o breve relato do ocorrido nos autos.

Não procede o pedido.

A Lei nº 5.355, de 24 de setembro de 2012, do Município de Catanduva, de iniciativa parlamentar,  promulgada pelo Presidente da Câmara Municipal, depois de rejeitado o veto do Prefeito, tem a seguinte redação:

“Art. 1º - Fica proibida a utilização de telefone celular ou equipamento similar no interior das agências bancárias e das instituições assemelhadas, no âmbito do Município de Catanduva.

I - O infrator ficará sujeito a apreensão do equipamento pelo responsável do estabelecimento financeiro e devolvido na saída do local.

II - os estabelecimentos bancários e demais instituições assemelhadas devem solicitar o apoio policial para aqueles que não se adequarem ao disposto nesta Lei.

Art. 2º - As agências bancárias e instituições assemelhadas devem afixar placas ou cartaz em locais visíveis com os seguintes dizeres:

Lei Municipal nº           /           _                          

‘É proibido a utilização de telefone celular ou equipamento similar no interior deste estabelecimento, ficando o infrator sujeito a ocorrência policial’

Art. 3º - Esta Lei entra em vigor no prazo de 90 (noventa) dias contados da sua publicação.”

A restrição, contida na lei em exame ao direito de as pessoas se comunicarem livremente por meio telefônico encontra fundamento de validade no poder de polícia estatal, que, na definição de Hely Lopes Meirelles, “é a faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado.” (Direito Municipal Brasileiro, Malheiros, São Paulo, 8.ª edição, 1996, atualizada por Izabel Camargo Lopes Monteiro, Yara Darcy Police Monteiro e Célia Marisa Prendes, p. 334)

Tal iniciativa, portanto, é perfeitamente razoável sob a ótica do direito, ante a adequação entre meio e fim, não se revelando, por outro lado, excessiva a proibição, visto que, para comunicar-se com alguém, basta o indivíduo retirar-se momentaneamente do interior da agência bancária; assim, a vedação legal não impede o indivíduo de receber ligações ou mensagens, nem de retorná-las imediatamente, bastando apenas que o faça em local apropriado, fora das dependências do banco.

Não se vislumbra também, em que medida tal propositura possa ferir o princípio da separação de poderes.

Compete privativamente à União legislar sobre o denominado sistema monetário e de medidas, títulos e garantias dos metais, além de política de crédito, câmbio, seguros, transferência de valores, bem como os princípios do sistema financeiro nacional.

No caso em apreço, a lei não cuidou de tais matérias, visou, na verdade, A aumentar a segurança dos clientes das agências bancárias localizadas no Município de Catanduva, sendo que o Município, em tal seara, tem atribuições concomitantes com as da União e do Estado. Em suma, a proibição de uso, no interior da agência bancária, de aparelhos de telefonia móvel, rádio e congêneres envolve peculiar interesse local (art. 30, inciso I, da Constituição Federal) não se vislumbrando, afronta aos textos Constitucionais, Estadual ou Federal.

A lei em exame tratou de matéria de iniciativa geral ou concorrente, patente o interesse local, e, nessa conformidade, o dever de velar pelo cumprimento da determinação legal não constitui invasão da órbita de atribuições tipicamente administrativas.

Aliás, esse egrégio Tribunal de Justiça já reconheceu em outra oportunidade (ADI 0001862-26.2011.8.26.0000, Rel. Des. Octavio Helene) que as “leis de polícia” não são de iniciativa reservada e que o Poder Público dispõe de estrutura adequada para fiscalizar o cumprimento da determinação legal.

Se por força do princípio da legalidade ninguém poderá ser obrigado a fazer ou deixar de fazer algo, senão em virtude de lei, torna-se evidente que a limitação a direito fundamental só poderá derivar de uma lei, assim considerada aquela regularmente aprovada pelo Parlamento, com a estrita obediência das regras atinentes ao processo legislativo constitucional.

A iniciativa reservada, como se sabe, constitui exceção à regra da iniciativa geral ou concorrente e, consoante lição básica de hermenêutica, as normas que estabelecem exceções às regras gerais só admitem interpretação restritiva.

Logo, os casos de iniciativa reservada são apenas aqueles expressamente previstos na Constituição Estadual (art. 24, § 2.º, 1 a 6, e 174, I a III), mas nenhum deles prevê que as leis de polícia devam ser iniciadas pelo Executivo, entendimento esse que, aliás, significa limitar a função normativa da Câmara, que seria transformada em mera chanceladora das proposituras do Executivo, situação inconcebível num Estado Democrático do Direito inaugurado pela Constituição de 1988.

Outro argumento desprovido de lógica é o de que as leis da Câmara não podem interferir na esfera de atuação do Executivo. Como explicar esse raciocínio à vista do princípio da legalidade administrativa, segundo o qual a Administração só pode agir nos limites legalmente previstos, mesmo em se tratando de poder discricionário, que é poder derivado da lei.

A iniciativa ora verberada visou à proteção da vida, integridade física, segurança e liberdade, típicos direitos fundamentais de primeira dimensão, os quais devem prevalecer no confronto com eventual direito individual de comunicar-se por meio telefônico.

Este Colendo Órgão Especial, ao analisar questão semelhante, já se pronunciou acerca da constitucionalidade da restrição imposta. Vale a transcrição da seguinte ementa:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Lei municipal que dispõe sobre a impossibilidade de utilização de celulares, rádios e congêneres no interior de agência bancário. Lei impugnada que atende aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Adequação do exercício de Poder de Polícia do ente público. Preponderância do princípio da segurança pública. Limitação ao exercício de aparelhos de telefonia móvel e similares que consagra o princípio da segurança pública e, ainda, tem por objetivo evitar ilícitos penais que atingem clientes e funcionários de instituições financeiras. Constitucionalidade da lei impugnada.” (TJ/SP, ADI 0144517-21.2011.8.26.0000, Rel. Des. Roberto Mac Cracken, j. em 14/12/2011)”.

Não se pode cogitar ou deduzir, sem qualquer suporte concreto, que a fiscalização do cumprimento da lei impugnada, decorrente do poder de polícia, importará em criação ou aumento de despesas, com consequente ofensa ao art. 25 da Constituição Estadual. Aliás, para fins de verificação do cumprimento das posturas municipais referentes ao direito de construir, o Município já tem órgão devidamente estruturado para tal atividade.

A Lei nº 5.355, de 24 de setembro de 2012, do Município de Catanduva,  impôs obrigações às instituições financeiras, e não ao Município.

Se, para fiscalizar o seu cumprimento, será ou não necessária criação de novos cargos de fiscalização, ou mesmo se será ou não necessária atividade suplementar de servidores municipais, e se isso provocará ou não maiores gastos por parte do Poder Público, é algo que dependerá essencialmente da opção político-administrativa, calcada na esfera da conveniência e oportunidade administrativa, a cargo do Chefe do Poder Executivo Municipal.

E essa avaliação e decisão ocorrerão no âmbito administrativo, não decorrendo diretamente da lei impugnada.

Nada assegura que, para a realização da fiscalização quanto ao cumprimento da lei impugnada, será mesmo imprescindível, como sustentou o autor, a realização de despesas cuja fonte de receita não foi prevista.

Em suma, o ato normativo impugnado, não cria diretamente cargos, órgãos, ou encargos para a Administração Pública, nem regula diretamente a prestação de serviços pelo Poder Público, e tampouco gera diretamente qualquer despesa para a Administração Pública.

A vingar tal entendimento, estaria eliminada a iniciativa legislativa parlamentar, pois, como toda lei editada pelo Poder Legislativo exige fiscalização (inerente ao poder de polícia), chegar-se-á à conclusão de que sempre, inexoravelmente, a iniciativa do processo de formação das leis deverá partir do Poder Executivo, o que colide com o caput do art. 61 da Constituição Federal.

Diante do exposto, aguarda-se seja o pedido julgado improcedente.

São Paulo, 14 de março de 2013.

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

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