Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo nº 0246044-79.2012.8.26.0000

Requerente: Prefeito do Município de Itapecerica da Serra

Requerido: Presidente da Câmara Municipal de Itapecerica da Serra

 

 

Ementa: Constitucional. Administrativo. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei n° 2.267, de 05 de junho de 2012, do Município de Itapecerica da Serra. 1. Cargo de Assessor de Imprensa de provimento em comissão. 2. Pedido para que se declare a inconstitucionalidade material das expressões da lei que identificam tal cargo. 3. Cargo que atende ao perfil constitucional traçado pelo artigo 115, II e V, da Carta Estadual. 4. Parecer pela improcedência da ação.

 

 

Egrégio Tribunal:

 

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada em face da Lei nº 2.267, de 05 de junho de 2012, do Município de Itapecerica da Serra, por violação ao artigo 115, I e II, da Constituição do Estado de São Paulo.

Foi indeferida a concessão de liminar (fl. 31).

Prestadas as informações (fls. 66/69), a douta Procuradoria-Geral do Estado declinou de sua intervenção (fls. 102/103).

É o relatório.

A ação é improcedente.

Com efeito, a Lei nº 2.267, de 05 de junho de 2012, do Município de Itapecerica da Serra, que “ALTERA A LEI MUNICIPAL Nº 1305, DE 08 DE ABRIL DE 2002, RELATIVA ÀS EXIGÊNCIAS DO CARGO DE ASSESSOR DE IMPRENSA DA CÂMARA MUNICIPAL DE ITAPECERICA DA SERRA”, não viola os dispositivos constitucionais indicados na inicial, até porque ela não cria o cargo de provimento em comissão de Assessor de Imprensa, mas tão somente altera os requisitos para seu preenchimento, deixando de exigir o curso superior.

Por outro lado, com relação à criação do aludido cargo, como cediço, a excepcional possibilidade de a lei criar cargos cujo provimento não se fundamenta no processo público de recrutamento por mérito não admite o uso dessa prerrogativa para burla à regra do acesso a cargos e empregos públicos mediante prévia aprovação em concurso público (art. 115, II, Constituição do Estado), que decorre dos princípios de moralidade, impessoalidade e eficiência (art. 111, Constituição do Estado).

Os cargos de provimento em comissão devem ser restritos às atribuições de assessoramento, chefia e direção em nível superior, nas quais esteja presente a necessidade de relação de confiança com os agentes políticos para o desempenho de tarefas de articulação, coordenação, supervisão e controle de diretrizes político-governamentais.

No entanto, e sobre a égide deste contexto, pode-se afiançar que o cargo comissionado de Assessor de Imprensa, criado pela Lei nº 1.305/2002, cujo requisito preenchido foi alterado pela objurgada norma, do Município de Itapecerica da Serra, encontra-se afinado ao perfil constitucional traçado pelo art. 115, II e V, da Constituição do Estado de São Paulo, bem como com o art. 37, II e V, da Constituição Federal.

Ademais, no que se refere a esta alteração propriamente dita, promovida pela Lei n. 2.267, de 05 de julho de 2012, de Itapecerica da Serra, pode-se também assegurar que se procedeu somente no intuito de adequar a Lei n. 1.305/2005 à orientação da Suprema Corte, que aponta para a inconstitucionalidade da exigência de diploma de curso superior para o exercício do jornalismo, como se vê estampado no seguinte v. aresto:

“RE 511961 / SP - SÃO PAULO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO
Relator (a):  Min. GILMAR MENDES
Julgamento:  17/06/2009      

Órgão Julgador:  Tribunal Pleno

Publicação

DJe-213  DIVULG 12-11-2009  PUBLIC 13-11-2009

EMENT VOL-02382-04 PP-00692

RTJ VOL-00213- PP-00605

Parte(s)

RECTE(S): SINDICATO DAS EMPRESAS DE RÁDIO E TELEVISÃO NO ESTADO DE SÃO PAULO - SERTESP

ADV. (A/S): RONDON AKIO YAMADA E OUTRO (A/S)

RECTE. (S): MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

PROC. (A/S) (ES): PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA

RECDO. (A/S): UNIÃO

ADV. (A/S): ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO

RECDO. (A/S): FENAJ- FEDERAÇÃO NACIONAL DOS JORNALISTAS E OUTRO (A/S)

ADV. (A/S): JOÃO ROBERTO EGYDIO PIZA FONTES

Ementa

EMENTA: JORNALISMO. EXIGÊNCIA DE DIPLOMA DE CURSO SUPERIOR, REGISTRADO PELO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, PARA O EXERCÍCIO DA PROFISSÃO DE JORNALISTA. LIBERDADES DE PROFISSÃO, DE EXPRESSÃO E DE INFORMAÇÃO. CONSTITUIÇÃO DE 1988 (ART. 5º, IX E XIII, E ART. 220, CAPUT E § 1º). NÃO RECEPÇÃO DO ART. 4º, INCISO V, DO DECRETO-LEI N° 972, DE 1969. 1. RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS. ART. 102, III, "A", DA CONSTITUIÇÃO. REQUISITOS PROCESSUAIS INTRÍNSECOS E EXTRÍNSECOS DE ADMISSIBILIDADE. Os recursos extraordinários foram tempestivamente interpostos e a matéria constitucional que deles é objeto foi amplamente debatida nas instâncias inferiores. Recebidos nesta Corte antes do marco temporal de 3 de maio de 2007 (AI-QO nº 664.567/RS, Rel. Min. Sepúlveda Pertence), os recursos extraordinários não se submetem ao regime da repercussão geral. 2. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA PROPOSITURA DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA. O Supremo Tribunal Federal possui sólida jurisprudência sobre o cabimento da ação civil pública para proteção de interesses difusos e coletivos e a respectiva legitimação do Ministério Público para utilizá-la, nos termos dos arts. 127, caput, e 129, III, da Constituição Federal. No caso, a ação civil pública foi proposta pelo Ministério Público com o objetivo de proteger não apenas os interesses individuais homogêneos dos profissionais do jornalismo que atuam sem diploma, mas também os direitos fundamentais de toda a sociedade (interesses difusos) à plena liberdade de expressão e de informação. 3. CABIMENTO DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA. A não-recepção do Decreto-Lei n° 972/1969 pela Constituição de 1988 constitui a causa de pedir da ação civil pública e não o seu pedido principal, o que está plenamente de acordo com a jurisprudência desta Corte. A controvérsia constitucional, portanto, constitui apenas questão prejudicial indispensável à solução do litígio, e não seu pedido único e principal. Admissibilidade da utilização da ação civil pública como instrumento de fiscalização incidental de constitucionalidade. Precedentes do STF. 4. ÂMBITO DE PROTEÇÃO DA LIBERDADE DE EXERCÍCIO PROFISSIONAL (ART. 5º, INCISO XIII, DA CONSTITUIÇÃO). IDENTIFICAÇÃO DAS RESTRIÇÕES E CONFORMAÇÕES LEGAIS CONSTITUCIONALMENTE PERMITIDAS. RESERVA LEGAL QUALIFICADA. PROPORCIONALIDADE. A Constituição de 1988, ao assegurar a liberdade profissional (art. 5º, XIII), segue um modelo de reserva legal qualificada presente nas Constituições anteriores, as quais prescreviam à lei a definição das "condições de capacidade" como condicionantes para o exercício profissional. No âmbito do modelo de reserva legal qualificada presente na formulação do art. 5º, XIII, da Constituição de 1988, paira uma imanente questão constitucional quanto à razoabilidade e proporcionalidade das leis restritivas, especificamente, das leis que disciplinam as qualificações profissionais como condicionantes do livre exercício das profissões. Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: Representação n.° 930, Redator p/ o acórdão Ministro Rodrigues Alckmin, DJ, 2-9-1977. A reserva legal estabelecida pelo art. 5º, XIII, não confere ao legislador o poder de restringir o exercício da liberdade profissional a ponto de atingir o seu próprio núcleo essencial. 5. JORNALISMO E LIBERDADES DE EXPRESSÃO E DE INFORMAÇÃO. INTEPRETAÇÃO DO ART. 5º, INCISO XIII, EM CONJUNTO COM OS PRECEITOS DO ART. 5º, INCISOS IV, IX, XIV, E DO ART. 220 DA CONSTITUIÇÃO. O jornalismo é uma profissão diferenciada por sua estreita vinculação ao pleno exercício das liberdades de expressão e de informação. O jornalismo é a própria manifestação e difusão do pensamento e da informação de forma contínua, profissional e remunerada. Os jornalistas são aquelas pessoas que se dedicam profissionalmente ao exercício pleno da liberdade de expressão. O jornalismo e a liberdade de expressão, portanto, são atividades que estão imbricadas por sua própria natureza e não podem ser pensadas e tratadas de forma separada. Isso implica, logicamente, que a interpretação do art. 5º, inciso XIII, da Constituição, na hipótese da profissão de jornalista, se faça, impreterivelmente, em conjunto com os preceitos do art. 5º, incisos IV, IX, XIV, e do art. 220 da Constituição, que asseguram as liberdades de expressão, de informação e de comunicação em geral. 6. DIPLOMA DE CURSO SUPERIOR COMO EXIGÊNCIA PARA O EXERCÍCIO DA PROFISSÃO DE JORNALISTA. RESTRIÇÃO INCONSTITUCIONAL ÀS LIBERDADES DE EXPRESSÃO E DE INFORMAÇÃO. As liberdades de expressão e de informação e, especificamente, a liberdade de imprensa, somente podem ser restringidas pela lei em hipóteses excepcionais, sempre em razão da proteção de outros valores e interesses constitucionais igualmente relevantes, como os direitos à honra, à imagem, à privacidade e à personalidade em geral. Precedente do STF: ADPF n° 130, Rel. Min. Carlos Britto. A ordem constitucional apenas admite a definição legal das qualificações profissionais na hipótese em que sejam elas estabelecidas para proteger, efetivar e reforçar o exercício profissional das liberdades de expressão e de informação por parte dos jornalistas. Fora desse quadro, há patente inconstitucionalidade da lei. A exigência de diploma de curso superior para a prática do jornalismo - o qual, em sua essência, é o desenvolvimento profissional das liberdades de expressão e de informação - não está autorizada pela ordem constitucional, pois constitui uma restrição, um impedimento, uma verdadeira supressão do pleno, incondicionado e efetivo exercício da liberdade jornalística, expressamente proibido pelo art. 220, § 1º, da Constituição. 7. PROFISSÃO DE JORNALISTA. ACESSO E EXERCÍCIO. CONTROLE ESTATAL VEDADO PELA ORDEM CONSTITUCIONAL. PROIBIÇÃO CONSTITUCIONAL QUANTO À CRIAÇÃO DE ORDENS OU CONSELHOS DE FISCALIZAÇÃO PROFISSIONAL. No campo da profissão de jornalista, não há espaço para a regulação estatal quanto às qualificações profissionais. O art. 5º, incisos IV, IX, XIV, e o art. 220, não autorizam o controle, por parte do Estado, quanto ao acesso e exercício da profissão de jornalista. Qualquer tipo de controle desse tipo, que interfira na liberdade profissional no momento do próprio acesso à atividade jornalística, configura, ao fim e ao cabo, controle prévio que, em verdade, caracteriza censura prévia das liberdades de expressão e de informação, expressamente vedada pelo art. 5º, inciso IX, da Constituição. A impossibilidade do estabelecimento de controles estatais sobre a profissão jornalística leva à conclusão de que não pode o Estado criar uma ordem ou um conselho profissional (autarquia) para a fiscalização desse tipo de profissão. O exercício do poder de polícia do Estado é vedado nesse campo em que imperam as liberdades de expressão e de informação. Jurisprudência do STF: Representação n.° 930, Redator p/ o acórdão Ministro Rodrigues Alckmin, DJ, 2-9-1977. 8. JURISPRUDÊNCIA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. POSIÇÃO DA ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS - OEA. A Corte Interamericana de Direitos Humanos proferiu decisão no dia 13 de novembro de 1985, declarando que a obrigatoriedade do diploma universitário e da inscrição em ordem profissional para o exercício da profissão de jornalista viola o art. 13 da Convenção Americana de Direitos Humanos, que protege a liberdade de expressão em sentido amplo (caso "La colegiación obligatoria de periodistas" - Opinião Consultiva OC-5/85, de 13 de novembro de 1985). Também a Organização dos Estados Americanos - OEA, por meio da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, entende que a exigência de diploma universitário em jornalismo, como condição obrigatória para o exercício dessa profissão, viola o direito à liberdade de expressão (Informe Anual da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, de 25 de fevereiro de 2009). RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS CONHECIDOS E PROVIDOS.”

Desta forma, ausente qualquer descompasso com as exigências constitucionais para a criação do cargo de Assessor de Imprensa, assim como com os requisitos para o seu preenchimento, o parecer é pela improcedência da presente ação direta de inconstitucionalidade.

         São Paulo, 12 de junho de 2013.

 

 

        Sérgio Turra Sobrane

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

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