Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo nº 0248704-46.2012.8.26.0000

Requerente: Prefeito Municipal de Sarutaiá

Requerido: Presidente da Câmara Municipal de Sarutaiá

 

 

 

Ementa:

1)     Ação direta de inconstitucionalidade em face do parágrafo único do art. 1º da Lei Complementar nº 54, de 22 de outubro de 2012, de Sarutaiá, que “dispõe sobre a alteração da Lei Complementar nº 43/2011 e reestrutura o quadro dos funcionários públicos da Prefeitura Municipal de Sarutaiá e dá outras providências.”

2)     Preliminar. Legitimidade do Prefeito para a propositura de ação direta. Petição que não foi assinada pelo Chefe do Executivo. Instrumento de mandato, por outro lado, outorgado pela Municipalidade, e não pelo Prefeito. Necessidade de regularização, sob pena de extinção do feito sem exame do mérito.

3)     Limites ao poder de emendas parlamentares em matéria cuja iniciativa legislativa é reservada ao chefe do Poder Executivo. Inconstitucionalidade das emendas “excessivas”, que produzam, ainda que indiretamente, violação da reserva de iniciativa. Regime jurídico do funcionalismo municipal. Matéria de iniciativa exclusiva do chefe do Poder Executivo (art. 24, § 2º, n. 4, da Constituição do Estado, aplicável por força do art. 144 da mesma Carta).

4)     Parecer pela procedência da ação direta de inconstitucionalidade.

 

 

 

Colendo Órgão Especial,

Senhor Desembargador Relator:

 

Tratam estes autos de ação direta de inconstitucionalidade, tendo como alvo o parágrafo único do art. 1º da Lei Complementar nº 54, de 22 de outubro de 2012, de Sarutaiá, que “dispõe sobre a alteração da Lei Complementar nº 43/2011 e reestruturam quadro dos funcionários públicos da Prefeitura Municipal de Sarutaiá e dá outras providências”.

Sustenta o requerente a inconstitucionalidade da norma por tratar-se de dispositivo legal fruto de emenda parlamentar aditiva, que dispôs de modo excessivo sobre matéria da competência exclusiva do chefe do Executivo Municipal, infringindo os artigos 5º, 24, § 2º, 1, e 144 da Constituição do Estado de São Paulo.

Foi deferida a liminar, suspendendo-se a eficácia do ato normativo impugnado (fls. 39/40).

A Presidência da Câmara Municipal prestou informações (fls. 44/45).

Citado (fl. 53), o Procurador-Geral do Estado declinou da defesa do ato normativo impugnado (fls. 59/61).

É o relato do essencial.

Preliminarmente, observa-se que a petição inicial da ação direta não foi assinada pelo Senhor Prefeito Municipal, bem como que o instrumento do mandato, juntado a fl. 14, foi outorgado pela Municipalidade e não pelo Chefe do Executivo.

A Constituição do Estado, seguindo o modelo da Constituição Federal, outorgou legitimação para a propositura da ação direta ao Prefeito, e não ao Município (art. 90, II, da Constituição Paulista).

Caberia assim ao Senhor Prefeito assinar a petição inicial, ainda que juntamente com os nobres advogados que a subscreveram; ou então ele, pessoalmente (e não o Município), outorgar procuração aos referidos patronos, que poderiam assiná-la, dispensando a rubrica do Chefe do Executivo.

A situação existente, portanto, configura irregularidade de representação processual que merece ser sanada, sob pena de extinção do processo sem exame do mérito, visto que, por um lado, a petição inicial não está assinada por quem, na hipótese da ação direta, detém diretamente a legitimação para agir, e por outro lado os patronos que a assinaram não receberam poderes para fazê-lo.

Confira-se:

“(...)

Representação processual. Processo objetivo. Governador do Estado. A representação processual do governador do Estado no processo objetivo se faz por meio de credenciamento de advogado, descabendo colar a pessoalidade considerado aquele que, à época, era o chefe do Poder Executivo. Representação processual. Processo objetivo. Governador do Estado. Atua o legitimado para ação direta de inconstitucionalidade quer mediante advogado especialmente credenciado, quer via procurador do Estado, sendo dispensável, neste último caso, a juntada de instrumento de mandato. (ADI 2.728-ED, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 19-10-2006, Plenário, DJ de 5-10-2007.)

(...)”

Requer-se, portanto, seja intimado o autor para regularizar sua representação processual, sob pena de extinção do feito sem exame do mérito.

A Lei Complementar nº 54, de 22 de outubro de 2012, de Sarutaiá, que “dispõe sobre a alteração da Lei Complementar nº 43/2011 e reestruturam quadro dos funcionários públicos da Prefeitura Municipal de Sarutaiá e dá outras providências”, é fruto de iniciativa do Prefeito Municipal.

Ocorre que durante a tramitação do projeto de lei respectivo foi apresentada emenda aditiva, para inclusão do parágrafo único no art. 1º do mencionado diploma, dispositivo este questionado nesta ação direta, que tem o seguinte teor:

“(...)

Parágrafo único. Os demais cargos existentes nos quadros de funcionários da Prefeitura Municipal sejam de provimento efetivo ou de comissão, que não estão incluídos no Anexo III da presente lei, terão a partir de 1º de junho de 2012, a incorporação de R$ 500,00 (quinhentos reais) no salário base de cada referência.

(...)”

É manifesta, nesse caso, a não observância da reserva de iniciativa do chefe do Poder Executivo local para a edição de lei modificando o regime jurídico do funcionalismo municipal, nos termos do art. 24, § 2º, n. 4, da Constituição do Estado, aplicável aos Municípios por força do art. 144 da mesma Carta.

O Col. Supremo Tribunal Federal, interpretando e aplicando dispositivo análogo constante da Constituição da República, o art. 61, § 1º, II, c, do qual o preceito antes indicado da Constituição do Estado é mera reprodução, reiteradamente tem declarado a inconstitucionalidade de leis que tratam de regime jurídico do funcionalismo desrespeitando a reserva de iniciativa.

Confira-se:

“(...)

Dentre as regras básicas do processo legislativo federal, de observância compulsória pelos Estados, por sua implicação com o princípio fundamental da separação e independência dos Poderes, encontram-se as previstas nas alíneas a e c do art. 61, § 1º, II, da CF, que determinam a iniciativa reservada do chefe do Poder Executivo na elaboração de leis que disponham sobre o regime jurídico e o provimento de cargos dos servidores públicos civis e militares. Precedentes: ADI 774, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 26-2-1999, ADI 2.115, rel. Min. Ilmar Galvão e ADI 700, rel. Min. Maurício Corrêa. Esta Corte fixou o entendimento de que a norma prevista em Constituição Estadual vedando a estipulação de limite de idade para o ingresso no serviço público traz em si requisito referente ao provimento de cargos e ao regime jurídico de servidor público, matéria cuja regulamentação reclama a edição de legislação ordinária, de iniciativa do chefe do Poder Executivo. Precedentes: ADI 1.165, rel. Min. Nelson Jobim, DJ de14-6-2002 e ADI 243, red. p/ o acórdão Min. Marco Aurélio, DJ de 29-11-2002. Ação direta cujo pedido se julga procedente. (ADI 2.873, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 20-9-2007, Plenário, DJ de 9-11-2007.)

(...)

Processo legislativo: normas de lei de iniciativa parlamentar que cuidam de jornada de trabalho, distribuição de carga horária, lotação dos profissionais da educação e uso dos espaços físicos e recursos humanos e materiais do Estado e de seus Municípios na organização do sistema de ensino: reserva de iniciativa ao Poder Executivo dos projetos de leis que disponham sobre o regime jurídico dos servidores públicos, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria (art. 61, II, § 1º, c). (ADI 1.895, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 2-8-2007, Plenário, DJ de 6-9-2007.)

(...)

Lei estadual que dispõe sobre a situação funcional de servidores públicos: iniciativa do chefe do Poder Executivo (art. 61, § 1º, II, a e c, CR/1988). Princípio da simetria. (ADI 2.029, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 4-6-2007, Plenário, DJ de 24-8-2007.)

(...)”

Alegar-se-á, eventualmente, que não houve violação da reserva de iniciativa do chefe do Poder Executivo, pois o dispositivo impugnado foi fruto de emenda parlamentar.

Não há dúvida de que os parlamentares podem apresentar emendas aos projetos de iniciativa reservada do chefe do Poder Executivo, durante sua tramitação legislativa.

Ocorre, entretanto, que esse poder de emenda não pode significar, na prática, usurpação, ainda que indireta ou velada, da reserva de iniciativa assegurada pela Constituição ao chefe do Poder Executivo.

Não fosse assim, a reserva de iniciativa teria seu efeito, do ponto de vista prático, eliminado, na medida em que, uma vez apresentado o projeto pelo chefe do Poder Executivo, o resultado final da atividade legislativa poderia se concretizar em temas e perspectivas absolutamente distantes e estranhos à proposta inicial.

A solução aqui preconizada – inconstitucionalidade da emenda aditiva que revela “excesso” na utilização do poder de emendas parlamentares, quanto aos projetos de iniciativa reservada do chefe do Poder Executivo – já foi consolidada pelo Col. Supremo Tribunal Federal.

Confiram-se os julgados a seguir mencionados, aplicáveis ao caso mutatis mutandis:

“(...)

Ação direta de inconstitucionalidade. Reserva de iniciativa. Aumento de remuneração de servidores. Perdão por falta ao trabalho. Inconstitucionalidade. Lei 1.115/1988 do Estado de Santa Catarina. Projeto de lei de iniciativa do governador emendado pela Assembleia Legislativa. Fere o art. 61, § 1º, II, a, da CF de 1988 emenda parlamentar que disponha sobre aumento de remuneração de servidores públicos estaduais. Precedentes.  (ADI 13, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 17-9-2007, Plenário, DJ de 28-9-2007.)

(...)

A iniciativa de projetos de lei que disponham sobre vantagem pessoal concedida a servidores públicos cabe privativamente ao chefe do Poder Executivo. Precedentes. Inviabilidade de emendas que impliquem aumento de despesas a projetos de lei de iniciativa do chefe do Poder Executivo. (ADI 1.729, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 28-6-2006, Plenário, DJ de 2-2-2007.) No mesmo sentido: ADI 3.176, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 30-6-2011, Plenário, DJE de 5-8-2011.

(...)

Processo legislativo. Iniciativa privativa do Poder Executivo. Emenda pelo Poder Legislativo. Aumento de despesa. Norma municipal que confere aos servidores inativos o recebimento de proventos integrais correspondentes ao vencimento de seu cargo. Lei posterior que condiciona o recebimento deste benefício, pelos ocupantes de cargo em comissão, ao exercício do serviço público por, no mínimo, doze anos. Norma que rege o regime jurídico de servidor público. Iniciativa privativa do chefe do Executivo. Alegação de inconstitucionalidade desta regra, ante a emenda da Câmara de Vereadores, que reduziu o tempo mínimo de exercício de quinze para doze anos. Entendimento consolidado desta Corte no sentido de ser permitido a parlamentares apresentar emendas a projeto de iniciativa privativa do Executivo, desde que não causem aumento de despesas (art. 61, § 1º, a e c c/c  art. 63, I, todos da CF/1988). Inaplicabilidade ao caso concreto. (RE 274.383, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 29-3-2005, Segunda Turma, DJ de 22-4-2005.)

(...)

Incorre em vício de inconstitucionalidade formal (CF, arts. 61, § 1º, II, a e c e 63, I) a norma jurídica decorrente de emenda parlamentar em projeto de lei de iniciativa reservada ao chefe do Poder Executivo, de que resulte aumento de despesa. Parâmetro de observância cogente pelos Estados da Federação, à luz do princípio da simetria. (ADI 2.079, Rel. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 29-4-2004, Plenário, DJ de 18-6-2004.) No mesmo sentido: ADI 2.113, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 4-3-2009, Plenário, DJE de 21-8-2009.

(...)”

O fato é que a violação da iniciativa reservada, ainda que se dê de forma indireta, através de emendas parlamentares, torna a lei inconstitucional.

Diante do exposto, superada a preliminar, nosso parecer é no sentido da procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 1º da Lei Complementar nº 54, de 22 de outubro de 2012, de Sarutaiá.

São Paulo, 18 de março de 2013.

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

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