Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

 

 

 

Processo n. 0249021-44.2012.8.26.0000

Requerente: ASSIFIG – Associação dos Inspetores Fiscais do Município de Guarulhos

Requeridos: Prefeito e Presidente da Câmara Municipal de Guarulhos

 

 

 

 

 

 

Constitucional. Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade.  Lei n. 7.024, de 03 de abril de 2012, do Município de Guarulhos. Procedência. 1. Sem desprestígio à mutabilidade do regime jurídico do servidor público e a consequente inoponibilidade de direito adquirido a regime jurídico pelo servidor público, a transferência de atribuições próprias do cargo de inspetor fiscal de rendas ao cargo de agente de fiscalização implica transposição não admitida pela CE/89 (art. 115, II), que reproduz a CF/88 (art. 37, II), e que é vedada pela Súmula 685-STF. 2. Gratificação de produtividade instituída ao cargo de agente de fiscalização que não ostenta razoabilidade, interesse público e exigência do serviço (arts. 111 e 128, CE/89), não bastasse sua inconstitucionalidade consequencial porque decorrente da transformação de cargos. 3. Convalidação de atos consequencialmente inconstitucional. 4. O controle judicial de constitucionalidade é elementar à separação de poderes para prevalência do princípio da supremacia da Constituição. 5. Autonomia municipal que deve ser exercida com observância da CF/88 (art. 29) e da CE/89 (art. 144), não se verificando espaço de ressalva à matéria controvertida nesse condicionamento. 6. Recusa à modulação de efeitos por se tratar de reiteração, ainda que por expediente diverso, de medidas de aproximação do status funcional de classes distintas do quadro de pessoal do Município, inclusive sob o aspecto remuneratório, e que foram anteriormente julgadas inconstitucionais.

 

 

 

Colendo Órgão Especial:

 

 

 

1.                Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada por ASSIFIG – Associação dos Inspetores Fiscais do Município de Guarulhos impugnando os itens 1 a 4 da alínea a, os itens 1 a 3 da alínea b, os itens 1, 3 a 5 da alínea c, os itens 2 a 4 da alínea d do inciso II do art. 3º, e os arts. 4º, 5º, 6º, 8º, 10 e 11, da Lei n. 7.024, de 03 de abril de 2012, do Município de Guarulhos, por incompatibilidade com os arts. 111, 115, II, e 144, da Constituição Estadual, os arts. 37, II e XXII, e 39, § 1º, I a III, da Constituição Federal, e o art. 71 da Lei Orgânica do Município (fls. 02/51).

2.                A liminar foi concedida (fls. 128/130).

3.                O douto Procurador-Geral do Estado declinou da defesa das normas impugnadas (fls. 139/141).

4.                O Município e o Prefeito do Município de Guarulhos interpuseram agravo (fls. 143/153) que foi monocraticamente acolhido para excluir do alcance da liminar o pagamento aos agentes de fiscalização da gratificação de produtividade (fls. 159/162).

5.                A Associação dos Agentes de Fiscalização de Guarulhos requereu sua admissão como amicus curiae postulando a improcedência da ação além da revogação ou contenção da liminar (fls. 166/181).

6.                A Câmara Municipal de Guarulhos prestou informações defendendo a constitucionalidade dos dispositivos legais impugnados que, segundo expõe, tratam das atribuições do cargo de agente de fiscalização e concessão de gratificação, sem qualquer afronta à regra da investidura em cargo público mediante concurso público, uma vez que se cuida de modificação na área de atuação para estendê-la ao Departamento de Receita Imobiliária da Secretaria de Finanças (fls. 196/200).

7.                O Prefeito do Município de Guarulhos pretende a improcedência da ação e, subsidiariamente, a declaração de inconstitucionalidade do art. 3º, II, a, 1 a 4, b, 1 a 3, c, 1 a 5, d, 2 a 4, da Lei n. 7.024/12, e a modulação dos efeitos a partir da publicação, alegando, em suma, a compatibilidade da lei local com os arts. 2º, 30, I e V, 37, II e V, da Constituição Federal, a distinção de fundamento, percentual e elegibilidade da gratificação, e a inexistência de confusão entre atribuições de carreiras distintas (fls. 204/219).

8.                Foi deferida a intervenção amicus curiae (fl. 260).

9.                É o relatório.

10.              Afigura-se desvalioso para o desate da lide o contraste das normas impugnadas com outro parâmetro para além da Constituição Estadual, salvo quando reproduza, imite ou remeta a preceito da Constituição Federal (ou se trate de norma de observância obrigatória), nos termos do art. 125, § 2º, da Constituição Federal.

11.              Qualquer alegação fundada em norma infraconstitucional, como a Lei Orgânica do Município, não merece cognição.

12.              São os seguintes os dispositivos da Lei n. 7.024, de 03 de abril de 2012, do Município de Guarulhos, vergastados nesta via:

“Art. 3º São atribuições específicas dos Agentes de Fiscalização, em efetivo exercício, por áreas de atuação:

(...)

II - Departamento de Receita Imobiliária, da Secretaria de Finanças:

a) quanto ao IPTU:

1. proceder ao lançamento tributário ou seu aditamento, inclusive supervisionar sua emissão eletrônica;

2. proceder à análise e prestar informações nos processos sobre revisão, lançamentos, cancelamentos e devolução de importância;

3. incluir dados no sistema eletrônico e efetuar lançamentos tributários retroativos;

4. efetuar vistorias nos imóveis objetos de pedido de isenção, não incidência e imunidade e proceder à análise e informação processual dos referidos pedidos;

b) quanto às taxas imobiliárias e contribuição de melhoria:

1. efetuar os levantamentos necessários e elaborar os procedimentos para emissão dos lançamentos;

2. proceder aos lançamentos tributários e sua revisão;

3. analisar e informar os processos da mesma natureza;

c) quanto ao ITBI:

1. fiscalizar o recolhimento do ITBI, emitir lançamentos de ofício ou complementares e homologar os recolhimentos efetuados;

(...)

3. fiscalizar o cumprimento das obrigações tributárias pelos Cartórios de Notas e Registros de Imóveis;

4. proceder à análise e prestar informações nos processos de não-incidência tributária, revisões, devoluções de importância, imunidades e isenções;

5. prestar atendimento aos contribuintes nos assuntos afetos ao ITBI, tais como instruções no preenchimento de guias, cálculos e documentação necessária;

d) em caráter geral:

(...)

2. proceder à análise e emitir manifestações em processos tributários e outros expedientes administrativos;

3. prestar atendimento e orientação aos contribuintes quanto à legislação tributária atinente à sua Unidade;

4. lavrar notificação preliminar e autos de multa relativos às infrações à legislação tributária;

(...)

Art. 4º Será devida a gratificação de produtividade aos titulares do cargo de Agente de Fiscalização, desde que estejam no efetivo exercício do cargo e segundo critérios a serem previstos em Regulamento próprio, levando-se em conta a atuação pessoal do servidor.

§ 1º Para os efeitos deste artigo considera-se como de efetivo exercício:

I - os afastamentos decorrentes de:

a) férias, casamento e luto;

b) convocação para o serviço militar e outros obrigatórios por Lei;

c) moléstia comprovada, até dois dias por mês, até o máximo de dez dias por ano;

II - licenças:

a) por acidente em serviço ou doença profissional;

b) especial, concedida a funcionária gestante;

c) por missão de estudos, quando autorizada pelo Prefeito, no território nacional ou estrangeiro;

§ 2º Durante os afastamentos e licenças referidos no parágrafo anterior, a gratificação de produtividade será calculada pela média dos valores percebidos a esse título nos três meses anteriores ao da ocorrência do fato, mantida a proporção relativa ao limite máximo de pontos em vigor.

Art. 5º Para os efeitos do disposto no artigo anterior, a apuração da produtividade far-se-á mensalmente, por meio da atribuição de pontos equivalentes, cada um, a 0,0236% (duzentos e trinta e seis décimos de milésimos por cento) do valor do vencimento correspondente à referência inicial da carreira do cargo do Agente de Fiscalização.

§ 1º Não serão remunerados os pontos a que se refere o caput que excedam a 3.000 (três mil).

§ 2º A gratificação de produtividade será apurada ao final de cada mês e paga no mês subsequente, segundo critério de atribuição de pontos a ser fixado em Decreto do Poder Executivo.

§ 3º Os pontos fixados no § 1º deste artigo serão apurados e pagos observado o seguinte:

I - se a produção realizada em um mês ultrapassar o limite de pontos remunerados, o excesso de produção apurado destinar-se-á a compensar até o máximo de apurado destinar-se-á a compensar até o máximo de 1.500 (um mil e quinhentos pontos) de insuficiências verificadas nos doze meses subsequentes;

II - a diferença a menor entre o limite máximo de pontos remuneráveis e o efetivamente alcançado pelo Agente de Fiscalização será deduzida da produção do mês seguinte.

§ 4º O Agente de Fiscalização que não alcançar a pontuação prevista no caput em virtude da insuficiência de atribuição de serviço pelo seu superior hierárquico, terá garantido para fins de pagamento, a média de sua pontuação nos últimos três meses.

Art. 6º Sobre a gratificação de produtividade incidirá a contribuição previdenciária, devendo ser considerada no cálculo dos proventos da inatividade, para fins de aposentadoria e disponibilidade, nos termos da legislação previdenciária.

(...)

Art. 8º Farão jus à gratificação, os ocupantes do cargo de Agente de Fiscalização que optarem expressamente pelo regime de trabalho gratificado ora instituído.

Parágrafo único. Os Agentes de Fiscalização que ingressarem na Prefeitura de Guarulhos após a promulgação desta Lei, o farão obrigatoriamente sob o regime de trabalho gratificado.

(...)

Art. 10. A gratificação de produtividade será devida, na sua pontuação máxima, ao Agente de Fiscalização durante o prazo previsto no artigo 9º, sem prejuízo do constante nos § 1º e § 2º do artigo 4º desta Lei.

Parágrafo único. Para apuração da produtividade no prazo previsto no artigo 9º desta Lei, como regra de transição, serão adotados os critérios atualmente utilizados para aferição dos serviços executados pelos Agentes de Fiscalização.

Art. 11. Ficam convalidados todos os atos de fiscalização praticadas pelo Agente de Fiscalização do Município até a data de publicação desta Lei”.

13.              A requerente alega que o art. 3º, II, alíneas a a d (nos itens indicados), da Lei n. 7.024/12 molestam os arts. 37, II e XXII, da Constituição Federal e o art. 115, II, da Constituição Estadual, ao transferirem parcela das atribuições de fiscalização tributária ao cargo de agente de fiscalização.

14.              Fincado em precedentes do Supremo Tribunal Federal, o colendo Órgão Especial do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo julgou procedente ação direta de inconstitucionalidade anterior (entre as mesmas partes) em face da Lei n. 6.106/05 do Município de Guarulhos, estando assim ementado o venerando acórdão:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – Lei Municipal de Guarulhos nº 6.106/05, que alterou dispositivos da Lei Municipal nº 4.823/96 e unificou as atribuições dos ‘Inspetores Fiscais de Rendas’ e dos ‘Agentes de Fiscalização’ – Lei que acabou produzindo, de forma dissimulada, transformação de cargos com enquadramento ou equiparação de cargos de nível diverso – Violação à regra do concurso público e aos princípios da moralidade, impessoalidade, razoabilidade (arts. 111, 115, incs. I e II e 144 da CE) – Afronta ao art. 25 da Carta Paulista – Ação procedente” (ADI 131.185-0/4-00, Rel. Des. Paulo Travain, v.u., 11-06-2008).

15.              E também julgou procedente ação direta de inconstitucionalidade (ADI 142.624-0/4, Rel. Des. Sousa Lima, v.u., 18-06-2008) objurgando o parágrafo único do art. 13 da Lei n. 4.823, de 22 de outubro de 1996, do Município de Guarulhos, que permitia a investidura de servidor público em cargo diverso (inspetor fiscal de rendas) daquele para o qual foi admitido por concurso (agente de fiscalização).

16.              Sem desprestígio à mutabilidade do regime jurídico do servidor público e a consequente inoponibilidade de direito adquirido a regime jurídico pelo servidor público, a transferência de atribuições próprias do cargo de inspetor fiscal de rendas ao cargo de agente de fiscalização implica transposição não admitida pelo art. 115, II, da Constituição Estadual, que reproduz o art. 37, II, da Constituição Federal, e que é vedada pela Súmula 685 do Supremo Tribunal Federal, verbis:

“É inconstitucional toda modalidade de provimento que propicie ao servidor investir-se, sem prévia aprovação em concurso público destinado ao seu provimento, em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente investido”.

17.              O art. 297 da Constituição Estadual estende à Constituição Estadual – na mesma medida em que o art. 144 – dispositivos de emendas à Constituição Federal não integrantes do corpo permanente desta e as alterações efetuadas no texto da Constituição Federal que causem implicações no âmbito estadual, ainda que não contempladas expressamente pela Constituição do Estado.

18.              Não bastasse essa norma remissiva, o art. 37, XXII, da Constituição Federal, foi reproduzido no inciso XX-A do art. 115 da Constituição Estadual, corroborando a conclusão acima exposta, pois, o exercício da administração tributária demanda servidores de carreiras específicas, não podendo suas competências ser transferidas a funcionários que não sejam dela integrantes.

19.              Procedente a ação sob este fundamento.

20.              Sustenta a requerente que os arts. 4º, 5º, 6º, 8º e 10 da Lei n. 7.024/12 violam o art. 39, § 1º, I a III, da Constituição Federal.

21.              Os dispositivos impugnados são relativos à instituição da vantagem pecuniária denominada gratificação de produtividade e seu respectivo regime, que é dependente do exercício e incorporável e, ainda, serve para a base de cálculo da contribuição previdenciária e dos proventos de aposentadoria.

22.              Adicionais, prêmios ou gratificações de produtividade “são vantagens diretamente relacionadas ao exercício de cargo público e, por isso, devem submeter-se ao teto remuneratório” (STF, ED-RE 593.472-AM, 1ª Turma, Rel. Min. Dias Toffoli, 11-12-2012, m.v., DJe 25-02-2013) e “não viola o art. 37, inciso XIV, da Constituição Federal o cálculo de vantagens pecuniárias incidentes sobre a denominada gratificação de produtividade concedida aos agentes de tributos estaduais pela legislação do Estado do Espírito Santo, pois referida gratificação corresponde à parcela variável dos vencimentos do servidor” (STF, AgR-RE 262.398-CE, 1ª Turma, Rel. Min. Dias Toffoli, 21-08-2012, v.u., DJe 06-09-2012).

23.              Também em torno do assunto já foi decidido que:

“(...) Fixado, com base na prova nos autos e no disposto na legislação municipal, que a gratificação de produtividade tem caráter geral quanto aos servidores da ativa, não há violação ao art. 40, § 4º, da Constituição na decisão judicial que determina sua extensão aos aposentados. (...)” (STF, AgR-RE 234.918-RS, 2ª Turma, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 14-09-2010, v.u., 08-10-2010).

“1. Servidor público federal: extensão a inativos da Gratificação de Desempenho da Atividade de Fiscalização - GDAF, instituída pela L. 9.641/98, negada pelo acórdão recorrido, porque relativa produtividade do servidor: é da jurisprudência do STF que o artigo 40, § 8º, da Constituição não assegura a extensão a servidores inativos de vantagem condicionada ao exercício de determinada função. (...)” (STF, AgR-RE 488.221-RJ, 1ª Turma, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 14-08-2007, v.u., 14-09-2007).

“AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO. GRATIFICAÇÃO DE PRODUTIVIDADE. INTEGRAÇÃO AOS VENCIMENTOS E PROVENTOS DE SERVIDORES. Esta Corte já firmou entendimento no sentido de que a gratificação de produtividade constitui vantagem pessoal e, por isso, não pode ser excluída do limite máximo da remuneração dos servidores públicos. Agravo regimental não provido” (STF, AgR-RE 197.194-ES, 1ª Turma, Rel. Min. Eros Grau, 31-05-2005, v.u., DJ 24-06-2005, p. 33).

“AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. LEI COMPLEMENTAR ESTADUAL Nº 841/98. GRATIFICAÇÃO DE CARÁTER GENÉRICO. EXTENSÃO AOS SERVIDORES INATIVOS. Havendo o Tribunal de origem decidido que a Gratificação denominada ‘Prêmio de Incentivo à Produtividade e Qualidade’, nos termos da Lei Complementar estadual nº 841/98, tem natureza genérica, ela deve ser estendida aos inativos, conforme jurisprudência pacífica desta Casa Maior da Justiça brasileira. Precedentes: MI 211, Rel. Min. Octavio Gallotti; AI 276.786-AgR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence; AI 265.373-AgR, Rel. Min. Marco Aurélio; e AI 444.555-AgR, Rel. Min. Carlos Velloso. Entendimento diverso exigiria reexame da legislação infraconstitucional pertinente (Lei Complementar estadual nº 841/98), procedimento vedado pela jurisprudência pacífica desta colenda Corte. Precedentes: AIs 424.262-AgR e 407.120-AgR, ambos de relatoria do Min. Cezar Peluso. Agravo regimental a que se nega provimento” (STF, AgR-RE 374.263-SP, 1ª Turma, Rel. Min. Carlos Britto, 30-11-2004, v.u., DJ 01-04-2005, p. 31).

“(...) 3. Prêmio de produtividade. Vantagem a estender-se, de forma geral, àqueles servidores a que se destina. Não se reveste da natureza de vantagem pessoal. 4. Natureza da gratificação de 40% da remuneração. (...)” (STF, AgR-AI 242.929-PR, 2ª Turma, Rel. Min. Néri da Silveira, 19-03-2002, v.u., DJ 12-04-2002, p. 56).

“REMUNERAÇÃO - VANTAGEM PESSOAL. Descabe vislumbrar a existência de vantagem pessoal quando a premissa referente à outorga da parcela está ligada ao cargo ocupado, de modo a beneficiar todos os titulares de idênticos cargos. Isso se verifica relativamente ao prêmio de produtividade e à gratificação reservados aos servidores do Grupo Operacional TAF do Estado do Paraná” (STF, AgR-AI 243.442-PR, 2ª Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, 16-11-1999, v.u., DJ 18-02-2000, p. 61).

“(...) O pro-labore de êxito para remunerar produtividade dos procuradores fiscais e procuradores administrativos, dentro do programa de incentivo à cobrança administrativa ou judicial, de receitas inscritas na dívida ativa do Estado, ante a sua natureza transitória, não se incorpora, pelo menos em tese, à remuneração do servidor. (...)” (STF, ADI-MC 1.418-SC, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ilmar Galvão, 24-04-1996, v.u., DJ 31-05-1996, p. 18.800).

“PROCURADORES DA REPUBLICA. GRATIFICAÇÃO DE PRODUTIVIDADE. PROCURADORES QUE ADVOGAM E QUE NÃO ADVOGAM. E POSSIVEL A FIXAÇÃO DE GRATIFICAÇÃO DE PRODUTIVIDADE EM PERCENTUAIS DIFERENTES, EM RELAÇÃO A PROCURADORES DA REPUBLICA QUE ADVOGAM E QUE NÃO ADVOGAM. O CRITÉRIO ADOTADO NÃO FERE O PRINCÍPIO DA ISONOMIA POSTO QUE O FOI A BASE DE SITUAÇÕES OBJETIVAS, NÃO CABENDO PERQUIRIR-SE SE E ELE OU NÃO O MELHOR” (STF, AgR-AI 129.365-RS, 2ª Turma, Rel. Min. Aldir Passarinho, 16-10-1990, v.u., DJ 16-11-1990, p. 13.060).

24.              Ora, se dependente do exercício da função, não é possível cogitar-se de incorporação e base de cálculo dos proventos nem extensão aos inativos.

25.              Sob outro enfoque, se a vantagem está ligada a particular situação funcional, e não ao cargo, descabe predicar seu caráter geral.

26.             A questão que se coloca é saber se a outorga de gratificação de produtividade à classe dos agentes de fiscalização tem respaldo no interesse público e na razoabilidade tendo em vista o art. 39, § 1º, da Constituição Federal, aplicável por força dos arts. 144 e 297 da Constituição Estadual, e os arts. 111 e 128 da Constituição Estadual, máxime porque este último preceito subordina a instituição de vantagens pecuniárias ao interesse público e às exigências do serviço.

27.              Abstraído o exame sociológico da vantagem à luz do taylorismo, adicional, gratificação ou prêmio por produtividade tem natureza remuneratória como estímulo ao alcance de metas de interesse do serviço, valorizando o empenho dos servidores públicos.

28.              É comum – e até salutar – a Administração Pública valorizar o desempenho de seus servidores mediante vantagens como a gratificação de produtividade desde que estabeleça parâmetros de aferição e resultados. Mas, é imprescindível que a vantagem pecuniária não constitua um aumento dissimulado de vencimentos e, portanto, tenha conteúdo demonstrativo da existência de interesse público concreto e específico em sua instituição, consistente no proveito que a maior produtividade forneça ao ente ou órgão público. Necessário, ainda, que a atividade desenvolvida (a ser premiada) tenha repercussão para além do espaço burocrático da execução da função pública, traduzindo, por isso, o acréscimo de vantagens ao interesse público.

29.              Ora, tendo em vista que as atribuições do cargo de agente de fiscalização não se equiparam as do inspetor fiscal, e evidenciada a inconstitucionalidade da outorga de competências deste àquele, não se mostra razoável a instituição de gratificação de produtividade para remuneração do desempenho de atividades ordinárias e burocráticas que, por si mesmas, não oferecem incremento aos interesses do aparelho administrativo. Ainda que tenha percentuais diferenciados, deve se considerar, neste aspecto, a inconstitucionalidade consequencial. Neste sentido:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Lei n° 12.985, de 28 de junho de 2007, do Município de Campinas, que ‘dispõe sobre o plano de cargos, carreiras e vencimentos dos servidores do Município de Campinas e dá outras providências’ - Ato normativo que altera denominações e atribuições de cargos de nível médio, fazendo com que estas coincidam, na prática, com as atribuições do cargo de auditor fiscal tributário municipal - Hipótese de ‘transformação’ de cargos e provimento sem concurso público, que não é viável a teor dos art. 111, 115, I e II, e 144 da Constituição do Estado - Lei que, ademais, estende prêmio de produtividade reservado ao auditor fiscal tributário municipal aos cargos transformados - Inconstitucionalidade também sob esse aspecto, eis que a gratificação decorre da indevida equiparação dos cargos que a lei concretizou – Ação procedente para declarar a inconstitucionalidade da lei supracitada, com efeito ‘ex nunc’.” (TJSP, ADI 163.712-0/0-00, Órgão Especial, Rel. Des. José Reynaldo, v.u., 09-12-2009).

30.              Essas premissas, concessa venia, evidenciam que é desvalioso debater-se eventual diferença com valores pagos a mesmo título – ainda que nominal – a outro cargo público, pois, o problema situa-se na etapa antecedente que explora a necessidade de retribuição diferenciada por critério de produtividade a cargo público cujo plexo de competências consiste em mera execução de atividades-meio.

31.              Se é certo que a gratificação de produtividade pode, por exemplo, ser franqueada em favor de advogados públicos e fiscais tributários, não parece ser adequada e necessária em prol do pessoal burocrático que desempenha atividades-meio para a administração tributária.

32.               Portanto, padecem de inconstitucionalidade os arts. 4º, 5º, 6º, 8º, 10 e 11, da Lei n. 7.024/12.

33.              Resta o exame do art. 11 da Lei n. 7.024/12 que convalida os atos de fiscalização praticados pelos titulares do cargo de agente de fiscalização e que, segundo a requerente, ofenderia os princípios de moralidade, eficiência e legalidade.

34.              Em razão de sua relação de dependência com o art. 3º, II, da lei local contestada, a inconstitucionalidade, in casu, é consequencial.

35.              Destarte, é procedente a ação.

36.              Anoto que as conclusões acima delineadas não significam amesquinhamento do princípio da separação de poderes ou da autonomia municipal. O controle judicial de constitucionalidade é elementar à separação de poderes para prevalência do princípio da supremacia da Constituição. E a autonomia municipal só pode ser exercida nos limites constitucionais, rendendo observância aos princípios das Constituições Federal e Estadual como emerge de seus arts. 29 e 144 respectivamente.

37.              Eventual ressalva à aplicabilidade das Constituições federal e estadual só teria, ad argumentandum tantum, espaço naquilo que a própria Constituição da República reservou como privativo do Município, não podendo alcançar matéria não inserida nessa reserva nem em assunto sujeito aos parâmetros limitadores da auto-organização municipal ou aqueles que contém remissão expressa ao direito estadual. Como julgado, “a autonomia conferida aos Estados pelo art. 25, caput da Constituição Federal não tem o condão de afastar as normas constitucionais de observância obrigatória” (STF, ADI 291-MT, Tribunal Pleno, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 07-04-2010, m.v., DJe 10-09-2010). Esse raciocínio serve igualmente para os Municípios.

38.              O Prefeito do Município de Guarulhos solicita eficácia ex nunc da declaração de inconstitucionalidade a partir da publicação do julgado no tocante ao art. 11 da Lei n. 7.024/12 (fl. 218), o que, em tese, mereceria acolhimento para evitar a desconstituição de atos praticados no exercício da fiscalização tributária.

39.              Outrossim, tendo em vista a reconsideração parcial da liminar, e sopesado o caráter alimentar da vantagem pecuniária e a presunção de boa fé que milita em favor de seus beneficiários, a modulação de efeitos também poderia ser estendida na mesma medida.

40.              Contudo, é indispensável considerar que não se trata de ato isolado, pois, anteriormente, ainda que por outros expedientes, o Município de Guarulhos aviou medidas para aproximação do status funcional de classes distintas de seu quadro de pessoal, inclusive sob o aspecto remuneratório, e que, como historiado, foram estimadas inconstitucionais.

41.              Por tais razões, oponho-me à modulação de efeitos na espécie.

42.              Opino pela procedência integral da ação.

                   São Paulo, 06 de março de 2013.

 

 

 

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

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