Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo nº 0265015-15.2012.8.26.0000

Requerente: Prefeita do Município de Jundiaí

Requerido: Presidente da Câmara Municipal de Jundiaí

Ementa:

1) Ação Direta de Inconstitucionalidade, ajuizada pela Prefeita do Município de Jundiaí, tendo por objeto a Lei nº 7.682, de 06 de junho de 2011, que “altera a Lei de Zoneamento e Ocupação do Solo, para exigir pavimento permeável nos estacionamentos, nos casos em que especifica”.

2) A lei impugnada impôs obrigações aos estabelecimentos comerciais nela mencionados. Matéria atinente ao "poder de polícia", que é de iniciativa geral ou concorrente. Medida que visa resguardar o meio ambiente.

3)  Inexistência de violação de iniciativa reservada do Chefe do Executivo, ou mesmo do princípio da separação de poderes. Interpretação estrita da regra de reserva de iniciativa legislativa do Poder Executivo. Precedentes do STF.

 4) Tema contido no âmbito do interesse local (art. 30, I, da CR/88), por consistir na disciplina do poder de polícia municipal. Lei que se reputa constitucional.

 5) Parecer pela improcedência da ação direta.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, movida pelo Prefeito do Município de Jundiaí, tendo por objeto a Lei nº 7.682, de 06 de junho de 2011, que “altera a Lei de Zoneamento e Ocupação do Solo, para exigir pavimento permeável nos estacionamentos, nos casos em que especifica”.

A lei em questão, de iniciativa parlamentar, seria inconstitucional, segundo o autor, por afronta à inciativa legislativa reservada ao Chefe do Poder Executivo, sobre a matéria em questão e, ainda, por não ter sido observado os ditames constitucionais concernentes à participação das entidades comunitárias no estudo, o encaminhamento e solução dos respectivos problemas, plano, programas e projetos, além das normas urbanísticas, de segurança, higiene e qualidade de vida.

Aponta como violados o art. 72, XXIX, da Lei Orgânica do Município de Jundiaí e os arts. 5º, caput, 144, 180, I, II e V, §1º, da Constituição Estadual.

Foi deferida liminar para suspensão da eficácia do ato normativo (fl. 28).

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 42/44).

A Câmara Municipal de Jundiaí prestou informações, defendendo a constitucionalidade da lei impugnada (fls. 46/55).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

A ação é improcedente.

A Lei nº 7.682, de 06 de junho de 2011, que “altera a Lei de Zoneamento e Ocupação do Solo, para exigir pavimento permeável nos estacionamentos, nos casos em que especifica”, apresenta a seguinte redação:

“Art.1º - A Lei n. 7.503, de 2 de julho de 2010, passa a vigorar acrescida destes dispositivos:

‘Art. 65 (....)

(....)

§5º. O estacionamento de veículos , quando descoberto, terá pavimento permeável às águas das chuvas, em 30% (trinta por cento) no mínimo  da área situada no nível do solo, no caso de:

I- estacionamentos comerciais;

II- bancos;

III- supermercados;

IV- shopping centers;

V- empreendimentos habitacionais’;

Art. 2º  – Esta lei  entrará em vigor na data de sua publicação”.

         De início, insta observar ser impróprio para o desate da lide o contraste da norma municipal impugnada com outro parâmetro para além da Constituição Estadual, salvo quando reproduza, imite ou remeta a preceito da Constituição Federal (ou se trate de norma de observância obrigatória), nos termos do art. 125, § 2º, da Constituição Federal.

 

         Qualquer alegação fundada em norma infraconstitucional, como a Lei Orgânica do Município, não merece cognição, tendo em vista que é “inviável a análise de outra norma municipal para aferição da alegada inconstitucionalidade da lei” (STF, AgR-RE 290.549-RJ, 1ª Turma, Rel. Min. Dias Toffoli, 28-02-2012, m.v., DJe 29-03-2012).

 

Ao depois, de ver-se, inicialmente, que a lei não tratou de nenhuma matéria cuja iniciativa legislativa seja reservada ao Chefe do Poder Executivo, e tampouco houve violação ao princípio da separação de poderes por invasão da esfera da gestão administrativa.

A matéria sujeita à iniciativa reservada do chefe do Poder Executivo, por ser direito estrito, deve ser interpretada restritivamente. Nesse sentido é o entendimento pacífico do Colendo Supremo Tribunal Federal, ao interpretar o art. 61, § 1º, da Constituição Federal, como se infere dos precedentes a seguir:

“As hipóteses de limitação da iniciativa parlamentar estão previstas, em numerus clausus, no art. 61 da Constituição do Brasil – matérias relativas ao funcionamento da administração pública, notadamente no que se refere a servidores e órgãos do Poder Executivo. Precedentes. (ADI 3.394, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 2-4-2007, Plenário, DJE de 15-8-2008).

(...) iniciativa reservada, por constituir matéria de direito estrito, não se presume e nem comporta interpretação ampliativa, na medida em que, por implicar limitação ao poder de instauração do processo legislativo, deve necessariamente derivar de norma constitucional explícita e inequívoca. (...)” (ADI 724-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 7-5-1992, Plenário, DJ de 27-4-2001).

No mesmo sentido os seguintes julgados: ADI nº 3.205, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 19-10-2006, Plenário, DJ de 17-11-2006; RE nº 328.896, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 9-10-2009, DJE de 5-11-2009; ADI nº 2.392-MC, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 28-3-2001, Plenário, DJ de 1º-8-2003; ADI nº 2.474, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 19-3-2003, Plenário, DJ de 25-4-2003; ADI nº 2.638, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 15-2-2006, Plenário, DJ de 9-6-2006.

As matérias em que há iniciativa legislativa reservada ao Chefe do Poder Executivo, em conformidade com a Constituição do Estado de São Paulo, são indicadas taxativamente: (a) criação e extinção de cargos e funções na administração direta ou indireta autárquica, bem como a fixação da respectiva remuneração; (b) criação de órgãos públicos; (c) organização da Procuradoria-Geral do Estado e da Defensoria Pública; (d) servidores públicos e seu regime jurídico; (e) regime jurídico dos servidores militares; (e) criação, alteração e supressão de cartórios.

Isso decorre do art. 24, § 2º, ns. 1, 2, 3, 4, 5, 6, da Constituição do Estado, aplicáveis aos Municípios por força do art. 144 da própria Carta Estadual (configurando reprodução das diretrizes contidas no art. 61, § 1º, da CR/88).

E basta uma simples leitura da lei impugnada para ver claramente que ela não trata de nenhum desses assuntos.

Não há, no caso, qualquer vestígio, nem mesmo tênue, de desrespeito ao princípio da separação de poderes, estabelecido no art. 5º da Constituição do Estado (que reproduz o art. 2º da CR/88).

Seria possível afirmar a ocorrência de quebra da separação de poderes caso a lei interferisse diretamente na gestão administrativa.

Mas não é isso o que ocorre na hipótese em exame.

Há interferência direta do legislador na atividade do administrador, como tem reiteradamente reconhecido esse Colendo Órgão Especial do Tribunal de Justiça, em casos de leis de iniciativa parlamentar que, por exemplo: (a) criam programas de governo a serem seguidos pelo Poder Executivo; (b) impõem ou vedam a prática de atos administrativos (contratos, permissões, concessões, autorizações, etc.); (c) concedem nomes a prédios públicos, praças ou vias públicas; (d) impõem a inserção de informações em comunicados enviados aos munícipes relativos ao lançamento de impostos; (e) criam sistemas de controle orçamentário, com imposição de envio periódico de informações do Executivo ao Legislativo, sem que haja correspondência com o modelo previsto na Constituição da República e aplicável por força do princípio constitucional da simetria; entre outros.

Em síntese: é possível identificar a ocorrência da quebra do princípio da separação de poderes quando da lei resulta interferência direta por parte do legislador na atividade do administrador.

Não é o que se constata no caso em exame.

A lei questionada impôs obrigações aos estacionamentos comerciais, bancos, supermercados, shopping centers e empreendimentos habitacionais, e não ao Município, na tentativa de minimizar problemas sérios de escoamento de águas pluviais, principalmente nos períodos de chuvas mais intensas, em proteção justamente ao meio ambiente, do bem estar, da segurança e da qualidade de vida dos seus habitantes.

Por tais razões, igualmente, não houve violação do art. 180 e incisos da Constituição Estadual, salientado que no caso em questão, desnecessária a realização de audiência pública, dada a notoriedade da existência dos problemas causados pelas enchentes, que não raramente decorrem justamente da hipermeabilização desordenada do solo.

Diante do exposto, opino pela improcedência desta ação direta.

 

São Paulo, 10 de abril de 2013.

vlcb

        Sérgio Turra Sobrane

        Subprocurador-Geral de Justiça

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