Parecer
Processo nº. 0265021-22.2012.8.26.0000
Requerente: Prefeito do Município de Jundiaí
Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade, movida por Prefeito. Lei nº 7.578, de 11 de novembro de 2010, do Município de Jundiaí, que “Institui a Política Municipal de Prevenção e Controle do Câncer de Próstata”. Projeto de autoria de Vereador. Matéria reservada ao Chefe do Poder Executivo. Violação do princípio da separação dos poderes. Ofensa aos artigos 5º; 24, § 2º, n. 2; 25; 47, incs. II, XIV e XIX, “a”; 144; e 176, I, da Constituição Estadual. Parecer pela procedência da ação.
Colendo
Órgão Especial
Excelentíssimo
Senhor Desembargador Presidente
Trata-se
de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de Jundiaí, tendo por objeto a Lei nº 7.578, de 11 de novembro
de 2010, do Município de Jundiaí, que “Institui a Política Municipal de
Prevenção e Controle do Câncer de Próstata”.
O
autor noticia que o projeto que a antecedeu iniciou-se na Câmara Municipal e
que, depois de aprovado, foi inteiramente vetado pelo Poder Executivo. O veto
foi derrubado e, ao final, a lei foi promulgada pelo Presidente da Câmara
Municipal.
Sustenta
que a lei em questão cria obrigações para a administração pública, havendo
usurpação por parte do Poder Legislativo de atribuições pertinentes a
atividades próprias do Poder Executivo e aponta transgressão aos arts. 5º e 144
da Constituição Estadual.
A liminar foi indeferida (fl. 39).
O
Presidente da Câmara Municipal prestou informações (fls. 53/55), atendo-se ao
processo legislativo.
A
Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando
que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 49/51).
Este
é o breve resumo do que consta dos autos.
A
lei impugnada do Município de Jundiaí assim dispõe:
“Art. 1º. É
instituída a Política Municipal de Prevenção e Controle do Câncer de Próstata,
tendo como diretrizes:
I – estabelecer ações de prevenção do câncer de próstata, visando à promoção da saúde dos munícipes;
II – detectar precocemente o câncer de próstata, para aumentar a probabilidade de cura e para melhorar a qualidade de vida do docente;
III – consolidar e expandir os serviços de assistência oncológica do Município;
IV – promover o desenvolvimento de recursos humanos, de pesquisas e de outras ações indispensáveis à qualidade dos serviços e das ações de prevenção e controle do câncer de próstata.
Art. 2º. Compete ao Poder Público:
I – assistir a pessoa acometida do câncer de próstata, com amparou médico, psicológico e social;
II – estimular, por meio de campanhas anuais, em parceria com os órgãos competentes, estaduais e federais, a realização de exames para detecção do câncer de próstata na população masculina acima de 40 (quarenta) anos;
III – realizar campanha institucional nos meios de comunicação, com mensagens sobre o câncer de próstata e sobre as formas de prevenção dessa doença;
IV – apoiar o desenvolvimento científico e tecnológico voltado para a prevenção, o enfrentamento e o controle do câncer de próstata e dos problemas relacionados a essa doença, assim como a formação permanente dos trabalhadores da rede de serviços de saúde;
V – propor parcerias com universidades, sociedades civis organizadas, sindicatos, organizações não-governamentais do setor de saúde e entidades médicas, para a realização de debates e palestras sobre o câncer de próstata e sobre as formas de prevenção e tratamento dessas doença;
VI – promover ações educativas para sensibilizar e conscientizar a população sobre a importância da prevenção do câncer de próstata;
VII – estabelecer formas de controle e avaliação dos riscos do câncer de próstata no Município.
Art. 3º. O Poder Executivo incluirá, na Lei de Diretrizes Orçamentárias – LDO e na Lei Orçamentária Anual – LOA do exercício civil subsequente ao da data de publicação desta lei, as despesas decorrentes de sua execução.
Art. 4º. O Executivo regulamentará esta lei no prazo de 60 (sessenta) dias, contados da data de sua publicação.
Art. 5º. Esta
lei entra em vigor no primeiro dia útil do ano subsequente ao da data de
publicação das leis orçamentárias referidas no art. 3º.”
Dita
lei é verticalmente incompatível com a Constituição do Estado de São Paulo,
especialmente com os seus arts. 5º; 24, § 2º, n. 2; 47, incs. II, XIV e
XIX, “a”; 144; e 176, I,
os quais dispõem o seguinte:
“Art. 5.º - São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
(...)
Art. 24 - A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou comissão da Assembleia Legislativa, ao Governador do Estado, ao Tribunal de Justiça, ao Procurador-Geral de Justiça e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.
(...)
§2º - Compete, exclusivamente, ao Governador do Estado a iniciativa das leis que disponham sobre:
(...)
2 - criação e extinção das Secretarias de Estado e órgãos da administração pública, observado o disposto no art. 47, XIX;
Art. 25 - Nenhum projeto de lei que implique a criação ou o aumento de despesa pública será sancionado sem que dele conste a indicação dos recursos disponíveis, próprios para atender aos novos encargos.
Art. 47 – Compete privativamente ao Governador, além de outras atribuições previstas nesta Constituição:
(...)
II – exercer, com o auxílio dos Secretários de Estado, a direção superior da administração estadual;
(...)
XIV – praticar os demais atos de administração, nos limites da competência do Executivo;
(...)
XIX - dispor, mediante decreto, sobre:
a) organização e funcionamento da administração estadual, quando não implicar em aumento de despesa, nem criação ou extinção de órgãos públicos;
Art. 144 – Os Municípios, com autonomia, política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.
Art. 176 - São vedados:
I - o início de programas, projetos e atividades não incluídos na lei orçamentária anual;”
Como visto, a impugnada norma cria um programa de governo, impondo à Administração a obrigação de implementar todos os serviços elencados nos incisos dos artigos 1º e 2º e, consequentemente, maiores despesas, o que importa em invasão da seara administrativa.
Nos
entes políticos da Federação, dividem-se as funções de governo: o Executivo foi
incumbido da tarefa de administrar, segundo a legislação vigente, por força do
postulado da legalidade, enquanto que o Legislativo ficou responsável pela
edição das normas genéricas e abstratas, as quais compõem a base normativa para
as atividades de gestão.
Essa
repartição de funções decorre da incorporação à Constituição brasileira do
princípio da independência e harmonia entre os Poderes (art. 2.º), preconizado
por Montesquieu, e que visa a impedir a concentração de poderes num único órgão
ou agente, o que a experiência revelou conduzir ao absolutismo.
A
tarefa de administrar o Município, a cargo do Executivo, engloba as atividades
de planejamento, organização e direção dos serviços públicos, o que abrange,
efetivamente, a concepção de programas, como o da espécie em análise.
Por
intermédio da lei em análise, a Câmara criou um programa que visa à prevenção e o
controle de próstata no município de Jundiaí, onerando, desta forma, a
Administração. Embora elogiável a preocupação
do Legislativo local com o tema, a iniciativa não tem como prosperar na ordem
constitucional vigente, uma vez que a norma disciplina atos que são próprios da
função executiva.
As
normas de fixação de competência para a iniciativa do processo legislativo
derivam do princípio da separação dos poderes, que nada mais é que o mecanismo
jurídico que serve à organização do Estado, definindo órgãos, estabelecendo
competências e marcando as relações recíprocas entre esses mesmos órgãos
(Manoel Gonçalves Ferreira Filho, op. cit., pp. 111-112). Se essas normas não
são atendidas, como no caso em exame, fica patente a inconstitucionalidade, em
face de vício de iniciativa.
Sobre
isso, ensinou Hely Lopes Meirelles que se “a Câmara, desatendendo à
privatividade do Executivo para esses projetos, votar e aprovar leis sobre tais
matérias, caberá ao Prefeito vetá-las, por inconstitucionais. Sancionadas e
promulgadas que sejam, nem por isso se nos afigura que convalesçam de vício
inicial, porque o Executivo não pode renunciar prerrogativas institucionais
inerentes às suas funções, como não pode delegá-las aquiescer em que o
Legislativo as exerça” (Direito Municipal Brasileiro, São Paulo, Malheiros, 7ª
ed., pp. 544-545).
Nota-se,
por fim, que a lei gera aumento de despesa sem indicação da fonte e, destarte,
colide com o disposto no artigo 25, da Constituição Bandeirante.
Esse
Sodalício, aliás, tem declarado a inconstitucionalidade de leis municipais que
infringem esses comandos:
“LEI MUNICIPAL QUE, DEMAIS IMPÕE INDEVIDO AUMENTO DE DESPESA PÚBLICA SEM A INDICAÇÃO DOS RECURSOS DISPONÍVEIS, PRÓPRIOS PARA ATENDER AOS NOVOS ENCARGOS (CE, ART 25). COMPROMETENDO A ATUAÇÃO DO EXECUTIVO NA EXECUÇÃO DO ORÇAMENTO - ARTIGO 176, INCISO I, DA REFERIDA CONSTITUIÇÃO, QUE VEDA O INÍCIO DE PROGRAMAS. PROJETOS E ATIVIDADES NÃO INCLUÍDOS NA LEI ORÇAMENTÁRIA ANUAL” (ADIn 142.519-0/5-00, rel. Des. Mohamed Amaro, 15.8.2007).
Diante
do exposto, nosso parecer é no sentido da integral procedência desta ação
direta, declarando-se a
inconstitucionalidade da Lei nº 7.578, de 11 de novembro de 2010, do Município
de Jundiaí.
São Paulo, 21 de março de
2013.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
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