Parecer
Processo n. 0265028-14.2012.8.26.0000
Requerente: Prefeito do Município de Jundiaí
Requerido: Presidente da Câmara Municipal de
Jundiaí
Constitucional. Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n. 7.681, de 06 de junho de 2011, do Município de Jundiaí. Preliminar. Parâmetro do contencioso de constitucionalidade de lei municipal. Reserva de assentos preferenciais para idosos, gestantes e deficientes em estabelecimentos particulares de acesso público. Lei de iniciativa parlamentar. Separação de Poderes. Recursos financeiros. Improcedência da ação. 1. O controle objetivo de constitucionalidade de lei ou ato normativo municipal tem parâmetro a CE/89, inclusive quando reproduza, imite ou remeta a preceito da CF/88 ou se trate de norma de observância obrigatória (art. 125, § 2º, CF/88), não podendo balizá-lo ofensa à norma infraconstitucional como a Lei Orgânica do Município. 2. Lei municipal, de iniciativa parlamentar, que cria reserva de assentos preferenciais para idosos, gestantes e deficientes em estabelecimentos particulares de acesso público. 3. Inconsistência de violação ao art. 25, CE/89, porque a norma não cria direta e imediatamente obrigações financeiras para o poder público, impondo deveres somente aos particulares, não bastasse veicular questão de fato dependente de prova. 4. Princípio da separação de poderes (arts. 5º, 37, 47, II, e 111 CE/89) não vulnerado por não revelar o conteúdo da norma contestada violação da reserva da Administração ou da reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo, uma vez que a polícia do comércio e de estabelecimentos particulares de acesso público é matéria da iniciativa comum ou concorrente. 5. Improcedência da ação.
Colendo Órgão Especial:
1. Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade
promovida pelo Prefeito do Município de Jundiaí em face da Lei n. 7.681, de 06
de junho de 2011, do Município de Jundiaí, de iniciativa parlamentar, que cria reserva
de assentos preferenciais para idosos, gestantes e deficientes em
estabelecimentos particulares de acesso público, sob alegação de
incompatibilidade com o art. 61, § 1º, da Constituição Federal, os arts. 5º,
25, 37, 47, II, 111 e 144 da Constituição do Estado, e preceitos da Lei Orgânica
do Município (fls. 02/07).
2. A liminar foi concedida (fls. 25/26).
3. O douto Procurador-Geral do Estado de São Paulo
declinou da defesa do ato normativo (fls. 37/38).
4. O Presidente da Câmara Municipal de Campinas sustentou
a constitucionalidade da norma, postulando a improcedência da ação (fls.
40/46).
5. É o relatório.
6. É
impróprio para o desate da lide o
contraste da norma municipal impugnada com outro parâmetro para além da
Constituição Estadual, salvo quando reproduza, imite ou remeta a preceito da
Constituição Federal (ou se trate de norma de observância obrigatória), nos
termos do art. 125, § 2º, da Constituição Federal.
7. Qualquer alegação fundada em
norma infraconstitucional, como a Lei Orgânica do Município, não merece cognição,
tendo em vista que é “inviável a análise de
outra norma municipal para aferição da alegada inconstitucionalidade da lei”
(STF, AgR-RE 290.549-RJ, 1ª Turma, Rel. Min. Dias Toffoli, 28-02-2012, m.v.,
DJe 29-03-2012).
8. A
Lei n. 7.681, de 06 de junho de 2011, tem a seguinte redação:
“Art. 1º. Em todo restaurante, lanchonete, ‘shopping center’, centro comercial, hipermercado e supermercado haverá, na praça de alimentação, cadeiras preferenciais para idosos, gestantes e deficientes, na proporção de 10% (dez por cento) do total de postos, desde que estes sejam em número mínimo de 40 (quarenta).
Parágrafo único. Na praça de alimentação afixar-se-ão, em local de grande visibilidade, placas ou adesivos indicativos dos postos referenciais.
Art. 2º. Os estabelecimentos referidos no art. 1º terão prazo de 90 (noventa) dias corridos, a partir da publicação desta lei, para se adequarem ao nele disposto.
Art. 3º. Ao estabelecimento infrator aplicar-se-á multa de R$ 250,00 (duzentos e cinquenta reais), dobrada em cada reincidência.
Art. 4º. Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário” (sic).
9. Não
há incompatibilidade da
lei local com o art. 25 da Constituição Estadual.
10. A lei não cria obrigações para o Poder Executivo, estabelecendo deveres a particulares.
11. O
art. 25 da Constituição do Estado tem aplicação circunscrita ao “projeto de lei
que implique a criação ou o aumento de despesa pública”, como explicita a
própria norma com nítido intuito de responsabilidade fiscal ao exigir que,
nessa circunstância, conste a indicação de recursos disponíveis, próprios para
atendimento dos novos encargos.
12. Sua incidência é adstrita a leis
que diretamente importem repercussão positiva na despesa pública, e não em qualquer
lei. Em se tratando de lei que manifestamente não produza esse impacto, é
descabida sua arguição por traduzir matéria de fato e de prova inadmissível no
seio do controle objetivo de constitucionalidade.
13. A lei prescreve obrigação não se
podendo cogitar que do exercício de sua execução e fiscalização derivem
despesas novas sem cobertura financeiro-orçamentária, pois, já são precedentemente
absorvidas pela polícia administrativa preexistente.
14. É verdadeiro sofisma a alegação de
que toda e qualquer lei que gere despesa só possa advir de projeto de autoria
do Executivo. O Supremo Tribunal Federal tem estimado que:
“não procede a alegação de que qualquer projeto de lei que crie despesa só poderá ser proposto pelo Chefe do Executivo. As hipóteses de limitação da iniciativa parlamentar estão previstas, em numerus clausus, no artigo 61 da Constituição do Brasil --- matérias relativas ao funcionamento da Administração Pública, notadamente no que se refere a servidores e órgãos do Poder Executivo” (RT 866/112).
15. É que diferentemente do ordenamento
constitucional anterior, “não havendo mais a expressa disposição no texto
constitucional de que é iniciativa privativa do Presidente da República as leis
que disponham sobre matéria financeira, tal reserva não mais subsiste, não
sendo cabível interpretação ampliativa na hipótese, conforme entende inclusive
nossa Suprema Corte”, assinala José Maurício Conti ao comentar a inexistência
de reserva de iniciativa para leis que criam ou aumentam despesa pública
(Iniciativa legislativa em matéria financeira, in Orçamentos Públicos e Direito Financeiro, São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2011, pp. 283-307, coordenação José Maurício Conti e Fernando Facury
Scaff).
16. Neste sentido, calha invocar o entendimento do
colendo Órgão Especial:
“Nem tampouco há que se falar que a previsão
legal contestada nos autos implicaria no indevido aumento de despesas do ente
público local, sem a respectiva indicação da fonte de custeio, em violação ao
comando contido no artigo 50 da Lei Orgânica do Município de Jundiaí, que
reproduz a regra contida no artigo 25 da Constituição do Estado de São Paulo.
Com efeito, a perene fiscalização das atividades
comerciais estabelecidas em seu território insere-se no poder-dever da
Administração Municipal, que dela não pode furtar-se; assim, não merece
acolhida o argumento de que a proibição de comercializarem a substância ‘organofosforado
carbamato’, imposta aos ‘pet shops’, casas de ração e similares no Município de
Jundiaí, implicaria no aumento de despesa do ente público local, ao estabelecer
encargo ao Poder Executivo.
Ora, tais quais todas as demais
empresas instaladas, os estabelecimentos destinatários dessa norma legal devem estar
sob permanente vigilância dos órgãos públicos locais responsáveis, aos quais
incumbe verificar o pleno atendimento da legislação de regência, não se podendo
então falar na criação de nova obrigação ao Município pela Lei n° 7.341/09.
A propósito, já decidiu esta Corte Paulista, em caso análogo, que ‘o dever de fiscalização do cumprimento das normas é conatural aos atos normativos e não tem, no caso, efeito de gerar despesas ao Município. Além disso, a matéria tratada na lei impugnada é de polícia administrativa, e as obrigações foram impostas aos particulares, exclusivamente’ (v. Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 0006247-80.2012.8.26.0000, relator Desembargador Guerrieri Rezende). (...)” (TJSP, ADI 0580128-04.2010.8.26.0000, Rel. Des. Paulo Dimas Mascaretti, m.v., 30-01-2013).
17. Também é improcedente a ação sob a
alegação de ofensa ao princípio da separação de poderes.
18. A iniciativa parlamentar não ofende
o quanto contido nos arts. 5º, 24, § 2º, 2 e 47, II, XIV e XIX, a, da Constituição Estadual, por não
veicular matéria inserida na reserva da Administração nem na reserva de
iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo.
19. As regras federais do processo
legislativo são de observância obrigatória. Neste sentido:
“(...) 2. A Constituição do Brasil, ao conferir aos Estados-membros a capacidade de auto-organização e de autogoverno --- artigo 25, caput ---, impõe a obrigatória observância de vários princípios, entre os quais o pertinente ao processo legislativo. O legislador estadual não pode usurpar a iniciativa legislativa do Chefe do Executivo, dispondo sobre as matérias reservadas a essa iniciativa privativa. (...)” (STF, ADI 1.594-RN, Tribunal Pleno, Rel. Min. Eros Grau, 04-06-2008, v.u., DJe 22-08-2008).
“(...) I. - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que as regras básicas do processo legislativo da Constituição Federal, entre as quais as que estabelecem reserva de iniciativa legislativa, são de observância obrigatória pelos estados-membros. (...)” (RT 850/180).
“(...) 1. A Constituição do Brasil, ao conferir aos Estados-membros a capacidade de auto-organização e de autogoverno (artigo 25, caput), impõe a obrigatória observância de vários princípios, entre os quais o pertinente ao processo legislativo, de modo que o legislador estadual não pode validamente dispor sobre as matérias reservadas à iniciativa privativa do Chefe do Executivo. (...)” (RTJ 193/832).
“(...) I. -
As regras básicas do processo legislativo federal são de observância
obrigatória pelos Estados-membros e Municípios. (...)” (STF, ADI 2.731-ES,
Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, 02-03-2003, v.u., DJ 25-04-2003, p.
33).
20. A lei local não ventila em seu
conteúdo a disciplina da organização e do funcionamento da Administração
Pública ou de serviço público nem a atribuição de órgãos do Poder Executivo ou
atos da gestão ordinária.
21. Impossível
invocar-se como parâmetro o art. 61, § 1º, II, b, da Constituição da República, por ser norma específica destinada
exclusivamente à organização administrativa e aos serviços públicos dos
Territórios.
22. Neste
sentido, pronuncia o Supremo Tribunal Federal que “a reserva
de lei de iniciativa do chefe do Executivo, prevista no art. 61, § 1º, II, b,
da Constituição, somente se aplica aos Territórios federais” (STF, ADI 2.447-MG,
Tribunal Pleno, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 04-03-2009, v.u., DJe 04-12-2009).
23. A
polícia de segurança, conforto, asseio, higiene etc. dos estabelecimentos
comerciais de acesso público é matéria que não está arrolada nos preceitos
constitucionais que cunham a reserva de iniciativa legislativa em favor do
Chefe do Poder Executivo, situando-se na iniciativa comum ou concorrente.
24. Regra é a iniciativa legislativa
pertencente ao Poder Legislativo; exceção é a atribuição de reserva a certa
categoria de agentes, entidades e órgãos, e que, por isso, não se presume.
Corolário é a devida interpretação restritiva às hipóteses de iniciativa
legislativa reservada, perfilhando tradicional lição salientando que:
“a distribuição das funções entre os órgãos do Estado (poderes), isto é, a determinação das competências, constitui tarefa do Poder Constituinte, através da Constituição. Donde se conclui que as exceções ao princípio da separação, isto é, todas aquelas participações de cada poder, a título secundário, em funções que teórica e normalmente competiriam a outro poder, só serão admissíveis quando a Constituição as estabeleça, e nos termos em que fizer. Não é lícito à lei ordinária, nem ao juiz, nem ao intérprete, criarem novas exceções, novas participações secundárias, violadoras do princípio geral de que a cada categoria de órgãos compete aquelas funções correspondentes à sua natureza específica” (J. H. Meirelles Teixeira. Curso de Direito Constitucional, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, pp. 581, 592-593).
25.
Fixadas estas premissas, as
reservas de iniciativa legislativa a autoridades, agentes, entidades ou órgãos
públicos diversos do Poder Legislativo devem sempre ser interpretadas
restritivamente na medida em que, ao transferirem a ignição do processo
legislativo, operam reduções a funções típicas do Parlamento e de seus membros.
Neste sentido, colhe-se
da Suprema Corte:
“A iniciativa reservada, por constituir matéria de direito estrito, não se presume e nem comporta interpretação ampliativa, na medida em que – por implicar limitação ao poder de instauração do processo legislativo – deve necessariamente derivar de norma constitucional explícita e inequívoca” (STF, ADI-MC 724-RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 27-04-2001).
“As hipóteses de limitação da
iniciativa parlamentar estão previstas, em numerus
clausus, no artigo 61 da Constituição do Brasil --- matérias relativas ao
funcionamento da Administração Pública, notadamente no que se refere a
servidores e órgãos do Poder Executivo” (RT 866/112).
“A disciplina jurídica do
processo de elaboração das leis tem matriz essencialmente constitucional, pois
residem, no texto da Constituição - e nele somente -, os princípios que regem o
procedimento de formação legislativa, inclusive aqueles que concernem ao
exercício do poder de iniciativa das leis. - A teoria geral do processo
legislativo, ao versar a questão da iniciativa vinculada das leis, adverte que
esta somente se legitima - considerada a qualificação eminentemente
constitucional do poder de agir em sede legislativa - se houver, no texto da
própria Constituição, dispositivo que, de modo expresso, a preveja. Em
conseqüência desse modelo constitucional, nenhuma lei, no sistema de direito
positivo vigente no Brasil, dispõe de autoridade suficiente para impor, ao
Chefe do Executivo, o exercício compulsório do poder de iniciativa legislativa”
(STF, MS 22.690-CE, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 17-04-1997, v.u.,
DJ 07-12-2006, p. 36).
26. Tampouco se capta
competência privativa do Chefe do Poder Executivo. O art. 47 da Constituição do
Estado consagra a atribuição de governo do Chefe do Poder Executivo, traçando
suas competências próprias de administração e gestão que compõem a denominada
reserva de Administração, pois, veiculam matérias de sua alçada exclusiva, imunes
à interferência do Poder Legislativo.
27. A norma local impõe obrigação a
particulares, no âmbito da polícia administrativa e demanda, por isso mesmo, a
observância de reserva formal de lei.
28. De fato, não é possível mero ato
normativo da Administração Pública, por manifestar o conteúdo da norma o poder
extroverso do Estado, exigente do princípio da legalidade em sentido estrito ou
absoluto, o que afasta a alegação de ofensa aos arts. 37, 47, II, e 111 da
Constituição Estadual.
29. Opino
pela improcedência da ação.
São
Paulo, 05 de março de 2013.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
wpmj